Internautas como agentes de sua própria história, combate às fake news e a discussão jurídica sobre o banimento das redes foram temas do painel Redes Sociais e Sociedade da Brazil Conference Harvard & MIT
Protagonistas nas redes sociais, os convidados do painel “Redes Sociais e Sociedade” discutiram temas vivenciados diariamente como o enfrentamento das fake news que pode ser combatido com uma aliança entre mídia tradicional e digital; a importância do fortalecimento da ciência e a necessidade estimular o diálogo e empoderar os internautas para que, como cidadãos, sejam agentes de sua própria história.
O debate da 7ª Brazil Conference at Harvard & MIT, realizado em ambiente virtual, em 11 de abril, Com transmissão ao vivo pela internet, a programação pode ser acompanhada pelo portal do Estadão, parceiro que fará a cobertura do evento, além dos canais da conferência no Youtube e Facebook, a qualquer tempo.
Maria Eugênia Rauh, líder do painel fez a apresentação dos convidados: a jornalista e apresentadora da GloboNews, Aline Midlej; youtuber e personagem Drag Queen do acadêmico Guilherme Terreri, Rita Von Hunty; acadêmico, advogado e especialista em tecnologia e apresentador do Canal Futura, Ronaldo Lemos; youtuber, escritor, criador de conteúdo e empresário Felipe Neto. O encontro foi moderado pela jornalista e apresentadora da CNN Brasil, advogada e youtuber Gabriela Prioli.
Muitos fazem uso das notícias falsas para simular debates nas redes, discussões que não são reais e envolvem os internautas em uma verdadeira disputa de diferentes bandeiras, o que impede o diálogo. “Acredito na comunicação que leva à construção, para que as pessoas entendam o que está acontecendo e sejam agentes e não vítimas do processo”, afirmou Lemos.
Outra questão levantada é a necessidade de que os banimentos das redes sociais, ocasionados pela infração de leis e regras, hoje sob responsabilidade das corporações das redes sociais, deveriam ser assunto também da Justiça. “O que eu questiono é o banimento permanente. Essa deveria ser matéria jurídica, deveria ser julgado por especialistas ”, disse Felipe Neto.
Como críticos e atuantes nas redes sociais, os debatedores reconhecem a importância do debate crítico. “Talvez o nosso papel seja melhor desempenhado enquanto educadores para que as pessoas possam fazer juízos mais acertados das suas realidades”, acrescentou Rita Von Hunty.
“Confiem na ciência, no jornalismo profissional e na vontade de fazer diferença. Devemos valorizar as narrativas plurais, diversas, não só nas redes, mas na grande imprensa também”, disse Aline Midlej com uma mensagem de esperança no futuro.
Maria Eugênia Rauh - Obrigada. Oi pessoal vocês estão assistindo o painel de Rede Sociais e Sociedade com a participação de Aline Midlej, jornalista e apresentadora do Jornal das Dez, da GloboNews; Rita Von Hunty, personagem Drag Queen de Guilherme Terreri, professor e apresentador de um canal de Youtube sobre temas sociais e políticos; Ronaldo Lemos, acadêmico, advogado e especialista em tecnologia apresentador do Canal Futura e membro de Conselho de Supervisão do Facebook e Felipe Neto, youtuber, empresário, criador de conteúdo e escritor. Como moderadora temos Gabriela Prioli, apresentadora de TV no CCN Tonight, advogada, youtuber e influencer. Muito obrigada, novamente, a todos vocês por terem topado o nosso convite, assim como o público que nos assiste. Passo a palavra para a Gabriela para que comecemos o painel.
Gabriela Prioli - Pronto. Abriram meu áudio, eu fechei o meu áudio. A gente lidando com a tecnologia que a pandemia nos impôs como uma realidade muito mais corriqueira do que até quem estava acostumado com as redes sociais, enfim usava. Maria Eugênia queria te agradecer pelo convite, agradecer todas as pessoas que nos assistem. Tenho certeza de que este painel vai ser uma conversa deliciosa, a Aline eu conheci hoje, mas ela está quase entrando nesse meu grupinho, vamos ver se ela quer. Porque Rita Von Hunty, Ronaldo Lemos e Felipe Neto já fazem parte desse meu grupo de amigos. É um prazer estar aqui com vocês. Tenho certeza de que a gente vai ter muitas visões, muitas ideias para gente pensar um pouco mais ao longo do tempo. Até porque, já entrando no tema Redes Sociais e Sociedade, a gente tem aqui 40 minutos, o que não é um tempo propriamente extenso e quando a gente trabalha com rede social, a gente tem de lidar com este tempo mais curtinho. Aline vêm da mídia tradicional, o Ronaldo também do Canal Futura, mas o Ronaldo vem da advocacia e da academia, assim como o Guilherme que aqui com a Rita Von Hunty, seu personagem, vem da academia para as redes sociais, o Felipe já trabalhava mais neste mundo, mas adequar um pouco o discurso quando começa a discutir mais política. O que eu queria começar a puxar de vocês é o que eu acho que cada um poderia colaborar um pouco. Vou começar com a Aline. Aline, você trabalha num veículo de mídia tradicional, apresenta um telejornal, é jornalista. De que maneira você sente que este estouro das mídias sociais, o fato de a gente consumir cada vez mais e ter nossa vida orientada segundo essa lógica, o que isso muda na produção do seu conteúdo e como você sente a mudança do telespectador, que consome a sua informação, existe uma interação, conta um pouco para a gente.
Aline Midlej - Gabriela é um prazer estar aqui. Já me sinto no grupo de amigos e fazendo parte dele. É uma honra estar dividindo esta mesa com vocês, Gabriela, Ronaldo, Filipe e Rita. Acho que a mídia tradicional, mais do que todas as outras, que os outros veículos que nasceram já no conceito digital de redes ativas no meio da internet, acho que a gente vem passando por essa transformação, ano a ano isso vai mudando. Agora é o ápice, é o que eu sinto diariamente na Globonews, principalmente na interação com o telespectador. É muito presente, cada vez mais nas redes sociais. Hoje eu faço um telejornal, quatro horas ao vivo, com as minhas principais redes abertas e não é para conversar com os meus amigos. É para conversar com os espectadores, não necessariamente para conversar, mas para tentar pegar um pouco do que eles estão vendo e acompanhando no jornal. Muitas vezes me ajudam com interações durante o jornal. Recentemente, comentei isso com você nos bastidores, fiz uma entrevista com o prefeito de uma cidade paulista, já havia me preparado, obviamente, já tinha lido tudo sobre a cidade, o prefeito estava sendo bastante criticado por ter tomado medidas mais restritivas para conter o coronavírus, e eu conversei com vários espectadores que acompanho nas redes, que eu sei que são confiáveis no sentido da narrativa, preocupados com o interesse público e a saúde pública. E eles foram me provocando durante o jornal. E eu fui elaborando junto com eles, algo que anos atrás eu não faria, talvez o ano passado não fosse tão forte assim. A pandemia, acho que acelerou este processo com as pessoas mais presentes na nossa rotina de produção de conteúdo, quando a pauta principal tem sido, a mais de um ano, a saúde pública, impactando todos nós de maneira muito parecida. Acho que espectador que já vem numa toada mais politizada, mas presente, se comunicando mais e querendo também ser parte da produção de conteúdo, acho que estamos vivendo este ápice agora, o que eu acho muito bom. E para fechar, sei que nosso tempo é curto, o lado positivo de tudo isso é que as redes sociais vêm pautando cada vez mais a grande imprensa, não só em relação aos assuntos - virou notícia na rede, então tem de virar notícia na televisão, não necessariamente desse jeito. Mas acho que a forma com que a gente conta determinados temas, as narrativas ou as vozes que a gente escolhe para contar essas histórias, elas estão muito mais ativas nas redes. A gente precisa repensar isso diariamente muito mais nos veículos tradicionais. Quem a gente está ouvindo? Porque a gente está ouvindo? Que história a gente está contando e a partir de qual perspectiva a gente está contando. A gente vem sendo provocado de uma forma muito positiva na mídia tradicional, isso tem sido muito positivo já que é para a gente começar pensando de um jeito - progresso, para a frente, como a gente pode fazer de um jeito melhor com tudo o que está acontecendo.
Gabriela Prioli - Perfeito. Eu vou jogar para o Felipe, e aí vocês me corrijam se eu estiver errada, mas o Felipe é a primeira pessoa aqui de nós que explora as redes sociais já há muito tempo, a gente vem depois. Está certo? Não estou vendo o Ronaldo, deixa eu ver se ele concorda comigo. Estou certa, Ronaldo? Estou né.
Então, a Aline fala dessa mudança de comportamento da grande mídia, quando as redes sociais começam a ter um peso maior. O que está sendo pautado, quem está sendo ouvido, qual a pressão que o telespectador faz a partir da forma que ele se comporta nas redes. E do Felipe eu queria escutar um pouco - se você acha que - a Aline fala de como a pandemia acelerou todo este processo - você acha que de alguma maneira os veículos tradicionais demoraram tempo demais para perceber que as redes viriam com tanta força? E vou depois jogar para o Ronaldo, por que a gente já conversou, Rita também, a gente vem da academia e eu sei que existe um preconceito muito grande da academia em relação a quem produz conteúdo nas redes sociais. Aí eu queria saber quando você começa a falar de política, a se posicionar e passar a ser reconhecido como uma pessoa que pauta os debates mesmo. Você percebe ainda algum preconceito? Algum menosprezo da sua produção de conteúdo, porque afinal você é um produto das redes e você não vem desses lugares tradicionais? E como você enxerga isso?
Felipe Neto - Boa noite, Gabriela e todo mundo. Eu estou nessa há onze anos criando conteúdo para internet. E passei por todas as etapas, considerando que eu comecei em 2010, e o Twitter começou a se popularizar em 2008, 2009, acho que passei por todas as etapas de construção das redes sociais no país. A grande mudança, a grande virada de chave, a grande questão que se teve foi quando o público da internet, ou seja, a população de forma geral, começou a ter uma participação, primeiro em grande quantidade porque a gente teve uma inclusão digital muito grande, pois a gente sai de um cenário de poucas pessoas com acesso para um cenário de mais de 100 milhões de brasileiros com acesso à internet e a virada de chave foi quando o usuário digital ele deixa de passivo para ser ativo, sem nenhum trocadilho, ele para de ser o receptor e passa a ser emissor. Então ele se torna protagonista do cenário de debate, do cenário de discussão. O que é isso, o que significa? Em vez de ele consumir o jornal, ele passa a ser o propagador da notícia, aí você tem uma revolução jornalística, uma revolução de mídia, uma revolução de entretenimento, uma revolução de absolutamente tudo, onde tudo é possível e nem tudo convém. Como o último meme que viralizou: - “Posso postar? Pode. É de bom tom? Não”. E nisso a gente criou uma sociedade de transmissores de notícias e informações, onde grandes arquitetos dos algoritmos entenderam como utilizar esses algoritmos, como utilizar as timelines das redes sociais para propagar os discursos que eles preferiam. Você me pergunta se a mídia, se os veículos demoraram para entender este fenômeno. Sem dúvida nenhuma eles demoraram, e demoraram muito. Tanto demoraram que a gente já avisa para muitos veículos de imprensa, lá atrás, isso em 2010, 2011, que iria ter um grande crash no jornalismo, que as pessoas claramente iam deixar de assinar jornais e revistas para consumir tudo na internet. E demorou-se muito tempo para se começar a estratégia de paywall, que veio de maneira atrasada e não utilizando a inteligência artificial como deveria. Então hoje o cenário já foi pior, mas temos um longo caminho a ser trilhado justamente por essa demora de se adaptar às novas redes, ao novo ecossistema digital. Acho que é isso, eu acabei alçado para estar aqui hoje, justamente por essa revolução. Antes essa conferência seria feita apenas por pessoas da academia, pessoas que são tidas como grandes intelectuais. Eu não sou essa pessoa, estou aqui porquê, porque a minha voz tem um grande alcance e, ela por ter um grande alcança eu passei a tratar isso com responsabilidade comecei a estudar e me informar antes de falar e daí comecei a ter um pouco de relevância dentro deste cenário e estou aqui hoje justamente por essa mudança - eu era o passivo que ouvia a notícia e passei a ser um membro ativo dessa comunidade nas redes sociais. É isso o que a gente tem de atender e usar da melhor forma possível.
Gabriela Prioli - Eu vou passar a palavra para o Ronaldo antes de passar pra Ritinha porque eu quero fazer a transição para a próxima pergunta com você Rita, é só uma questão estratégica.
Ronaldo, você trabalha com tecnologia, vem desse lugar da academia de direito e trabalha com tecnologia. E eu sei porque você já descreveu que você também se vê nesse lugar que o Felipe comenta, que é um preconceito vindo da mídia tradicional ou desses espaços (inaudível), enfim da produção de conteúdo e aí você já com este objeto de estudo que é a tecnologia, como foi para você perceber que as pessoas não estavam se dando conta, já que a nossa pergunta é o quê do que as redes sociais provocam no comportamento de indivíduos e sociedade. Não só o que esse comportamento estava mudando, e você pode falar um pouco disso também, mas que ele estava mudando e as pessoas quase que colocaram um véu diante do rosto para não enxergar essa mudança que estava acontecendo, claro se você concordar com essa minha conclusão.
Ronaldo Lemos - Obrigadíssimo Gabriela, é um prazer imenso estar aqui com todos e todas vocês. Estou aqui vendo que a gente está de casa cheia, com mais de duas mil pessoas assistindo agora, então dando um alô também para quem está nos vendo, e estou lendo os comentários aqui no Youtube, então estou vendo que o pessoal está animado ali. Então, é o seguinte, o problema de mídia social é que a gente tem um dilema - a infraestrutura de tecnologia é fundamental para o desenvolvimento do Brasil, então é uma infraestrutura que pode levar educação, oportunidade, redução de desigualdade e várias outras coisas que são benéficas para o país e, inclusive, a gente precisa participar dela e trabalhar para que estas coisas aconteçam. Mas, Gabriela, pode levar também uma onda de manipulação, de desinformação, de discurso que tem por objetivo transformar as pessoas em pessoas com raiva e com medo, criando cisões entre grupos sociais e assim por diante. O grande dilema que a gente vê hoje de internet e redes sociais é exatamente esta dupla característica - por um lado é algo que a gente precisa mais do que nunca, ainda mais em um país pobre como o Brasil, e por outro lado é algo que pode causar um malefício muito grande a ponto, e o Felipe Neto sabe melhor do que ninguém, de ofuscar os debates reais. E isso me incomoda, porque na internet hoje você tem de um lado teses, de outro lado antíteses, e não tem sínteses nenhuma. Não tem diálogo. Ninguém se convence on-line. É mais uma ocupação de espaço e você levantar a sua bandeira, que a outra pessoa levanta de dá, e ninguém chega a nenhuma conclusão. Isso me incomoda e isso, para mim, é objetivo da comunicação que eu gosto de fazer. Uma comunicação para levar informação, conhecimento e instrumentos para que as pessoas, primeiro, entendam o que está acontecendo. Segundo, participem desse debate de forma construtiva e não só como vítima dessa infraestrutura comunicacional que acaba manipulando as pessoas. Em outras palavras, o que eu me preocupo na hora de comunicar é o empoderamento, em que cada pessoa, cada grupo, cada comunidade possa entender as ferramentas para poder agir sobre uma batalha que está acontecendo agora e o Felipe, Rita, Aline, você Gabriela, todos nós somos parte desta batalha. Para mim esse é o objetivo: é comunicação que leva à construção para que as pessoas entendam o que está acontecendo e sejam agentes e não vítimas desses processos.
Gabriela Prioli - Nossa, obrigada Ronaldo. Achei interessante porque eu tinha anotado aqui alguns trechos do Felipe para passar para a Rita e você fala a mesma coisa de outra maneira. O Felipe diz o seguinte: existe uma virada de chave no público da internet que passou a se entender como emissor e você pode ser o produtor da notícia. E aí eu ia falar com a Rita justamente para ela fazer uma análise de uma perspectiva de existência, de formação de identidade. Em que sociedade a gente estava vivendo, na qual a gente não conseguia enxergar como protagonista, ou entender que nossa existência estava sendo vista de alguma maneira e a gente olha para a internet como sendo um espaço onde a gente possa existir. E o Ronaldo traz uma outra visão, que também é uma visão de existência, uma visão de um existência consciente e protagonista e não manipulada. Então temos estas duas coisas: como o público, Rita, você acha que tem essa questão de construção de identidade, inclusive para a gente fazer uma transição para esse próximo ponto que é o do extremismo nas redes sociais. Quando você se coloca nas redes formando sua identidade a partir de uma identificação política, por exemplo, enfim, vários fenômenos psicológicos no sentido de polarização, de posicionamento, de lealdade de crença, uma crença absurda vai ser o traço de identificação do seu pertencimento de grupo. E se os laços sociais estão extremamente fragilizados como a gente faz para tirar, e as redes sociais não como um produto que surgiu do nada, mas um pouco como este comportamento num sentido de um reflexo da forma como a gente estava se organizando e vivendo em sociedade.
Rita Von Hunty - Ótimo. É uma pergunta complexa. Vou começar fazendo uma saudação a quem nos acompanha e também agradecendo o convite, saudando Gabriela, Ronaldo, Felipe e Aline. É um prazer estar aqui. Bom, talvez para começar esta pergunta eu vá me escorar, me apoiar num crítico de cultura americano chamado Fredric Jameson, muito provavelmente os alunos do MIT devem estudá-lo em alguma das suas matérias. E o Fredric, ele tem uma frase muito famosa que é a seguinte: “A cultura é um mediador indispensável entre a situação histórica objetiva e a consciência e a mobilização políticas de classe”. O quê Fredric Jameson está nos dizendo? A gente tem de ser muito criterioso ao olhar um fenômeno de cultura e entender - isso claro muito outros pensadores já falaram isso, a base desse corte epistemológica de o olhar o mundo é o Raymond Williams, um crítico de cultura na Inglaterra - que eles estão nos dizendo que a deve parar de olhar parar de olhar para o mundo como cultura e sociedade, e de que essa dissociação, esse paralelismo, aqui eu estou me referindo a um grande crítico de cultura brasileira, o Antonio Candido que vai propor num livro dele chamado Literatura e Sociologia que a única forma de articular este pensamento a fim de torná-lo combustível de luta política é se a gente consegue sair de um paralelismo e entrar numa compreensão realidade de forma dialética. Seria entender que, talvez em termos marxistas, a gente veja o mundo organizado em uma base e uma superestrutura. Base sendo as formas com as quais a gente produz e reproduz a vida material e a superestrutura sendo a projeção desta realidade nos nossos valores e significados. Toda cultura é, portanto, um sistema que forma e informa sua sociedade. Quando a gente está tentando pensar sobre qual é, e a pergunta da Gabriela é fundamental, por permitir que a gente faça essa análise. Quando a gente tenta pensar sobre qual era essa cultura na qual estávamos inseridos e propiciava o sentimento de alguma passividade? Bom existe uma série de autores que eu poderia citar. Eu vou citar dois em específico, um livro chamado Uma História da Onda Progressista na América Latina e, um outro livro mais recente, de uma pesquisadora norte americana, hoje ela é professora na França no L'Observatoire sociologique du changement na CSPO, o nome dela é Jen Schradie, e ela tem um livro chamado The Revolution That Wasn’t: How Digital Activism Favors Conservatives e, neste livro de 2019, a professora Jen vai fazer exatamente essa análise. De como o nome The Revolution That Wasn’t se refere a uma série de movimentos sociais Occupy Wall Street, a eleição de Barack Obama, o que parecia ser um implemento ou “reimplemento” das políticas de bem-estar social e aí a gente vai entender estes dois autores que estou citando: Uma História da Onda Progressista na América Latina e a Revolução que não aconteceu, norte-americana, elas tiram uma foto de um cenário no qual houve algum espaço para a luta política. Houve algum espaço para a disputa da narrativa. Houve algum espaço para uma proposição de alteração estrutural em como as nossas sociedades se organizam. No entanto, quando a gente caminha demais nesse sentido, a gente costuma arrumar briga com os donos do poder, não é? Então o que a gente é que estes movimentos de contestação, eles se estabelecem majoritariamente por via de uma aliança, por via de um acordo e por via de uma constituição, de uma luta disruptiva ou de uma alternativa sistêmica. Então o que a gente tem, via uma possibilidade de acordo, uma possibilidade de aliança, alguns avanços vão sendo feitos, só que assim os avanços se tornaram desinteressantes para manutenção de taxas de lucros, esses avanços serão pausados. Talvez a sociedade a gente vivia, era uma sociedade na qual alguns avanços puderam ser feitos e depois não era mais interessante, a gente está falando de um cenário de crise econômica global, a gente está falando de mais uma crise cíclica do capitalismo, em um determinado momento esses avanços passam a não ser mais interessantes e aí a toada de política muda, e lembrando quando eu me apoio no Fredric Jameson - a cultura é uma forma de entender a política. Esse movimento que a gente vê nas redes sociais e de como as pessoas foram se entender como protagonistas e não mais passivas é porque elas pegaram o último movimento dessa crise. O movimento no qual seria tomada delas a possibilidade de construir uma outra narrativa. Hoje um pouco da guerra ideológica que a gente vê é o fim de um processo material e histórico que se apresenta sobre um produto, sob um fenômeno de cultura.
Gabriela Prioli - Eu vou fazer o caminho inverso agora. Vou voltar pelo Ronaldo, porque quando você diz que você quer construir é essa existência nas redes de maneira consciente, reflexiva, então é isso o que você tenta promover com a sua produção de conteúdo. E você faz uma crítica ao fenômeno das redes que você descreve como tese, antítese e nenhuma síntese. Me parece, por este discurso, que você está em busca de alguma síntese e, a partir de um pensamento mais autônomo, construir essa síntese. Mas a gente tem visto e discutido muito sobre polarização, agressividade e absoluta intolerância nas redes. Já que você diz que a produção do seu conteúdo é neste sentido, e eu me coloco aqui a produção do meu conteúdo é nesse sentido., também. Como é o seu mecanismo? Como é a forma que você se comporta nas redes? Como você pretende induzir isso e se você acha que a gente pode ser otimista numa avaliação realista?
Ronaldo Lemos - Legal, Gabriela. Dá para ver um pouco o sintoma disso que a gente está conversando aqui, essa falha de construção de uma esfera pública, uma esfera de debate onde você consiga produzir um debate de verdade acompanhando aqui o chat do Youtube. A gente vai notar, tem várias pessoas que entraram aqui no chat, para gritar palavras de ordem, ficam repetindo a mesma mensagem política o tempo inteiro e muitas delas com comportamento repetitivo típico de robôs e coisas do tipo. Isso aqui é muito interessante porque não há um engajamento com o que a gente está dizendo aqui, há uma tentativa de ocupação de espaço. Para quem está assistindo pelo Youtube é só prestar atenção no chat que a gente vai ver este padrão que eu descrevi como uma esfera pública que tem tese de um lado, antítese do outro, mas que não produz síntese nenhuma. É isso que a gente tem que lutar, é isso o que a gente precisa construir. O que eu acho que deve acontecer? Primeiro nessa camada de informação, a gente está num painel sobre mídia e cada um de nós: A Aline, Felipe, você Gabriela, Rita, a gente desempenha um papel de trazer informação que a pessoa pode usar como ferramenta, como forma de empoderamento, de sobrevivência até para ela melhorar a relação que ela tem com a tecnologia com a internet. Esse é o primeiro ponto, mas infelizmente não é suficiente. A gente precisa de transformações institucionais. A gente precisa mudar boa parte das nossas instituições para elas conseguirem resolver problemas que são novos. A gente vive no mundo hoje problemas muito complexos, muito novos e muito diferentes daqueles que a gente lidava no século XX. Eu participo de um órgão, de uma instituição nova que surgiu para resolver uma parte desses problemas que é o Conselho de Supervisão Independente do Facebook. É uma organização nova que tem sido chamada de a “Suprema Corte do Facebook”, eu sou o único brasileiro que tem lá. Nesta instituição você tem ganhador do Prêmio Nobel, ex-primeira-ministra da Dinamarca, o ex-editor do jornal The Guardian, da Inglaterra. E gosto de brincar que de Araguari (MG), só tenho eu. Sou o único araguarino de Minas Gerais lá e espero que por enquanto. Espero que algum dia entre um araguarino lá também. Mas a questão é que esse conselho foi feito para tentar fazer um aperfeiçoamento institucional para que uma das principais redes sociais do mundo - o Facebook e também o Instagram - possam ter critérios mais sofisticados para lidar com estas questões. Seja a questão do uso de algoritmos, qual conteúdo deve ficar ou não no ar, ou até o caso de se o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve continuar banido ou não, o qual o conselho está analisando agora e deve tomar uma decisão, talvez, em algumas semanas. Esse tipo de aperfeiçoamento institucional, de experimentação institucional, eu acho extremamente importante. O conselho do Facebook é um experimento, estou investindo pessoalmente para que ele seja bem-sucedido, mas a gente precisa de mais. A gente precisa pensar, por exemplo, quais outras instituições no Brasil podem ser aperfeiçoadas, quais outras formas de direito, as instituições públicas podem evoluir para darem conta desses problemas complexos. Porque, só para concluir, o objetivo é tirar as pessoas da posição de vítimas, de manipulação, para uma posição de agentes que sejam capazes de navegar e participar de uma sociedade onde uma esfera pública exista de verdade. A gente chega a conclusões e não só fique repetindo frases de efeito, como a gente vê por exemplo algumas contas com comportamento de robô aqui no chat do Youtube. Esse é o desafio. Não é fácil, mas tem de estar todo mundo investido nele.
Gabriela Prioli - Eu vou puxar do Ronaldo para o Felipe e depois passar para a Aline. Aline eu quero perguntar especificamente sobre o debate acerca da lei das fake news aqui no Brasil, porque eu sei que é um debate que você acompanhou, a gente falou nos bastidores, então eu já jogo para você. Mas para o Felipe eu queria saber, complementando essa fala do Ronaldo, como você enxerga essas iniciativas, o que você acha que ainda está faltando, qual o debate que precisa ser feito sobre esses controles, esses mecanismos para tentar melhorar a nossa situação, das próprias plataformas, ou implementados pelo poder público como, enfim, o direcionamento de atuação para as plataformas. Como você nesse papel de produtor de conteúdo, de influenciador, eu não sei você gosta de ser chamado de influenciador, eu não ligo, mas tem gente que não gosta. Qual é esse lugar no qual você se encontra? O que você enfrenta? A gente sabe que você enfrenta muita coisa por se colocar de maneira tão ativa nesse debate. Porque acho que, pela sua experiência pessoal, a gente já pode elaborar um pouco alguma reflexão sobre os riscos e impactos econômicos de cada um que se posiciona nesse debate para direcionar ou limitar esse comportamento dos atores nas redes sociais e das redes nesse sentido de formar conselhos, da sociedade nesse aperfeiçoamento institucional.
Felipe Neto - Olha, acho que é a pergunta mais difícil de ser respondida hoje, porque é justamente o que todos os países democráticos do mundo estão tentando responder: - Como a gente faz para a internet, o ambiente digital, ser um lugar com regras, obviamente regulado, regulamentado, com um bom ambiente para as pessoas frequentarem e que a gente possa coibir as más práticas, os crimes cometidos etc. Todo mundo acompanhou o banimento do Trump, ele foi expurgado da internet, de todas as redes sociais basicamente, tirando aquelas que são controladas por pessoas que se colocam politicamente de algum lado. O fenômeno do banimento do Trump precisa ser estudado, porque embora eu me considere uma pessoa anti-Trump, já me declarei inúmeras vezes, a gente precisa entender como isso foi feito, se foi feito da maneira correta e se deve ser replicado, se deve atingir mais pessoas como foi feito com ele. Existe uma resposta fácil para isso que é a seguinte: sim. Porém, essa resposta que é simples e rápida de ser dada, ela precisa ser estudada, porque? O que o Trump fez para ser bloqueado, banido? Ele feriu as regras das plataformas onde este estava inserido, certo? Ponto. Essas regras dessas plataformas dão margem ao banimento? Dão. Está escrito claramente dentro do contrato que você assina para fazer parte dessas plataformas. Deve acontecer dessa forma e da forma como foi feito com ele? Na minha visão não. Depois de muito ler, muito estudar, muito ouvir juristas, é fundamental ouvir os especialistas dentro dessa temática. A gente deve ouvir os juristas que realmente estão aí em defesa do estado democrático de direito e das constituições de seus países e tudo o mais, eu não acho que a forma que a gente deve tratar o banimento na internet seja como foi lidado com o Trump. Eu tenho uma teoria que eu já manifestei com amigos juristas e que eu deva ser um caminho natural, que hoje nós temos dois tipos de liberdade e estamos em um momento de ruptura muito grande dentro da humanidade como um todo, que é até hoje a gente só tinha uma liberdade sendo tratada, quando a gente tratava de sanções penais - seria a liberdade de ir e vir, a liberdade de transição. Você tinha a liberdade limitada, ou seja, a prisão domiciliar, a prisão em semiaberto, em vários regimes e a liberdade totalmente retirada quando você vai para o regime fechado numa penitenciária cumprir uma pena. O que a gente está vendo acontecer hoje é que estas sanções não são compatíveis com o ambiente digital, elas não se encaixam direito. A gente está vendo um embate, um choque muito grande de pessoas sendo condenadas a uma prisão, a um regime semiaberto ou banimento sem as pessoas saberem, necessariamente, se essa era a sanção correta para o tipo de crime ou má conduta cometida por determinado indivíduo. Por isso, acho que hoje a gente tem dois tipos de liberdade: a liberdade de ir e vir, a liberdade física e a liberdade digital. O que é a liberdade digital? O direito de ir e vir dentro do ambiente digital. E, o que aconteceu com o Trump foi uma punição de tirar a sua liberdade digital feita por CEOs e não por juristas. Foi isso o que aconteceu. A gente deve defender o que aconteceu com o Trump? Acho que a gente precisa dialogar. Eu não estou aqui para dizer: não pode fazer como foi feito com o Trump, mas também não estou aqui para dizer que tem que fazer, o que foi feito com ele, com outras pessoas. Agora, estamos em um momento de completo caos, de completa indefinição, de completa confusão. Os nossos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) agem de uma maneira, quase como aplicando remendos em um navio todo esburacado que está afundando. E eles vão ali tentando aplicar remendos, para tentar contornar a situação e para não deixar o navio afundar. E dessa maneira a gente teve prisões decretadas. Semiaberto decretado, prisão domiciliar decretada. E aí veio a proibição de utilizar o Twitter para determinado blogueiro de extrema direita, ou proibição de usar todas as redes sociais em outro youtuber de extrema direita e tudo o mais. Mas isso precisa de fato entrar nas disciplinas, entrar nos debates sobre o que é liberdade e onde ela pode ser diminuída, aumentada ou retirada totalmente. Eu acho que a gente tem duas liberdades e isso vale muito a pena entrar no debate jurídico. E eu me retiro desse debate, eu jogo a ideia e deixo para vocês, principalmente para você Gabriela, inclusive que faz parte desse ambiente fale sobre isso. Agora, é importante que a gente entenda sobre o que a gente está enfrentando aqui, porque a gente fala o tempo todo sobre o “tio do zap” que compartilha fake news, eu não gosto desse termo enfim, compartilha a notícia fraudulenta, a informação falsa no WhatsApp, mas a gente tem que falar também sobre as organizações, os verdadeiros arquitetos do ódio que surgiram e que agem de uma maneira invisível, a gente só vê o resultado através do “tio do zap” ou dessa meia dúzia de “bundões” comentando no chat: “Viva Bolsonaro, “bolsomito” etc., que não perceberam que se tornaram um comportamento de gado mesmo, se tornaram replicadores de um comportamento que foi controlado por arquitetos lá em cima e que resultam nisso aí, um cara gritando em um chat de Youtube, olha o que virou a vida desse cidadão. O que transformou a sua vida, irmão, que estava assistindo, que você se tornou tão bitolado, tão manipulado, tão controlado, que você abre um chat de uma live que você não tem interesse nas pessoas que estão lá, para gritar para o seu ídolo? Porque é o seu ídolo, e você tem comportamento de fã. Antes de começar esta live tinha um monte de fã meu comentando aqui: cadê o Felipe? A gente entende isso quando vem de um fã. Porque o fã às vezes é jovem, é uma admiração ingênua, uma admiração pelo ídolo. Agora quando você faz isso por um político é constrangedor em um grau, ainda mais quando se é um senhor de 43 anos entrando num chat de uma live do Youtube gritando palavras de ordem. Por que isso acontece? Onde está a raiz? Esse cara é o problema? Não, esse cara não é o problema. Esse cara é o sintoma. É sintoma de uma doença muito mais grave que acontece lá atrás. Então, se a gente não estudar o que aconteceu nos Estados Unidos com a Cambridge Analítica, como o Steve Bannon está por trás ... não sei se foi capa da (revista) Time como o verdadeiro arquiteto do mal da política americana, como o Steve Bannon se infiltrou dentro dessas redes. Como o movimento italiano, o movimento “Cinco Estrelas” juntou com a “Liga” conseguiu chegar ao poder na Itália utilizando a manipulação de algoritmos das redes sociais para fazer a população ter determinado comportamento? Qual o resultado disso? Qual o sintoma? Um cara de 63 anos entrou aqui na live para falar “Bolsomito, Bolsonaro 2022 com a bandeirinha do Brasil”. Esse cara é o problema? Não. Esse cara é um bobo.
Ronaldo Lemos - Felipe, só para te comentar: ser fã de você ou de uma celebridade não gera nenhum prejuízo para a sociedade, na questão individual, mas quando se é fã de um governante público, por exemplo, ignora a questão da responsabilidade desse governante, pode causar um mal para a vida de milhões de pessoas. Então este ponto que você levantou, eu gostei muito.
Felipe Neto - Porque Ronaldo, o fã quando olha para um ídolo ele tem uma admiração tão forte que ele se torna, eventualmente, um passado de pano, como a gente criou o meme na internet. Quanto ele olha para o ídolo e ele faz uma coisa muito errada, muitos fãs vão lá e defendem de todas as formas. Isto está errado, não se pode tratar um político dessa forma, sob nenhuma hipótese. Nunca na sua vida você pode tratar um político dessa forma, não importa o quanto você o admira. É importante falar o quanto isso é sintoma cuja a raiz está lá atrás, está nos arquitetos desse tipo de informação que passada hoje controlada pelos grupos de WhatsApp, pelos grupos de Facebook, pelos perfis de Twitter, pelos canais de Youtube, para que faça com que toda essa rede de pessoas se torne um gado gigantesco para gritar, fazer barulho, agir de forma violenta e defender os interesses dos líderes, que normalmente são paspalhos como o Jair Bolsonaro. Como aconteceu na Itália também, nos Estados Unidos. É impressionante que quem vai para a posição da liderança é alguém que você sabe que nos livros de história os alunos vão estudar e falar: - O que aconteceu aqui?? O que aconteceu nessa época do mundo? Como o Trump virou presidente?
Gabriela Prioli - (Vão dizer) Coitado do pessoal que viveu nessa época!
Felipe Neto - Sim, o que houve ali (na história). Eu acho que é isso.
Gabriela Prioli - Eu achei muito interessante enquanto você estava falando, não sei se eu estava na tela, mas estava olhando para o lado procurando Os Engenheiros do Caos.
Felipe Neto - O livro do Giuliano da Empoli, não é?
Gabriela Prioli - Que podemos ler para entender melhor, tem também a Máquina do Ódio da Patrícia Campos Mello que fica de recomendação de leitura. Eu achei muito interessante você ter falado dos diferentes tipos de liberdade, dessa liberdade digital para a qual o Direito Penal ainda não tem respostas, o Direito de maneira em geral, e você dos remendos do Poder Judiciário que vai agindo conforme vai sendo instado à e fica aquela situação de insegurança. Eu vou jogar a pergunta para a Aline sobre o projeto de lei das fake news. Lembro que a gente começou a falar dele dizendo inclusive calma, o Marco Civil da Internet teve um debate longo de muitos anos para que a gente pudesse, de fato, decidir qual seria a posição do Congresso Nacional sobre este tema. E a gente está querendo decidir as coisas agora, em relação a este que você disse que é o mais importante nas sociedades democráticas, a toque de caixa. E quero trazer, como disse você da área do Direito, uma vivência pessoal de quando eu era ainda advogada era muito difícil conversar com os desembargadores sobre aspectos técnicos das interpretações telefônicas. Quando a gente fala de o Judiciário estar fazendo remendos, imagino que esteja se referindo ao Supremo Tribunal Federal, mas quando a gente fala das outras instâncias do Poder Judiciário, muitos operadores do Direito não têm a menor ideia do que está acontecendo na internet, não dominam esse cenário. Lembro de falar que a gente deveria ter acesso a tudo o que a Polícia Federal, nós advogados, ter acesso a essa interface que foi gerada entre ela e as companhias de telefonia. A gente teve problemas para saber quando foi produzida determinada informação. E para o magistrado a produção da informação era quando o agente imprimia o relatório. E eu dizia não, foi quando ele ficou sabendo, por que essa interface digital ela não existe no mundo real, mas ela é real em termos de produção de conhecimento. O buraco é muito mais embaixo. Quando eu comecei essa mediação dizendo que se os veículos de mídia tradicional ainda tinham algum preconceito com estas novas fórmulas de comunicação ou se a academia ainda tinha algum preconceito com essa nova forma de veicular conhecimento, eu falo isso também em relação às nossas instituições políticas. Será que a gente tem um debate no Congresso Nacional feito com a mesma disposição de ouvir os especialistas e entender a complexidade desse problema que você menciona na sua fala? Estou vendo todo mundo fazendo assim ó (balança a cabeça sinalizando não), já vou abrir a palavra de novo. Mas antes vou abrir para a Aline, porque eu sei que o tempo está chegando ao fim, e passo para Aline, Rita, e de novo para Felipe e Ronaldo, mas acho que a Aline pode falar primeiro sobre como foi acompanhar este debate sobre a lei das fake news e se você sentiu de fato uma disposição para se inteirar do assunto, mas pessoas ali que sabiam em que oceano estavam navegando.
Aline Midlej - A gente está aprendendo no processo, como os congressistas também Grabriela. O mundo todo está olhando para o tema das fake news, Ronaldo acompanha isso muito de perto que eu sei. A União Europeia avançou bastante neste debate nos últimos anos até hoje está com dificuldade de encontrar mecanismos, o melhor caminho, vai aprimorando a própria legislação conversando com as gigantes da tecnologia para encontrar os novos caminhos. A questão da liberdade de expressão mais uma vez vira um tema muito delicado nesse debate. Foi exatamente o que tornou a discussão interessante, principalmente na Câmara dos Deputados, pois o texto foi aprovado no Senado no finalzinho de junho, 30 de junho (2020) se não me engano, de uma maneira muito apressada, exatamente pela complexidade do tema. Todo mundo sabe que o que for definido no final, e se for sancionado ou não pelo presidente da República que já disse que a tendência dele é de não assinar esse texto. De qualquer forma, é um ponto de partida para o Brasil. A gente sabe que não é uma discussão que vai se esgotar com aquele texto. No Senado, a tramitação foi bem rápida, bem acelerada e bastante criticada. Foram mais de 150 emendas colocadas no texto desde o momento em que ele começou a tramitar no Senado. A Câmara começou a fazer um trabalho melhor, uma lição de casa melhor, por pressão da mídia, dentro e fora das redes sociais, os deputados começaram a convidar vários especialistas brasileiros para discutir o assunto, virtualmente, porque já vivíamos uma pandemia. Estou falando de julho e agosto do ano passado (2020). O texto está parado agora na Câmara. Foram ali alguns debates interessantes, com gente que entende do assunto, que traz perspectivas e repertórios diferentes. Acho que a gente começou a caminhar na Câmara. Para onde vai esse texto a gente ainda não sabe, porque está parado por causa da pandemia. Os deputados entenderam a complexidade do assunto e estão levando isso para um debate mais amplo, e a mídia, principalmente a mídia tradicional, estava fazendo à época uma cobertura bastante ampla. Recebi muitas pessoas ao longo daquela semana para ouvi-los. Gente que tinha sido ouvida na própria Câmara durante os debates, e veio ali conversar com a gente. Acho que estamos caminhando para essa direção. Agora é um projeto de lei, essa das fake news que está tramitando no Congresso. Se é um projeto de lei, sabemos que precisa da aprovação do presidente da República. De qualquer forma o Brasil está enfrentando esse assunto está se aprofundamento e vejo isso de maneira bem positiva, apesar de algumas manobras, algumas tentativas de apressar o processo que não pode ser acelerado. Para fechar a minha contribuição sobre o assunto as fake news. A gente fala sobre o papel da mídia tradicional, da grande imprensa que eu represento aqui, a gente teve duas experiências muito bonitas - a primeira é o Fato ou Fake, que é só dos veículos do Grupo Globo, que com um ano de pandemia fez mais de mil checagens. Muitas delas de vídeos, mensagens de políticos, fake, boatos que comprometeram o enfrentamento à Covid-19. É um trabalho que vem acontecendo ainda e que a mídia tradicional, neste caso, tem um papel importante porque somos mídia tradicional pelo tempo, pela estrutura, pela expertise acumulada em décadas de trabalho pelos seus profissionais. Pelos recursos humanos, técnicos, financeiro, e a gente conseguiu usar isso a favor do interesse público durante a pandemia. E mais recentemente o Consórcio de Veículos de Imprensa, que foi formado exatamente pela suspeita da falta de transparência por parte do governo federal na consolidação dos dados da Covid-19 e aí houve uma reunião dos veículos, não só do Grupo Globo que eu represento aqui, mas dos veículos da grande imprensa, no levantamento de dados, exaustivo, diário de levantar junto às secretarias estaduais de saúde os dados de Covid-19 - de óbitos, de mortos e agora de vacinação. Existe um trabalho, que se for feito conjuntamente pela mídia tradicional e digital, com os formadores de opinião que nascem do meio digital, uma parte de vocês representa isso, acho que a gente consegue estreitar essas ideias e conversar, a gente caminha para um potencial de informação de qualidade e de mais tolerância no ambiente digital também, com divergências, mas com respeito e responsabilidade. A gente trouxe o Felipe Neto recentemente, pela primeira vez para a GloboNews no ano passado. Ele participou de um programa nosso no domingo. Foi uma ótima conversa com os nossos jornalistas. Ronaldo Lemos está sempre com a gente. Rita estava te paquerando faz tempo, agora vou pensar em alguma coisa. Gabriela é meio concorrente, mas a gente pode pensar em outros caminhos. A gente tem que cada um usar a sua força - a mídia tradicional, o recurso que tem, a mídia digital com quem está no front nas trocas com os internautas. A gente tem que juntar as potências, unir forças. E acho que a mídia tradicional, defendendo o meu peixe, ganhou uma força e uma relevância muito importante durante este momento de pandemia quando as fake news, de gato, impactam literalmente a vida das pessoas.
Gabriela Prioli - Aline, a gente pode ser um pouco concorrente, mas a gente se junta aqui na internet e tudo bem. A internet nos acolhe juntinhas. Rita, eu vou passar para você querendo saber a sua opinião, e principalmente o motivo do (balança cabeça em sinal de não) como será que está este debate, será que é um debate aprofundado? Mas quero trazer outro ponto também. Felipe fala sobre o banimento do Donald Trump das redes. Ele fala que foi um banimento, violação dos termos de uso e tudo o mais, mas que foi decidido por CEOs e não por juristas e digo mais pouquíssimos porque a gente tem uma concentração aí.
Felipe Neto - Oligopólio o nome disso.
Gabriela Prioli - O que eu queria era sua visão sobre isso. Se você quiser dizer o que acha sobre esse banimento do Donald Trump. Eu costumo dizer que a gente pode sempre fazer um teste, que é o teste como o Felipe fez - se fosse com uma pessoa com a qual a gente concorda, se não fosse com uma pessoa que a gente despreza, será que a gente teria a mesma opinião, a gente defenderia o mesmo posicionamento? Só fazer este teste simples nos permite compreender que muitas vezes a gente quer só silenciar a pessoa com a qual a gente não concorda ou se a gente de fato acha que aquele é o melhor mecanismo para lidar com esta situação que se apresenta.
Rita Von Hunty - Eu sinto que talvez uma parte da complexidade de tentar pensar a respeito do banimento do Trump das redes sociais e aí, é um tema complexo, a gente está numa mesa de debate, o máximo, talvez, que eu consiga fazer aqui é expressar a minha opinião, mas talvez muito mais infinitamente significativo que expressar a minha opinião é apontar contradições que fazem com que essa seja uma questão. A gente precisa pensar nas redes sociais como empresas. Talvez pensar a rede social como uma loja, um restaurante, um hotel e pensar que o uso inadequado da rede social. Não estou me referindo a uma toalha molhada no sofá do hotel, que talvez ocasione uma multa. Estou me referindo a colocar em risco a vida de uma população, de um país. Estou me referindo a incitar violência contra o Capitólio. São coisas muito distintas. Estou tentando através de um propósito didático, pedagógico, usar um exemplo. E todas as empresas ou instituições privadas encontrariam meios de parar pessoas. Da mesma forma que, volta e meia, a gente vê populações pretas, pobres e periféricas sendo arrancadas de shoppings centers, da mesma forma que a gente vê, reiteradamente no Brasil, pessoas trans sendo ejetadas de banheiros dentro de instituições privadas. A gente está vendo isso acontecer dentro dessas outras instituições, dessas outras empresas que são as redes sociais. O que é importante ter em mente aqui, é que a paralisação, ela também desempenha um papel mais ou menos político. Por que essa paralisação acontece agora? Por que o processo de impeachment do Trump se dá depois que ele sai da cadeira? Atentar para estes fatos é, talvez, perceber o quão políticas essas decisões são e de que forma a gente poderia apontar contradições nelas. Para não me estender muito aqui, quando a gente está falando sobre a democracia e aqui a gente está falando de um país em que a história democrática é extremamente curta e as instituições democráticas são frágeis. A gente está falando sobre uma democracia que até hoje não é plena. A gente precisa ter em mente que atentados contra essa democracia precisariam ser parados de imediato! Depois submetidos a um processo judicial, onde pessoas mais instrumentalizadas se debruçaram sobre isso etc., no entanto, parar o processo deveria ser uma primeira função. Por exemplo, o banimento do Trump deveria ter acontecido ou, por exemplo aqui no Brasil coisa que não acontece, banimento do Bolsonaro das redes sociais depois de recomendar reiteradamente remédios que não têm comprovação científica nenhuma de eficácia contra o coronavírus. Depois de incitar a população brasileira a aglomeração de rua, a manifestação em prol de… aí vocês complementam com qualquer absurdo que vocês quiserem, porque estas redes não são paralisadas? E de novo, talvez esta seja uma questão que nos leva ao debate sobre liberdade de expressão. Aqui a gente não está falando sobre liberdade de expressão, a gente está falando sobre um atentado contra vidas, contra a democracia, contra instituições. E o processo básico da democracia é de que a democracia não pode tolerar a intolerância. Esse é o primeiro. A partir do momento que a gente tolera a intolerância, se abre espaço para a erosão de uma possibilidade democrática.
Felipe Neto - Eu posso complementar? A Rita foi perfeita, as colocações estão absolutamente perfeitas, tudo está absolutamente bem colocado e o que eu falei em relação ao caso do Trump, que a gente precisa ter em mente em todos os casos de maneira geral é o seguinte - estancar a sangria é fundamental. O que é estancar a sangria? É você remendar o machucado. O Trump quando foi banido estava literalmente incentivando a invasão do Capitólio. Todo mundo viu com todas as letras. Pessoas morreram em função daquele atentado que é considerado, para mim, um ato terrorista. Pessoas morreram por causa daquilo e o Trump estava no Twitter incentivando a três dias aquele tipo de comportamento. Conter a sangria é fundamental, agora tem muita coisa errada. Em primeiro lugar, eu não consigo falar tão calmo, eu queria muito ter a calma e tranquilidade da Rita. Rita eu não consigo, preciso de aulas. Eu não tenho essa tranquilidade.
Rita Von Hunty - (risos).
Felipe Neto - Twitter, Facebook e Youtube, todos eles, sem exceção, todas as redes covardes. Covardes. É preciso dizer com todas as letras: o não banimento imediato de políticos brasileiros publicando conteúdo no meio da pandemia, o não banimento dessas contas é covardia que chama. Por parte de todas essas redes são covardes, têm medo. O Trump só foi banido quando perdeu a presidência. O Bolsonaro será banido, provavelmente, no dia seguinte que deixar de ser presidente da República. Felipe, mas você lá atrás falou que não tem que banir as contas? Estou falando de conter a sangria. O que é conter a sangria? Você precisa ativar imediatamente as regras da sua plataforma, senão porque assinei? O Bolsonaro leu uma carta de uma suicida! O Bolsonaro mostrou imagens relacionadas a um suicídio e o Twitter não fez nada! O Facebook não fez nada! Covardes. No momento em que o Bolsonaro postou mais uma vez seus incentivos às aglomerações, a atos absurdos de manifestações de pessoas nas ruas eu mandei mensagem, porque eu não aguento mais, estou aqui extravasando e falando com vocês é porque eu não aguento mais mandar mensagens no privado para o diretor do Twitter, diretor do Facebook, o diretor do Instagram, o diretor do Youtube. Eu não aguento mais, não tenho mais paciência. Em uma dessas madrugadas, mandei verdadeiras mensagens gritando para o diretor do Twitter, porque ninguém aguenta mais. É covardia o nome disso. Conter a sangria é fundamental. O que eu questiono é o banimento permanente. Essa pessoa nunca mais poderá ter uma conta em rede social é que deveria ser matéria jurídica, e isso para mim é que deveria ser julgado por especialistas e tudo o mais. O que o Bolsonaro faz no Twitter, o uso da Secom (Secretaria de Comunicação do governo federal) é inconstitucional, não sei se é crime de responsabilidade. Cabe a Grabriela esse assunto. Mas está claro na Constituição (Brasileira de 1988) que não pode. Nada acontece! É importante a gente dar nomes aos bois. Eu defendo muito isso. E queria complementar o que foi dito pela Aline, que também foi muito bem na sua fala, é importante falar sobre este projeto das fake news, só queria fazer um complemento, uma pincelada final, de que o bom lugar para este projeto das fake news é dentro de uma gaveta. O projeto é uma afronta à sociedade, é terrível, é horrível, 150 emendas feitas das formas mais absurdas que se pode imaginar. Eu conversei com todos eles, eu fiz reuniões fechadas com todos os participantes deste projeto de lei e é realmente escandaloso a forma como o nosso parlamento está completamente às cegas nesse assunto. Não tem a mínima condição de legislar sobre isso sem ouvir especialistas. Então a gente precisa sim de muito tempo para que eles consigam entender o mínimo de internet, se eles querem legislar sobre ela. O que os senadores fizeram foi uma vergonha para o parlamento brasileiro ter passado esse projeto de lei como passaram. Espero que a Câmara (Federal) tenha o mínimo de vergonha na cara e engavete este projeto, que simplesmente terrível e vai fazer muita gente ser perseguida no dia a dia, justamente pessoas que não têm nada a ver com isso, que são vítimas de um sistema para torná-las gado e não é isso o que a gente precisa. A gente não precisa caçar o “tio do WhatsApp”, a gente precisa caçar lá em cima quem está dando às ordens. Só queria deixar isso claro, porque enfim eu não consigo, fico muito nervoso.
Gabriela Prioli - Bom, eu vou aqui de uma maneira mais calma, menos emoção e mais razão, pontuar algumas coisas da fala do Felipe para que o pessoal saia daqui também e depois vou passar a palavra para o Ronaldo, para a gente pensar determinadas questões específica. Felipe e Rita falaram o seguinte: a gente precisa primeiro raciocinar sobre a atitude imediata, quando um comportamento de uma pessoa nas redes sociais está gerando um perigo imediato qual a atitude que deve tomar nesse momento? A gente fala disso no Direito, quando a gente fala de uma decisão em caráter liminar. Quando a gente fala que precisa para decidir, para poder conceder aquela proteção do perigo da demora - olha, se a gente demorar, a gente pode experimentar uma situação que depois não vai dar para reparar. Isto justifica que a gente aja dessa maneira mais apressada. E aí o Felipe diferencia essa situação, da atitude imediata, de uma atitude prolongada e permanente, como na situação de um banimento que seja eterno. Agora quem vai decidir isso? Será que a gente pode garantir à plataforma, a partir dos seus termos de uso, o direito de decidir o imediato e depois a gente precisa submeter isso à chancela do poder judiciário? E de que maneira vamos fazer isso? Eu falo de que maneira a gente vai fazer todas essas coisas, porque quanto mais claros forem os procedimentos, para garantir a atuação imediata ou o banimento permanente e de que forma a pessoa pode se defender. Vai garantir, por exemplo, que a gente consiga comparar a coerência de decisões como: porque vocês decidiram, banir o Trump e, paralelamente, nada se faz em relação a contas de políticos brasileiros que também estão colocando as pessoas em risco. Qual é a diferença, nessas regras de uso das plataformas, que estão sendo observadas para que o público saiba? Não conheço especificamente as regras de uso para saber se elas são comuns, precisaria me aprofundar, mas a questão é gente precisa conhecer para que a gente possa, inclusive, apontar a covardia que o Felipe descreve, que é quando um ex-presidente, no dia que perde o cargo, incita uma invasão do Capitólio aí você tem um banimento a partir das regras de uso, mas a gente tem aqui que a violação das regras de uso se dá de maneira reiterada e nada acontece. E porquê? Só porque está no cargo? Então, de repente, precisa ter nas regras de uso ali que depende do cargo que a pessoa ocupe no momento da infração dos termos de uso. Para que a gente possa diferenciar uma situação da outra. Ainda que isso exista, desde que seja explícito, a gente consegue se posicionar em relação à própria edificação das regras de uso de cada plataforma. Acho importante, até para que se prenda à observação que o Felipe faz, que não entra em conflito com o que disse a Rita, porque na verdade os dois estão falando, penso eu, de maneira diferentes sobre momentos diferentes. A Rita, como o Felipe falou, fala mais do momento imediato, depois acho que a gente precisa…. Todo mundo, podem mexer a cabeça, eu vou passar para o Ronaldo, todo mundo acha que precisa de mais transparência, que a gente precisa de coerência, a gente precisa poder opinar a partir de informações que são claras e acessíveis para todo mundo, para que a gente não fique na mão do arbítrio de qualquer um que seja. Sim Rita, diz.
Rita Von Hunty - Vou tentar fazer uma intervenção de dez segundos. Também é necessário a gente pensar de que forma os nossos imaginários para lidar com a situação, projetam no horizonte uma única saída que é um estado policialesco onde tudo estará sendo vigiado o tempo todo. E se isso é interessante é porque os nossos imaginários, políticos e sociais, projetam este cenário para o futuro: como a amenização do que está havendo agora. Para encerrar, existe uma coisa que todos os pensadores, aos quais estou filiada, eles vão sempre instaurar como ponto primeiro de que até que haja uma espécie de educação emancipadora. Até que haja um sistema de educação crítico, por que tudo o que a gente está discutindo aqui, por exemplo, o presidente de um país que para a sua agenda para falar sobre nióbio. Uma secretária de Cultura que faz menção honrosa à música que se cantava durante a ditadura militar, que minimiza o fato de que houve tortura, assassinato e morte. Tudo isso só se torna uma possibilidade porque a gente tem uma falência crítica do nosso sistema de interpretar a realidade. Novamente, não projetar no horizonte um estado policialesco como a solução dos nossos males. E que esses males, a gente só tem uma população que advoga fervorosamente pelo uso de um vermicida para combater um vírus, porque a gente se encontra num buraco intelectual, a gente se encontra em um buraco de razão crítica.
Gabriela Prioli - Agora eu vou jogar para o Ronaldo neste final, que ficou com a bomba na mão, porque todo mundo fez críticas entusiasmadas e Ronaldo, do seu lugar, de dentro… Rolando sumiu (da tela da transmissão) … ah voltou, achei que você tinha fugido. Falou não, não vou mais participar desse debate, vou deixar para depois. Queria saber de você como estudioso do tema e de seu lugar dentro do conselho, acho que você é um espaço muito privilegiado para nos trazer esse seu ponto de vista. Um apanhado de tudo o que a gente discutiu agora: banimento de uma atuação imediata, de uma situação no com o tempo no sentido de uma exclusão permanente desses atores. Eu tenho uma outra coisa que eu sempre digo e conversa com o teor que você trouxe no começo que é, até escrevi sobre isso na Folha, de que não adianta só a gente silenciar os microfones desses atores políticos, se a gente não conseguir - temos conversa da Rita para falar em educação - se a gente não conseguir mudar a forma de pensar dessas pessoas que continuam sentadas na plateia do absurdo, a gente só vai trocar de um ator por outro. Vai silenciar este ator específico e esse público continua sentado nesse auditório esperando que outro se apresente. Então a gente vai passar de um populista autoritário para outro e as coisas não vão mudar muito. Queria te ouvir e já me encaminhar para o encerramento que estou vendo que no nosso tempo está aqui (mostra com as mãos no pescoço que o tempo está se esgotando.
Ronaldo Lemos - (tem problemas com áudio)
Aline Midlej - Eu queria fazer um complemento com a história do Trump que o Felipe Neto trouxe a questão, e você também complementou porque lá é de um jeito e aqui é de outro. Quando o Trump foi banido do Twitter, e já havia sido banido do Instagram e Facebook, ele ainda era presidente dos Estados Unidos. E todo o episódio envolvendo a invasão do Capitólio aumentou ainda mais a pressão para que ele renunciasse ao cargo antes de transferi-lo para o Biden em 20 de janeiro. Então, o Trump naquele contexto todo, ela ainda era presidente, ainda que estivesse na iminência de sair e só foi banido depois de o histórico que vocês lembraram aí. Só para colocar isso. Não, era ex-presidente ainda.
Gabriela Prioli - Acho que o pessoal quis dizer que na verdade ele tinha perdido a eleição, ele teria que integrar o cargo e, consequentemente, o poder dele se dissolve nesse cenário. Seria muito diferente se ainda estivesse na cadeira da presidência sem que outro candidato tivesse sido eleito para substituí-lo na presidência da República. Foi isso Rita, Felipe? Sim (eles sinalizam que sim com a cabeça). Ótimo, que bom você explicou para que as pessoas não pensassem que o sentido da nossa fala era outro.
Cadê o Ronaldo, já tem áudio? Foi incluído de volta, não foi banido permanentemente (brinca) foi só uma ação pontual da organização desse debate. Então vamos lá Ronaldo.
Ronaldo Lemos - Olha, tentei fugir aqui Gabriela, porque obviamente eu não posso comentar o caso do Trump porque faço parte do conselho, independente de supervisão do Facebook, que vai decidir este caso. E essa decisão deve ocorrer nas próximas semanas. Então eu não posso fazer nenhum comentário em nome do conselho.
Gabriela Prioli - Posso te interromper em nome de quem está assistindo? Como as pessoas podem ter acesso a essa decisão? Eles te procuram nas tuas redes e você coloca alguma coisa lá? Estou querendo facilitar o caminho das pessoas para se inteirar sobre o assunto caso estejam motivadas.
Ronaldo Lemos - O conselho, quem tiver qualquer decisão de conteúdo em redes sociais como o Facebook ou Instagram, tem um mecanismo de apelação, você pode solicitar uma revisão. E o conselho do Facebook, obviamente, todos os dias acontecem milhões de decisões sobre conteúdo. E o conselho escolhe algumas decisões que são mais emblemáticas, que tenham impacto para mais gente, vamos dizer um efeito regulador forte, para olhar. O objetivo do conselho não é decidir todos os casos, mas sim tratar de casos que são emblemáticos. E o caso do Trump, aqui já faço um alerta importante, eu não falo aqui em nome do conselho. Tudo o que eu disser a partir de agora é em nome meu pessoal. O caso do Trump levanta um tema muito importante que é: qual a responsabilidade das pessoas que estão no poder? Esse tema é essencial. E é por isso que a gente estava conversando agora até há pouco, sobre o fato de que é totalmente inapropriado lideranças políticas terem fãs, por exemplo. Porque liderança política precisa de responsabilidade e não de fãs que tenham um comportamento de aplausos permanente a qualquer coisa que aquela pessoa faça.
Rita Von Hunty - E existem canais oficiais de comunicação, não é Ronaldo? Viver em um mundo no qual os líderes do poder usam rede social me faz pensar que de fato a gente deveria voltar 22 casas, não é? Todos os órgãos, poderes, instâncias têm canais oficiais de comunicação. O Twitter não é canal oficial de comunicação da presidência, isso já é um absurdo.
Ronaldo Lemos - Como eu ia dizendo, este ponto é importante, porque sempre que você tem alguém que está numa posição de poder, essa pessoa tem responsabilidades adicionais de quem não está. Por exemplo, é aquela regra que a gente pode chamar de a regra do Peter Parker - com um grande poder vem grande responsabilidade. Aliás, deixa eu me corrigir, a regra é do tio Ben que fala para o Peter Parker que com um grande poder vem uma grande responsabilidade. Esse tema a mim me interessa pessoalmente, porque eu acredito que quando você tem uma pessoa que ela está numa posição de poder, responsabilidade que ela tem de não causar danos, de não provocar seja violência, seja mortes, sejam decisões equivocadas que envolve um grande número de pessoas, ela é maior do que uma pessoa que tenha um alcance limitado. Este ponto é fundamental. A gente está vivendo um momento de ilusão, está olhando as pessoas que estão no poder como se elas fossem gente comum, gente como a gente, e sendo até mesmo meio flexível com o que elas podem fazer ou não, dizendo que no fundo a pessoa era bem-intencionada ou algo do tipo. Gente, quando alguém está no poder ela é responsável, no caso do Brasil, pela vida de 200 milhões de pessoas. A gente não está falando aqui de uma pessoa comum. É impressionante ver como muitas vezes a comunicação no mundo contemporâneo tenta vender essa ilusão. A gente vê a pessoa que está no poder fazendo uma live da casa dela, a gente às vezes até vê a parede da casa da pessoa com o reboco faltando, ou um defeito ali em cima da mesa, ou uma comida deixada propositalmente para dar impressão de que a gente está falando de gente como a gente, mas não é com gente como a gente que estamos falando. Estamos falando com gente que detém decisões sobre temas absolutamente estratégicos para 200 milhões de pessoas. Então, só para terminar, nesta semana passada foi publicada a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial. Um documento feito pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Eu como alguém que trabalha com o tema me preocupo muito com isso. Porque a Inteligência Artificial é uma tecnologia que vai poder eliminar empregos ou vai poder trazer chances de desenvolvimento. É uma tecnologia que pode ter dois efeitos: ser uma ameaça para um país de renda média como o Brasil fazendo os empregos desaparecerem, por exemplo, ou ser uma oportunidade de desenvolvimento em que o nosso país usando esta tecnologia pode dar um salto tecnológico, ficar mais rico e diminuir a desigualdade e assim por diante. Esse é um tema essencial, ao ler esta Estratégia de Inteligência Artificial eu cheguei à conclusão que ela é um desastre. Ela é um documento de 52 páginas que tem a mesma qualidade de um trabalho de faculdade mal feito. Se tivesse sido feito por um aluno meu, teria sido reprovado provavelmente com nota zero, isso seria parte de um documento oficial no Brasil, isso é absolutamente lamentável, um absurdo. Então quando isso acontece não dá para passar pano. E não dá para passar pano para uma série de decisões porque quem está ali não é gente como a gente. É gente que está no poder, que tem decisão sobre milhões de pessoas no país. E a gente é um país que não pode perder tempo. Tem gente passando fome agora. Tem gente procurando emprego agora. Não é daqui para a frente, daqui há pouco. Essas posições implicam responsabilidade. Acho que esse é o ponto e a mim, pessoalmente, interessa muito esse tema que é como a gente pode pensar a responsabilização de pessoas que estão em posição de poder de uma forma que elas respondam em um nível mais elevado do que pessoa que estão ali com pouquíssimos seguidores, com alcance pequeno. Este tema para mim é chave e que bom que a gente está debatendo ele aqui com a Rita, com você Gabriela, com a Aline e o Felipe, com todo mundo que está aqui no chat do animadíssimo inclusive. É muito bacana estar aqui hoje discutindo isso.
Gabriela Prioli - Adorei essa fala final. A gente encerra em grande estilo, porque infelizmente a gente não tem mais tempo. Tinha muito mais coisa para debater. Fica uma mensagem de que a gente precisa pensar na tecnologia. E gostei de uma fala seu ano começo que você fala da dupla característica da tecnologia tentando entender como ela pode ser instrumentalizada para o mal e para o bem, a gente poderia problematizar os conceitos e bem ..., mas a gente precisa ficar numa coisa mais simples. Ouvir a Rita falar sobre canais oficiais, fico ainda com alguma… talvez eu fizesse alguma ressalva porque eu perguntei para o Ronaldo de como as pessoas chegariam nessa decisão do conselho no caso do Trump. Acho muitas vezes que os canais oficiais não atingem todas as pessoas, então talvez as redes sociais tenham levado informação às pessoas que não se informavam pelos canais oficiais. Então penso se de alguma maneira a gente poderia seguir construindo essa responsabilidade de maneira mais elevada as decisões que impactam diretamente a vida de milhões de pessoas. De repente manter a rede social como estratégia paralela, não necessariamente a única, desde que a gente tivesse algum limite para atuar. São coisas que a gente poderia ficar discutindo por mais três horas. Sei que um painel vai começar daqui a pouquíssimos minutoss. Queria agradecer muito a participação de todo mundo, são todos meus amigos agora, já que a Aline entrou neste meu grupo. Aline Midlej, Felipe Neto, Rita Von Hunty e Ronaldo Lemos foi um prazer conversar com todos vocês. Queria agradecer a mais de duas mil pessoas que eu vejo aqui no Youtube, depois que o Ronaldo me chamou a atenção (para o chat) estou assistindo aqui, paralelamente os comentários. Para quem ficou gritando palavras de ordem nos comentários do Youtube acho que Felipe Neto já deu uma chamada de atenção. Se você gritou palavras de ordem e não viu a palavra de Felipe Neto volte um pouco esse vídeo e ouça a mensagem que foi preparada especialmente para você pelo nosso youtuber tão querido. Obrigada gente. Vou abrir um espaço para todos vocês darem um tchau, simpatia para todo mundo que está assistindo também, aí a gente encerra. Felipe Neto dá teu tchau.
Felipe Neto - Obrigado, gente. Obrigado pelo convite. Obrigado a todos. Dez segundos, eu só acho curioso que na hora de querer responsabilizar um youtuber com a Lei de Segurança Nacional e corrupção de menores, descontextualizando vídeos feitos seis, sete anos atrás o gado todo bate palma. Na hora de responsabilizar o presidente da República por crimes cometidos agora, aí ele não fez nada de errado (diz de forma irônica).
Gabriela Prioli - Felipe deixou mais uma mensagem para a gente. Rita, teu tchau para a gente.
Rita Von Hunty - Agradeço a oportunidade de ter estado aqui. Agradeço a todo mundo que compôs o painel conosco. Talvez fechar com a ideia de que estou aqui também como uma artista, uma professora, e alguém que está em um campo de estudos chamado: Estudos de Cultura e, talvez, a lição central desse campo seja alguma coisa que o Raymond Williams fala em Cultura e Sociedade no parágrafo final do livro. Que o nosso trabalho como crítico de cultura é distinguir, nomear e permitir a comum distinção e nomeação de sementes que carregam consigo ideias de vida, e sementes que carregam consigo ideias de morte. Talvez o nosso papel seja melhor desempenhado enquanto educadores para que as pessoas possam fazer juízos mais acertados das suas realidades.
Gabriela Prioli - Obrigada. Aline...
Aline Midlej - Quero agradecer demais a oportunidade de a gente estar aqui trocando. E a reflexão que eu sempre deixo para as pessoas: leiam bastante as pessoas que pensam diferente de você, converse com ideias diferentes das suas. Pense, repense e respire antes de dar o enter, de dar o ok no seu post. Não deixe que o ego e o desejo da lacração, do reconhecimento seja maior do que a responsabilidade de mensagem, mas ao mesmo tempo se posicione sim, fale o que você pensa, afronte as autoridades, elas estão lá para isso, para responder aos seus questionamentos, é obrigação delas. Confie na ciência, no jornalismo profissional e na vontade de fazer diferença, porque cada história contada na rede social faz diferença, cada história relevante de forma igual, então a gente tem de valorizar as narrativas plurais, diversas e dar espaço a todas elas inclusive na grande imprensa também. Um beijo a todos.
Gabriela Prioli - Ronaldo sua mensagem final.
Ronaldo Lemos - Só agradecer muitíssimo. Gabriela você brilhou muito na condição do debate, muito obrigado. Foi ótimo. Sempre aprendo muito ouvindo a Rita, a Aline, o Felipe. E gostei também do debate aqui (no chat) no Youtube, o pessoal está aqui ainda assiduamente nos acompanhando. E só para encerrar, quem gosta desta discussão sobre tecnologia, instituições e desenvolvimento dá uma olhada lá no Expresso Futuro, que é a série que eu faço para o Canal Futura, está toda disponível no Youtube e também no Globoplay. Os episódios estão lá abertos, tem temporada que eu gravei na China, em Nova Iorque, no Brasil. Só fico devendo a temporada de Araguari (MG) a minha cidade querida que eu nasci e aproveito me despedindo mandando um beijo para o pessoal de Araguari que sempre me assiste. É isso aí. Obrigadíssimo, gente.
Gabriela Prioli - Já que o Ronaldo então falou do Expresso do Futuro. Vocês podem acompanhar a Aline Midlej no Edição Das Dez na GloboNews, Rita Von Hunty no seu canal do Youtube, Tempero Drag, e nas suas redes como o Instagram e Felipe Neto em todas as suas redes, ele fala bastante no Twitter, inclusive está toda hora lá, quando o bicho está pegando. E se vocês quiserem me acompanhar me assistir no meu canal e também no CNN Tonight. Um beijo para todo mundo. Foi um prazer estar aqui com todos vocês. Obrigada pelo convite. Tchau e até a próxima.
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editor de Política Eduardo Kattah / Editores Assistentes Mariana Caetano e Vitor Marques / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo e William Mariotto / Designer Multimídia Bruno Ponceano, Dennis Fidalgo, Lucas Almeida, Vitor Fontes e Maria Cláudia Correia / Edição de texto Fernanda Yoneya, Valmar Hupsel e Mariana Caetano