Problemas evidenciados pela pandemia podem ser oportunidade de reconstrução em nova lógica de transformação no setor. O tema foi debatido por convidados no painel ‘O Futuro da Educação Pública’ na 7ª Brazil Conference
O painel “O Futuro da Educação Pública”, debate feito a partir da perspectiva do agravamento dos problemas relativos à educação evidenciados pela pandemia de covid-19, foi realizado na 7ª Brazil Conference Harvard & MIT, neste 15 de abril, com transmissão ao vivo pela internet. A programação pode ser acompanhada pelo portal do Estadão, parceiro na cobertura do evento, além dos canais da conferência no Youtube e Facebook, a qualquer tempo.
O debate contou com as presenças do secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, a diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Lucia Dellagnelo, a professora da Educação Básica na Secretaria de Educação do Distrito Federal, Gina Vieira Ponte, e a fundadora e diretora do FGV Ceipe, Claudia Costin que moderou a conversa.
O principal tema debatido foi como o Brasil pode superar as dificuldades, em termos de educação, vividas atualmente. Foram levantados pontos relativos à necessidade de o País preparar a educação para a revolução 4.0, educando alunos e professores para a utilização estratégica da tecnologia.
Também foi discutida a necessidade de serem feitas mudanças estruturais no sistema educacional brasileiro. “A crise (da covid-19) não criou esses problemas, ela iluminou os problemas e eventualmente agravou alguns deles. E vai ser muito importante reconstruir isso, como foi falado aqui por todos. Quando as coisas são destruídas, nós temos a oportunidade de reconstruir sem reproduzir lógicas antigas, como nos lembra Boaventura Santos”, afirmou Claudia Costin.
Caroline Shalitari – Olá, eu sou a Caroline Shalitari, recém-formada no mestrado de negócios internacionais com concentração em inovação disruptiva e social, moro aqui nos Estados Unidos há mais de dois anos, e eu vim para cá a princípio justamente para compreender como negócios, políticas públicas e instituições educacionais podem transformar uma nação da melhor maneira possível e tem sido um prazer enorme liderar esse painel sobre o futuro da educação pública no Brasil, porque educação transforma. A gente está fazendo isso através de diálogos poderosos e gratuitos nessa conferência. Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer aos nossos patrocinadores, aos convidados por terem aceitado o nosso convite, a todos da equipe da Brazil Conference, em especial a Manuela Miranda, a Isabela Rosina e a Núbia Caversan, que estiveram aí lado a lado para fazer esse painel se tornar uma realidade, então gratidão, e também a você, que está assistindo, gratidão por disponibilizar esse tempo para se informar, para assimilar conhecimento de qualidade e, futuramente, aplicar o que você aprender aqui hoje, e como toda ação transformadora é feita em conjunto, compartilha esse link de transmissão com seus amigos, colegas de trabalho, família, manda nos grupos de WhatsApp, que eles vão te agradecer depois.
Bom, e para falar sobre o futuro da educação pública no Brasil lá Brasil na Brazil Conference 2021, teremos a presença ilustre da Lucia Dellagnelo, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira, foi secretária de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável em Santa Catarina, onde criou o Cluster de Inovação na Educação, é fundadora e presidente do conselho do Instituto Comunitário Grande Florianópolis, consultoria de organizações nacionais e internacionais na área de educação e desenvolvimento humano. Temos também Gina Vieira, ceilandense e mestre em linguística, é professora da Educação Básica da Secretaria de Educação do Distrito Federal há 29 anos e autora do projeto Mulheres Inspiradoras, agraciado aí com 13 prêmios, entre eles o Primeiro Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos. Renan Ferreirinha, economista e cientista político por Harvard, ele é cofundador do Mapa da Educação, do Movimento Acredito e do Formigueiro, primeira plataforma de financiamento coletivo, no Brasil, voltada exclusivamente para projetos educacionais, em 2018 foi eleito o Deputado mais jovem da Alerj e atualmente é secretário municipal de educação do Rio de Janeiro.
Last but not least, Claudia Costin, fundadora e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, professora visitante na faculdade de educação de Harvard, apoiou na criação do Movimento Todos Pela Educação e, até recentemente, foi diretora global de Educação do Banco Mundial, uma experiência sem medida que ela estará compartilhando conosco como moderadora do painel, Claudia, é com você querida.
Claudia Costin - Boa noite a todos, aqui no Brasil, pelo menos, é boa noite. É um prazer participar novamente da Brasil Conference. É muito bonito ver jovens brasileiros, quando saem do aquário né, é difícil enxergar o aquário quando a gente está dentro dele, quando saem do aquário, têm uma chance de repensar o Brasil, iniciativa essa que, por exemplo, o Renan pode fazer quando estudou em Harvard, quando fez o colégio em Harvard, e vários outros jovens que, aqui, dessa vez, organizaram a conferência. Eu queria começar comentando um pouco o tema que foi colocado para esse painel, para que a gente possa se debruçar bem, esse time fantástico. A Lucia, eu conheço já há alguns anos e tenho a sorte de ser do conselho do CIEB, acompanhar de perto, a Gina também, tive muitas interações com essa fantástica professora, e o Renan, que antes de ser secretário de educação, foi, como já foi falado, quem concebeu o inicialmente chamado Mapa do Buraco, eu fui entrevistada lá atrás para o Mapa do Buraco, que acabou virando o Mapa da Educação e vindo a ser muitas coisas que aconteceram no Brasil por conta dessa ênfase tão grande que um grupo jovem e transformador vem dando na educação. Mas eu queria falar do tema que nos foi dado, que é o futuro da educação. Dizem que crises são aceleradoras de futuro. Eu tendo acompanhado algumas, eu sou velha o suficiente para ter vivido muitas e para ter ouvido de gente que já nos deixou contar de outras crises na humanidade, as crises trazem um componente de sofrimento muito grande, mas também de aceleração de futuros, para o bem ou para o mal e a crise da covid-19 não é uma exceção. Então pensar o futuro da educação pública brasileira nesse contexto quer dizer olhar para múltiplas coisas, então vai querer dizer certamente olhar para essa aceleração da inclusão digital, e ninguém melhor que Lucia para depois falar um pouco sobre isso, pro fato não só de que a falta de conectividade de escolas, e até de residências, foi posta na mesa, na agenda de políticas públicas do Brasil, mas que também, graças ao trabalho do próprio CIEB, depois vamos ter chance de falar, já tinha entrado na Base Nacional Comum Curricular, a questão da competência digital como uma competência 5, e se a gente olhar para a nova Base Nacional Docente, o que os futuros professores precisam aprender na formação Inicial e o que eles precisam desenvolver na formação continuada, também aparece a questão da competência digital, então isso evidentemente entrará no futuro, mas será que vai ser bom que isso entre? A Lucia vai falar disso depois, mas eu já dou, para repetir a palavra de quem abriu o evento, já dou um spoiler: se bem usadas, com boas políticas públicas, as tecnologias podem nos ajudar a saltar etapas, para vocês que estão no MIT, ou em Harvard, ou no Boston College, nos permitem-lhe saltar etapas e integrar duas coisas que nós estamos devendo, que são as competências básicas, infelizmente, as crianças brasileiras, de escolas públicas, saem do terceiro ano do Ensino Fundamental sem ter concluído sua alfabetização Inicial, ou seja, para falar mais claramente, analfabetas, então nós temos uma crise que já começa lá no terceiro ano do Ensino Fundamental, e o apartheid educacional entre ricos e pobres só vai crescer depois disso, e se a gente pegar um outro dado, no terceiro ano do Ensino Médio, só 9,1% dos jovens, que concluíram o Fundamental II, entraram Ensino Médio, nem todos entram e nem todos chegam até o terceiro ano, só 9,1% deles tem o conhecimento suficiente em matemática. Por que que eu estou contando isso? Para falar que nós ainda não estamos entregando as competências básicas. E, no entanto, nesse meio tempo, antes mesmo da Covid-19, aconteceu um fenômeno complicado, que é o que ficou chamado de Revolução 4.0 ou o futuro do trabalho. Tendo trabalhado na OIT durante 18 meses, na iniciativa voltada a repensar a educação no contexto do futuro do trabalho, em que dois 2 bilhões de postos de trabalho serão extintos, outros serão criados, não fiquem inseguros, mas demandarão competências de nível muito mais sofisticado. Será que o Brasil vai conseguir entregar competências mais complexas, como fazer análises mais aprofundadas, ter pensamento crítico, ter pensamento sistêmico, resolução colaborativa de problemas com criatividade, que vai ser tão importante para prosperar nesses tempos? Aí a tecnologia surge como uma oportunidade, repito, para saltar etapas. Mas esse futuro tem a ver também, infelizmente, com perdas, eu vou falar um minutinho sobre isso. É inegável que um ano inteiro, um ano letivo inteiro de escolas fechadas, não estou dizendo que não tinha razão para isso, mas um ano inteiro de escolas fechadas frente à pandemia, necessidade de isolamento social, vai cobrar um preço, nós vamos ter perdas de aprendizagem importantes. Não acho que foi um ano perdido, porque outros aprendizados aconteceram, como acontece em crises de proporções históricas, como essa que nós vivemos, mas não vamos enfeitar a realidade. Infelizmente, foram brutais as perdas de aprendizagem. A Bélgica fez um estudo falando dos dois meses que ficaram com escolas fechadas e assustador, imagine o Brasil, que ficou um ano e um tanto mais, e o susto não é só das perdas de aprendizagem em média, mas do aumento brutal das desigualdades educacionais, que já eram grandes, imagina o que que é ficar dentro de uma casa, uns com um equipamento para cada um, com livros, com pais que tem um repertório cultural variado, enquanto outros estarão acumulados num único cômodo, sem conectividade, sem livros, o material que foi enviado para a escola, a mãe e o pai estão buscando fonte de renda, estou tentando resumir uma triste situação para dizer: provavelmente, as desigualdades educacionais vão se aprofundar muito, e não diminui esse fato a questão de que o Enem foi feito, houve um nível de desistência brutal, será que foram os mais afluentes que desistiram do Enem? Provavelmente não, foram aquelas pessoas de famílias mais vulneráveis que não foram porque não se sentiram preparados. Conto tudo isso para colocar minha primeira pergunta e ouvir cada um de vocês sobre a questão das escolas fechadas. Na visão de vocês, gostaria eu de saber, o Brasil terá como se recuperar de tudo isso que foi vivido? Eu começo perguntando isso para a Lucia Dellagnelo. Lucia, the floor is yours.
Lucia Dellagnelo – Obrigada Claudia, boa noite a todos, é um prazer estar aqui de novo na Brazil Conference, já participei de outras edições, e quando eu me formei em Harvard, há 20 anos atrás, já vou delatar minha idade, nós não tínhamos um grupo de brasileiros tão unidos e tão dispostos e compromissados a discutir a situação do Brasil, então eu tenho um pouco de inveja da geração de vocês, que viu essa saída do aquário, como Claudia falou, é uma grande oportunidade de a gente pensar o Brasil que a gente quer construir, essa responsabilidade que todos nós que tivemos o privilégio de estudar em Harvard, no MIT e em outras universidades fora temos em relação ao nosso país. Eu vou começar a respondendo essa pergunta, Claudia, dizendo que sem dúvida nós vamos ter grandes perdas, e os dados estão mostrando que todos tiveram perdas, mas os países que tiveram as perdas menores foram aqueles que já usavam as tecnologias antes da pandemia, portanto, os professores já tinham em seu repertório, estratégias pedagógicas de ensino mediadas pela tecnologia, o melhor exemplo é a Estônia, na Estônia já era um sistema educacional que se apoiava muito no uso da tecnologia, e agora, nas primeiras avaliações feitas depois da pandemia lá na Europa, se vê que as perdas foram muito pequenas, de aprendizagem, houve perdas, mas foram pequenas, então isso tudo depende, essa capacidade, essa resiliência do sistema de ensino, depende da experiência que eles têm no uso significativo da tecnologia, não é a simples presença da tecnologia que garante a aprendizagem, mas é a incorporação da tecnologia como uma ferramenta, como uma alavanca para ampliar o tempo e, principalmente, o poder da tecnologia de personalizar a experiência de aprendizado. É muito difícil que um professor com 30, 40 alunos, consiga algum grau de personalização na forma de ensinar, a tecnologia permite que o professor ofereça diferentes experiências de aprendizagem para os seus alunos, e consiga ter dados para saber exatamente onde cada aluno está no seu processo de aprendizagem. É importante, gente, esse tema de educação, a gente sempre fala em como a educação é importante, mas às vezes é um discurso mais retórico do que verdadeiro, mas se nós olharmos os rankings internacionais de competitividade do Brasil, sempre quando eu olho esse rankings, essas comparações da economia, de competitividade global mesmo, por exemplo, do Word Economic Forum, você tem que o Brasil tá, por exemplo, na última edição, no meio, entre 141 países, nós estavam na 71ª posição, então bem no meio, mas quando você abre esses dados e olha só, por exemplo, para os relativos à educação, o Brasil cai para as últimas posições, tem um indicador, lá do ranking de competitividade global, que diz competências digitais da população, e nesse o Brasil está nas últimas 10 posições dos 140 países. Isso se repete em outros índices, por exemplo, hoje existe um ranking de competitividade digital dos países, de novo, o Brasil está numa posição média, mas quando você olha o nível de formação de professores e, mais ainda, o potencial do capital humano. no Brasil, para fazer a revolução 4.0 ou a transformação digital, como nós queremos chamar, o Brasil não tem, então nós temos um grande problema, um gap agora, mas teremos um gap maior ainda, porque não estamos formando a geração que precisa ter as competências necessárias para fazer essa revolução, e essas competências não são apenas saber usar ferramentas digitais, competência digital tem a ver com pensamento computacional, essa capacidade crítica, o data literacy, a capacidade de ler dados, analisar dados, e propor soluções baseadas em dados, então muita gente confunde essa ideia de competência digital como saber usar a tecnologia, e não é verdade, eu acho que a Base Nacional Comum Curricular fala muito bem quando ela diz que é preciso compreender, saber utilizar, e criar novas tecnologias para a solução de problemas individuais e coletivos, e é isso que nós precisamos fazer. Eu sempre digo que o Brasil tem um desafio duplo, se você der um Google, tem um livro com esse título, para mim é o resumo do desafio do Brasil, nós precisamos inovar para educar, e nós precisamos educar uma geração para inovar, então é esse desafio duplo que o Brasil tem a sua frente agora, e que nós precisamos usar a tecnologia para fazer o leapfrog, para fazer o avanço exponencial que nós precisamos para melhorar nossa competitividade e, principalmente, a preparação do povo brasileiro para esse mundo que tá cada vez ficando mais claro na nossa frente, um mundo que é permeado por tecnologia, um mundo baseado em criatividade, baseado em colaboração, e que se não formos capazes de formar essa geração para esse lugar, onde os países estão investindo fortemente no seu capital humano, dificilmente nós sairemos do lugar, o gap do Brasil com os outros países ficará maior. Eu tenho até cuidado quando eu falo isso, porque a gente está vivendo um momento tão dolorido na sociedade brasileira, que eu espero que essa dor que todos nós estamos sentindo seja realmente revertida, quase como wake-up call, é isso, nós estamos todos de uma tempestade, mas em barcos diferentes, alguns países estão conseguindo se manter nessa tempestade sem afundar e sem se afogar, e o Brasil está numa posição muito frágil pela falta de investimento em seu capital humano.
Claudia Costin - Muito obrigada Lucia. Eu queria reformatar pergunta para falar para Gina, porque a o que nós constatamos na pandemia, a partir de pesquisas, foi que os professores começaram, inicialmente, se sentindo profundamente despreparados, aliás, não só no Brasil, no mundo, porque ninguém tinha imaginado que essa pandemia teria essa dimensão. Eu me lembro de conversar com epidemiologistas, eles me dizerem que isso vai durar o mês. Naturalmente que não durou um mês, e foi crescendo, parte por conta de irresponsabilidades comportamentais, inclusive de governantes, parte por falta de coordenação nacional do esforço de lidar com a pandemia do ponto de vista da saúde e da própria educação, mas uma coisa que me chamou atenção é que, embora no começo professores, numa pesquisa do Instituto Península, tenham falado que sentiam completamente despreparados para lidar com aprendizagem em casa, não vou nem falar com a tecnologia, porque houve outras formas de aprendizagem em casa que não o meio digital, alguns usaram cadernos pedagógicos, televisão, rádio foi muito usado em algumas partes do Brasil, mas, embora eles tenham dito que não sentiam preparados, a segunda pesquisa do Instituto Península mostra que, de alguma maneira, os professores acabaram aprendendo a lidar. Não é bom, não é que foi de grande qualidade, mas algo foi feito, e os professores, alguns deles, eu lia pesquisa, inclusive dizendo que se redescobriram profissionalmente. Eu queria que você olhar tivesse um olhar para essa questão do professor, ou falasse como você se sentiu como professora nesse processo, e falar como é que foi possível manter o vínculo com os alunos, porque uma das coisas que me preocupa, e uma das perdas que eu não me referi ainda é da imensa possibilidade de um grupo grande alunos, especialmente o Fundamental I e II, abandonarem os seus estudos, perderam o vínculo e abandonarem seus estudos. Gina, é com você.
Gina Vieira – Grande pergunta professora Claudia. Primeiro, eu quero externar aqui a minha gratidão pela honra de estar participando de uma conferência tão importante, organizada por jovens engajados, comprometidos com a mudança do país. Eu acho que esse painel é um painel que anuncia muito uma vontade de mudança, porque tem aqui uma professora da Educação Básica participando, normalmente a educação é discutida por quem está nos gabinetes e não por quem está no chão da escola. Eu acho importante registrar aqui que eu ocupo um lugar que eu considero muito importante, de representar os docentes. A pergunta que a professora Claudia traz, de como é que os professores se sentiram em relação ao processo, eu acho que é muito importante a gente situar, aterrissar nossa fala na atual conjuntura brasileira e dizer que é muito problemático a gente concentrar nossa análise na pandemia, nos dois últimos anos, porque, como muito bem disse a Lucia, os países que vem fazendo investimento consistente em inclusão digital de docentes, eles tiveram menos dificuldades de lidar com a pandemia, a gente precisa lembrar que nós temos dois aspectos muito marcantes no nosso país, primeiro, no Brasil, os nossos problemas educacionais são antes de tudo problemas de desigualdade social. Isso precisa ter se destacado com muita ênfase. O Brasil é um país que, durante a maior parte do seu tempo, da sua história, 348 anos, ele foi um país que explorou, torturou, traficou e matou pessoas negras, o Brasil deixou de ser um país escravocrata há apenas 130 anos, e ele criou uma série de dispositivos para interditar a liberdade de pessoas negras e o acesso a direitos básicos, o Brasil já teve leis que impediram pessoas negras de acessar a escola, de acesso à terra, ao emprego, então não dá para falar da pandemia sem olhar para o passado, porque tem um provérbio africano do qual eu gosto muito que diz que o rio que esquece onde nasceu, seca. Então, se o Brasil não olhar para o seu passado mais distante para entender o que está acontecendo agora, ele vai continuar patinando em relação a solução dos seus problemas. A segunda questão é que a gente está hoje no momento em que a educação sofre toda sorte de ataque, a educação do Brasil está sob o ataque de uma lógica neoliberal, privatista, neofascista, que tenta de todas as formas precarizar educação, a educação já vinha um processo de precarização e sucateamento há muito tempo, então eu, que sou professora, dia 11 de abril, tive o prazer de trabalhar 30 anos como professora, o que que eu percebo? O Brasil sempre pecou em relação às suas políticas de inclusão digital de docentes estudantes, eu acompanho isso há 30 anos, eu sou uma professora muito interessada, a gente tem um problema de descontinuidade nas políticas públicas, a gente tem um problema de falta de consistência nas políticas, de dificuldade de investir os recursos de maneira adequada, e eu acho que os professores se saíram muito bem, porque felizmente, no Brasil, nós temos uma categoria muito engajada, a gente tem muitos professores, nós temos pesquisas que mostram que a maioria dos professores vieram das classes mais populares, que tiveram suas histórias transformadas pela educação e, por isso mesmo, têm um compromisso muito sério com aquilo que fazem, então eu vou até contar para vocês aqui um recado do Professor Antônio Nova, da Universidade de Lisboa, tive o prazer de estar com ele num painel, no ano passado, pela Unesco, e ele disse assim: “os professores salvaram a educação na pandemia”, a gente conseguiu fazer tudo que a gente tem que fazer, mas a gente só conseguiu fazer o que a gente fez, porque a gente tem professores comprometidos, então, professora Claudia, eu acho que os professores, no Brasil, se sentiram muito desamparados, como a gente vem se
sentindo desamparados há anos, e nos últimos dois anos, mais do que desamparados, na atual conjuntura política, nós nos sentimos atacados, porque esse é um país que passou a trazer uma representação de que o professor é o inimigo, a gente tem visto propostas como de ensino domiciliar, da escola sem partido, escola militarizada, que são ataques frontais à educação pública, laica, inclusiva, socialmente referenciada, então nós temos desafios muito grandes, mas se o Brasil quiser vencer os seus desafios educacionais, ele precisa assumir que ele segue produzindo desigualdades sociais.
Claudia Costin – Excelente! Excelente! Professora Gina, eu acho que você lembrou duas coisas que eu gostaria de destacar na tua fala, é o fato da inclusão digital de professores não ter ocorrido, até ao contrário, e tem a ver com contexto de ataque, o fato de que um projeto de lei que estabelecia que os recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) é o seu usado para dar chip para os alunos mais em situação de vulnerabilidade e para os professores, foi vetado pelo Presidente da República. Além disso, no meio dessa crise toda, discutir educação domiciliar, quer dizer, a educação tem múltiplos problemas, eu falei dos programas de aprendizagem, eu falei dos problemas decorrentes da Covid-19, eu falei, você falou, Lucia falou. A solução para isso são escolas militares e ensino domiciliar? É esse o momento? Vamos supor que fosse muito bacana cada uma das duas iniciativas, não corrige nenhum problema grave e não constrói pro futuro, então, frente a isso, eu queria concordar com você, mas eu concordaria ainda mais na questão étnico-racial e na questão de que nós temos uma dívida, de fato, como diz o frei David, da Educafro, existiam leis, eu fui olhar essas leis, do século XIX inclusive, proibindo o acesso de negros à escola, então nós temos realmente que fazer com que o futuro da educação não só não repita os erros do passado, mas de alguma maneira compense um passado equivocado que nós construímos. Eu queria então, agora, passar a pergunta para o Renan, mas também dizendo de um desafio que você, Renan, está vivendo porque uma coisa é fazer o Mapa da Educação, uma coisa é ser um parlamentar que denuncia, fiscaliza, denuncia, propõe políticas públicas, que é o papel dos parlamentares, como foi dito aqui, um dos parlamentares mais jovens que nós já tivemos, ou o mais jovem da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ser gestor de políticas educacionais, é passar a ser vidraça num certo sentido, mas, ao mesmo tempo, é lidar com a tarefa de pegar o que professores tão engajados e comprometidos, como a Gina falou, dar escala para isso, para boas práticas de professores brasileiros que se engajam. Como é que está sendo viver isso tudo? Lidar com um Brasil que está super polarizado, que dividiu o enfrentamento da pandemia em direita e esquerda, como se houvesse um vírus de esquerda, outro de direita, no pior sentido do termo, gente, não me entendam mal, para vocês que estão fora, a polarização, que já era grande, se agravou bastante. Mas eu queria te ouvir Renan. Como é que essas escolas fechadas há um ano, com isso nós vamos poder recuperar aprendizagem? Você, como gestor, o que que você está fazendo para que isso aconteça num dos momentos, inclusive, mais graves da colônia no Brasil, vamos ser honestos. É com você.
Renan Ferreirinha – Boa noite Claudia. Primeiro, é um prazer imenso estar aqui com vocês. Queria saudar também a Gina, a Lucia, você, são pessoas que eu admiro, eu acompanho já há bastante tempo grandes e também ao convite do time do Brazil Conference, é uma grande alegria para mim, eu participei do primeiro time, da primeira edição, lá em 2015, depois trabalhei nas edições seguintes, até 2018, então é muito gratificante ver onde que a Brazil Conference chegou, promovendo diálogos de assuntos que levam a gente para frente, a refletir e pensar num país que possa ser mais justo, mais desenvolvido, mais inclusivo, é o que a gente tanto sonha e defende. Também a todos apoiadores aí na pessoa do Hector, e os organizadores, Carol, Gustavo, Gui, todo mundo. Claudia, você resumiu muito bem, é uma transição de estar guiando, liderando uma Secretaria Municipal de Educação, você precisa fazer escolhas difíceis, mas essas escolhas não podem cair do céu, não pode ser através de achismo, a gente precisa entender primeiro o momento que nós estamos passando, que, como a Gina e Lucia já falaram, muitos dos problemas, eles não foram criados pela pandemia, obviamente tiveram problemas que surgiram, novos, mas a maior parte dos problemas, eles já existiam antes, a pandemia basicamente escancarou uma realidade que é extremamente desigual, uma realidade onde nós não focamos na aprendizagem como deveríamos, nós precisamos reconhecer avanços que tivemos no nosso país, especialmente no acesso à educação, mas precisamos também reconhecer o grande desafio e a estagnação da qualidade, ou até o retrocesso, e pandemia nos impõe uma realidade em que, por muito tempo, não se investir em conectividade como se deveria, por muito tempo não se escalou boas práticas como se deveria, e a primeira coisa que a gente precisa entender é a responsabilidade que nós temos nesse momento em atuar junto com a saúde, atuar junto com a ciência, então aqui no Rio de Janeiro, na cidade, nós colocamos de pé um comitê científico, para assessorar as principais decisões relacionadas ao Covid-19, inclusive entender que a realidade da educação hoje, ela será uma realidade híbrida, uma realidade onde o ensino remoto, ele é fundamental, e o ensino presencial com responsabilidade, a partir de um protocolo sanitário que seja muito rigoroso para os que mais precisam, principalmente os mais novos, é o que nós estamos fazendo aqui hoje, no Rio de Janeiro, você fazer um processo de alfabetização, uma alfabetização feita na idade errada tem consequências perversas para o resto da vida de um estudante, de um cidadão de forma geral, entender que uma escola, Claudia, você que conhece tão bem a realidade aqui do Rio também, com seu belíssimo trabalho na nossa cidade, que a escola não é só um local de aprendizagem, que é sua a sua principal missão, mas também é um local de acolhimento socioemocional, é um local de garantia de segurança alimentar no momento que as crianças estão na escola, e a escola pública, eu costumo dizer isso, não existe outra instituição que garanta mais os direitos sociais de uma pessoa do que uma escola pública, não existe outra instituição que a humanidade já inventou que consegue ser mais assertiva nisso, então a defesa da escola pública de qualidade precisa ser uma obsessão da nossa sociedade, nós estamos enfrentando desafios e retrocessos imensos nesse sentido. Há dados que vem dizer respeito à evasão escolar, abandono escolar, eu tenho conversado com muitos pesquisadores, tem uma pesquisa recente do Marcelo Neri, um pesquisador da FGV Rio, que mostra que o abandono escolar no Fundamental I, nós estamos falando de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, retrocedeu a níveis de 2007, é como se a gente pegasse e voltasse 14 anos a respeito disso, e lembrar que a gente tem sim um recorte, que é um recorte socioeconômico, um recorte que sim atinge, como a Gina bem disse, uma dívida histórica imensa que nós temos com muitas pessoas que não foram incluídos da maneira adequada, a gente, aqui no Rio de Janeiro, começou um trabalho na gerência de relações étnico-raciais para conseguir identificar cada vez mais experiências bacanas que já existem na rede, eu costumo dizer que não é dar voz a isso, porque essa voz está lá, tentando falar, tentado gritar, ela precisa de amplitude, ela precisa se conectar com outras boas práticas, e entender que, nesse momento, da nossa parte, não deve e não se pode ter nenhuma forma de negacionismo, a gente precisa ter muita escuta, muito diálogo, entender que decisões precisam ser tomadas, ainda mais quando se lida com centenas de milhares de pessoas, aqui na rede do Rio de Janeiro são quase 650 mil estudantes e quase 55 mil profissionais de educação, são muitas vidas afetadas, e que para isso a gente precisa sim de escuta, precisa sim de firmeza nas decisões, mas entender que a educação é uma prioridade, e para isso a sociedade tem que fazer escolhas.
Claudia Costin – Está bom, obrigada Renan. Eu queria só lembrar dentro tudo que você falou que eu trabalho infantil, não só de adolescentes, de crianças, voltou a aparecer. Eu sou do Observatório dos Direitos Humanos do Judiciário e há muitas denúncias de trabalho infantil pelo Brasil afora nesse período. Mas voltando aqui, eu queria fazer uma segunda pergunta para os três, e aí eu peço que o que quiser primeiro falar, ligue o microfone. Como preparar crianças e jovens brasileiros para essa nova década, nesse contexto, com tudo isso que a gente descreveu. Quem gostaria de começar a falar, levante a mão fisicamente, eu posso passar, se não eu vou escolher. Vai Gina, você.
Gina Vieira – Maravilha, vamos lá. Quando a gente pergunta como preparar as crianças para a nova década, eu acho que a gente tem que fazer uma outra pergunta: quem é que tem um poder de pautar como será a nova década? Porque, como eu disse, eu sinto que a gente tá, no mundo todo, vivendo a invasão de uma onda neoliberal, e eu trouxe aqui até o pensamento de alguém que eu admiro muito, que é o professor Tomás Tadeu da Silva, ele diz assim: “uma das operações centrais do pensamento neoliberal em geral, e em particular no campo Educacional, consiste em transformar questões políticas, sociais, em questões técnicas e, nessa operação, os problemas sociais educacionais não são tratados como questões políticas, como resultado e objeto de lutas em torno da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos de poder, mas como questões técnicas de eficácia e ineficácia na gerência e administração de recursos humanos e materiais”. Então quando a gente fala assim, como preparar as crianças e jovens para a próxima década, eu acho que a gente tem que resgatar o pensamento do professor Boaventura Santos que nos lembra que nós temos uma sociedade baseada no modelo que se esgotou e saturou, é um modelo baseado nesse pensamento liberal de que alguns têm o direito de explorar os outros para acumular riqueza, então quando a gente se depara com essas categorias neoliberais, fica parecendo que não é possível pensar outro mundo fora desse paradigma, de uma lógica competitiva, predatória, então a primeira provocação que eu preciso fazer é que se a gente seguir nesse paradigma de sociedade que nos trouxe até agora, criança nenhuma vai estar suficientemente preparado, só estarão preparadas as crianças, que desde que o Brasil é Brasil, gozam de vários privilégios, que foram construídos às custas dessa sociedade desigual. Então eu acho que a primeira pergunta que a gente precisa fazer é essa, a gente precisa de uma geração de jovens que estejam estudando fora do Brasil com o compromisso de provocar a existência de uma outra sociedade capaz de questionar os modelos que aí estão, e não tentar mudar a sociedade a partir desses modelos, que não vai funcionar, é ingenuidade achar que vai, e aí diante disso, eu acho que a gente tem que pensar o seguinte, a gente tá aqui no painel, discutindo educação pública que se faz com recurso público, então o único caminho para gente pensar em como é que as crianças vão estar preparados para o mundo que virá, que provavelmente vai ser um mundo profundamente marcado pelas tecnologias, esse mundo, um mundo que eu vinha lá na minha infância, que parece que a professora Claudia tem a mesma idade que eu, a professora Lucia, o mundo dos Jetsons, aquele mundo ultramoderno, ele já é uma realidade, a gente não tem nem que perguntar se a educação digital importante, ela é indispensável, tecnologia hoje é uma questão de inclusão social, a gente só vai conseguir preparar as crianças minimamente para lidar com o mundo que tá chegando com políticas públicas consistentes, com intencionalidade, e com esse compromisso de entender educação pública como uma educação que tem que ser laica, inclusiva, socialmente referenciada. e hoje com um desafio maior, capaz de formar uma geração que conteste esse modelo de sociedade que nos trouxe até aqui, que é o modelo esgotado, que atende muito bem quem tá na zona de conforto, mas que continua devastando a vida de quem há 16 geração, gente, no Brasil há 16 gerações pessoas negras trabalham enriquecendo pessoas brancas, pessoas brancas trabalham para produzir riquezas para si mesmas, pessoas negras trabalham para produzir riqueza para pessoas brancas, a gente não consegue, no Brasil, fazer com pessoas negras tenham uma mudança estrutural na sua vida, porque ainda prevalece entre nós um racismo estrutural, então eu estou muito feliz de ver que nessa conferência, por exemplo, o Renan que participou em 2015, deve estar notando o movimento de diversidade, mais pessoas negras, pessoas Trans, indígenas, porque com pensamento branco, colonial, euro centrado, a gente não vai dar conta de construir um outro paradigma de sociedade.
Claudia Costin – Certo, vamos ouvir agora, que eu estou vendo que estou gastando metade do tempo nos intervalos das falas, vamos ouvir agora o Renan, e depois eu volto para a Lucia.
Renan Ferreirinha – Perfeito. Claudia, eu tenho rodado muito o Rio, dentro de muitas escolas, e vendo a diferença, tenho conhecido as diferentes realidades que a gente vê não só na sala de aula, mas na escola, na comunidade escolar como um todo. Quando a gente pensa nesse papel, existem déficits e deficiências muito básicas, que não estão sendo cumpridos, como, por exemplo, a simples presença de um professor na sala de aula, a gente precisa reconhecer que a gente precisa conseguir corrigir algumas carências, que muitos lugares do mundo já conseguiram fazer isso, mas que a gente ainda permanece com pautas e com dívidas que são de décadas, séculos passados, então reconhecer a urgência disso é muito importante, agora, a formação, quando eu falo da formação pro futuro e o papel que a escola precisa ter nisso, primeiro você tem um papel intrínseco que é uma formação cidadã, nós precisamos formar bons cidadãos para nossa sociedade, então cidadãos que se respeitem, que consigam entender a importância de viver na cultura com mais solidariedade, onde a gente tenha mais fraternidade, uma convivência mais harmoniosa, e é na escola que se aprende isso, a gente vê agora, nesse processo de retomada com responsabilidade, que é na escola, por exemplo, que as crianças aprendem práticas de higiene básicas, que são muito úteis nesse momento, ou questões que vão de um conhecimento acadêmico, pedagógico, que são cruciais também, e o outro fato que é muito importante, a gente tem que entender que hoje, na nossa sociedade e no mercado de trabalho, seja se você vai trabalhar no setor público, no terceiro setor, no setor privado, que também tem uma formação que possa gerar um futuro que te traga mais oportunidade, então que você possa ter também uma melhor conexão entre o que nós estamos preparando, seja nas nossas escolas de ensino básico, seja depois, no ensino superior, na formação técnica, que também tenha uma aderência com as necessidades hoje da nossa sociedade, para o seu desenvolvimento, para o seu avanço, e reconhecer que a tecnologia, reconhecer que a inclusão digital, ela não pode ser mais uma opção, ela é a correção de algo que não foi feite, e que a pandemia de novo escancarou isso, essa exclusão, a gente hoje, com esse ensino remoto, busca oferecer aqui aulas pela TV, aulas por aplicativos, mas quando um aluno não conseguem ter acesso, por exemplo, a um telefone para poder ter acesso uma aula online, e você apresenta então aí a grande desigualdade que se tem nessas diferentes realidades, e é o papel da escola de conseguir nivelar isso, para que a gente possa fazer uma corrida faça mais sentido.
Claudia Costin – Nós estamos nos nossos minutos finais, eu vou pedir para Lucia responder e já fazer suas considerações finais, depois eu passo para a Gina e para o Renan para, rapidinho, as considerações finais. A Lucia talvez tem a dois minutos a mais que os outros. Por favor.
Lucia Dellagnelo – Obrigada Claudia. Essa pergunta para mim, eu tenho me questionado muito, o que a gente quer ensinar para essas crianças e jovens que estão passando por essa experiência e que tem uma década na frente? Para mim, a referência que eu mais gosto é o The Learning Compass, O Compasso da Aprendizagem, que coloca que o que a gente deveria ter como meta da aprendizagem é o bem-estar das pessoas, e o bem-estar em 2030, eles colocam como o norte para 2030, necessitaria de um currículo que trabalhasse competências cognitivas, sociais e interpessoais, o data literacy, as competências digitais, mas essa ideia que a gente tem que formar uma geração para ela ser uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais sustentável, isso me guia, eu boto esse compass na minha frente, é isso que a gente tem que fazer com educação brasileira, e ouvindo a Gina, eu super recomendo a todos vocês lerem o último livro do Michael Sandel, professor aí de Harvard, a Tirania do Mérito, porque ele explica muito isso, como certas pessoas acham que chegaram até uma educação, uma posição, uma acumulação de riquezas, por mérito próprio, e na realidade elas foram empurradas e amparadas por uma sociedade que perpetua alguns privilégios e vai ajudando essas pessoas a chegarem onde elas estão. Até eu, que acredito muito na meritocracia, me abriu os olhos, é meritocracia, mas numa sociedade desigual, o mérito não é individual, o mérito é às vezes trazido pela sociedade, e essa sociedade dá esse método, dá essas possibilidades para alguns dos seus integrantes e não a outros, e a gente precisa corrigir isso, então, vocês, organizadores da Brazil Conference, todos que estão nos assistindo, eu super recomendo esse livro, porque ele que choca com muitas coisas que a gente acreditou a vida inteira, principalmente nós chegamos até Harvard, que nós formamos em Harvard, eu sei o quanto eu lutei, o quanto o mérito é meu por ter chegado até aqui, e na realidade tem outra explicação para como a sociedade permitiu que nós tivéssemos essa grande conquista. Para fechar, Claudia, só retomar um ponto, o Brasil passou 20 anos sem ter uma política de tecnologia educacional, desde 1997 até 2017 nós não tivemos nenhum investimento significativo em tecnologia das escolas, então o que nós estamos vivendo hoje na pandemia, toda essa dificuldade, era algo possível de prever e era possível de ter planejado essa transformação digital da educação que fosse necessária, então que a crise, agora, nos sirva para mostrar que nós precisamos construir um sistema educacional não só competente, que nós precisamos, a crise da aprendizagem já acontecia antes disso, mas também resiliente, preparado para enfrentar as diferentes dificuldades e crises que provavelmente nós ainda enfrentaremos. Muito obrigada a todos, foi um prazer, e aprendi muito com todos aqui.
Claudia Costin – Gina, rapidamente, as suas considerações finais.
Gina Vieira – Primeiro, eu quero agradecer. Quando é que eu, professora da Educação Básica, imaginei que ia tá meio de gente tão sabida, tão importante, o secretário de educação Renan Ferreirinha, a professora Lucia, a professora Claudia, então muito obrigada por estar aqui com vocês, parabéns pela preocupação com a diversidade, e aí eu queria, a gente está numa conferência de universitários maravilhosos, eu queria recomendar mais uma vez, gente, nós lermos Boaventura Santos, eu tenho me inspirado muito no Boaventura, porque ele tem me provocado a pensar o seguinte: se nós continuarmos com os mesmos sujeitos que forjaram a sociedade desigual que aí está pensando o nosso futuro, se nós continuarmos partindo das mesmas epistemologias que nos trouxeram até aqui, se a gente continuar insistindo no modelo de sociedade ancorado na desigualdade, e se a gente continuar repercutindo mesmo modelo econômico, a gente não vai estar fazendo discurso genuíno contra desigualdades, então o desafio que todos nós temos é o de trazer outros sujeitos, então eu espero muito que na conferência do ano que vem, no painel de educação, haja professores indígenas nessa mesa, haja outras pessoas capazes de nos ajudar a pensar outros mundos possíveis fora desse paradigma que nos trouxe até aqui, que ajudou alguns e devastou a vida de outros, porque se algumas pessoas tiveram a vida precarizada na pandemia, alguns perderam completamente as suas vidas, isso é fruto desse processo histórico desigual que a gente tem, e pontualmente esses dois últimos anos, é resultado de um país que compactuou com um golpe contra a democracia e tá pagando um preço muito alto por isso, que a gente aprenda com a história, porque a história é pedagógica.
Claudia Costin – Ótimo, muito obrigada Gina, Renan, rapidamente, palavras finais.
Renan Ferreirinha – Claudia, queria agradecer mais uma vez o convite da organização da Brazil Conference e dizer que é uma honra participar desse painel, tudo que aconteceu na minha vida foi através de educação, sou da periferia do Rio, estudei em escola pública, quando fui para Harvard, foi com bolsa integral por necessidade financeira, entrei na política porque queria fazer a transformação da educação, para que outros tivessem a oportunidade de poder sonhar e realizar seus sonhos, e hoje estar na posição de secretário municipal de educação do Rio, e na responsabilidade de liderar um processo no momento tão difícil, que afeta vida de tantas pessoas, de tantas crianças, é uma grande responsabilidade, mas é um processo muito gratificante também, para a gente entender que a educação precisa ser prioridade, mas, como foi dito aqui, muito além da retórica, precisa ser prioridade em escolhas, precisa ser prioridade na vacinação, precisa prioridade no orçamento, precisa ser prioridade para quando tiver que reabrir, reabrir antes de bar, reabrir antes de outras situações que são adjacentes. Primeiro a gente tem que valorizar as nossas escolas, primeiro a gente tem que valorizar o que é o presente e o futuro do nosso país. Então agradeço mais uma vez, e que a gente possa defender uma educação pública de qualidade para cada brasileirinha e cada brasileirinho.
Claudia Costin – Eu agradeço da minha parte, foi uma chance incrível lidar com esses três fantásticos pensadores sobre educação, cada um pensando a partir do seu lugar, do seu espaço de fala, mas foi muito gostoso ouvir. Queria lembrar também que a crise, como se eu fosse espremer tudo que nós falamos, a crise não criou esses problemas, ela iluminou os problemas e eventualmente agravou alguns deles, como a Gina acabou de falar, de pessoas, que não é que se precarizaram, é que perderam tudo, e vai ser muito importante reconstruir isso, como foi falado por todos aqui também, numa outra lógica, quando as coisas são destruídas, nós temos a oportunidade de reconstruir sem reproduzir lógicas antigas, como nos lembra Boaventura Santos. Gente, muito obrigada, agora é com vocês.
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