Distribuição de renda é fundamental para equalizar problemas arraigados no País; tema foi debatido na 7ª Brazil Conference
O painel “Reforma Fiscal e Programas Sociais”, realizado pela 7ª Brazil Conference Harvard & MIT neste 14 de abril, contou com transmissão ao vivo pela internet, a programação pode ser acompanhada pelo portal do Estadão, parceiro na cobertura do evento, além dos canais da conferência no Youtube e Facebook, a qualquer tempo.
Participaram do encontro o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, a economista e advogada Elena Landau, o economista e professor Ricardo Paes de Barros, a jornalista da GloboNews Flávia Oliveira e a jornalista e moderadora do debate, Mônica Waldvogel. O estudante Miguel Campos liderou o painel.
Para os especialistas, há uma crise fiscal sem precedentes, acentuada pela pandemia, aliada à trajetória assustadora da dívida pública, o que faz com que as reformas sejam ainda mais necessárias. Eles ressaltam que é prioritário que as propostas considerem a realidade brasileira, que segue com grande desigualdade e a necessidade de programas sociais, essenciais para garantir o mínimo para grande parte da população do nosso país.
Segundo os painelistas, as necessidades do Brasil vão além da reforma fiscal. É preciso um olhar efetivo para a questão da distribuição de renda no Brasil, ainda mais no contexto agravado pela pandemia da covid-19. Também é urgente adequar as expectativas do mercado e incluir a sociedade civil no debate para que seja possível alinhar estratégias e projetos para que as reformas sejam realizadas em benefício de toda a população brasileira.
Miguel Campos - Muito boa noite a todos, é um enorme prazer abrir mais um painel na Brazil Conference desse ano, o painel Reforma Fiscal e Programas Sociais, um painel que para mim é de extrema importância para o momento atual que vivemos no Brasil. Acho que não é novidade que o Brasil vive em meio a uma crise fiscal sem precedentes, acentuada pela pandemia. A trajetória da dívida pública assusta e caso nada seja feito, ela pode superar os 100% do PIB nos próximos anos. Reformas são mais do que necessárias, mas é importante que elas sejam propostas considerando o contexto brasileiro de acentuada desigualdade, em que programas sociais são essenciais para garantir o mínimo para grande parte da população do nosso país. Para mediar essa importante discussão, chamo a jornalista da GloboNews Mônica Waldvogel, que aceitou o nosso convite.
Mônica Waldvogel - Antes de qualquer coisa, gostaria de agradecer muito à Brazil Conference pela confiança, por esse honroso convite para debater um tema tão importante, com pessoas a quem eu admiro profundamente e acompanho já há muito tempo. Estão aqui com a gente para falar sobre reforma fiscal e políticas sociais Mansueto Almeida, que é um economista especialista em Finanças Públicas, e que foi secretário do Tesouro Nacional; o Ricardo Paes de Barros, que é engenheiro economista, é também estudioso, pesquisador de políticas sociais, estudos sobre pobreza, sobre desigualdade, sobre educação; a Flávia Oliveira, minha querida companheira, colega dos debates nos programas jornalísticos da Globo News, e a Elena Landau, que a gente acompanha há tanto tempo né, desde a sua participação na vida pública, nos programas de desestatização lá no governo Fernando Henrique, como economista, advogada, agora é líder, presidente do movimento político “Livres”, que é, enfim, dentro dessa chave do liberal social. Acho que a gente tem bastante coisa para conversar aqui, particularmente porque a gente vive uma conjuntura muito aguda dessa questão fiscal do Brasil né, a gente está vendo o que aconteceu com o orçamento, algo inédito, nunca tínhamos pensado em chegar a abril com um orçamento aprovado, porém não sancionado, por que ele é inexequível. Houve cortes em despesas obrigatórias e houve excesso de emendas, e agora ninguém sabe como resolver politicamente essa confusão. E é por isso que eu já passo a primeira pergunta para o Mansueto, porque ele entende bem disso, e eu pergunto: qual é o tamanho dessa encrenca Mansueto, por que estamos atravessando?
Mansueto Almeida - Bom, vamos lá. O tamanho da encrenca fiscal do Brasil, rapidinho, é uma encrenca de 400 bilhões de reais. A gente vai ter que fazer nos próximos quatro, cinco anos, para ter superávit lá em 2026, um ajuste fiscal na casa de 400 bilhões de reais, e os cinco pontos do PIB, mais ou menos cinco pontos do PIB, cinco pontos percentuais do PIB, que a gente tem que fazer em cinco anos para chegar a uma economia, que a gente chama o “resultado primário”, lá em 2026, que vai pelo menos estabilizar a dívida do Brasil, a dívida pública, bruta e a dívida líquida. Agora, esse é o nosso problema mais de médio prazo. Repetindo, a gente vai ter que fazer em cinco anos um ajuste fiscal que estava programado para ocorrer em dez anos. Se a gente não fizer esse ajuste fiscal, a dívida vai continuar crescendo, crescendo, crescendo e os juros podem subir. No mais curto prazo, que é esse ano, qual é o problema? A gente aprovou em 2016 uma regra que se chama “teto de gastos”, que basicamente fala que a despesa do governo só pode crescer de acordo com a inflação, e a inflação, que corrige o teto de gastos, a inflação acumulada até junho porque o orçamento, ele é construído em julho e agosto, a inflação no ano passado até junho foi dois por cento, que significa que o espaço para o crescimento da despesa esse ano é apenas de 30 bilhões de reais. Não acomoda todo o crescimento da despesa obrigatória, e a demanda dos parlamentares por investimentos, por dinheiro para executar investimento, enfim, nas suas regiões, e a gente tem um problema. Qual é o problema? Para fazer com que toda a demanda por emendas parlamentares e o crescimento da despesa obrigatória, previdência, despesa com pessoal, abono salarial, tudo isso, fique dentro do teto, que é apenas de 30 bilhões de reais o crescimento desse ano, o que foi que o congresso fez? O congresso não cortou Mônica, o congresso subestimou as despesas obrigatórias, e despesa obrigatória o nome já diz: em algum momento no ano, o governo terá que necessariamente pagar. Então o orçamento que foi aprovado tem o seguinte problema: se ele for executado da forma que saiu do congresso, com emendas parlamentares num valor muito acima do que o orçamento comporta, o governo vai ter que cortar o orçamento que não é obrigatório de vários ministérios e isso é impossível, porque o corte tem que ser muito grande, a gente está falando aí de um corte entre 30, 40 bilhões de reais, e a despesa discricionária, o que não é obrigatório, iria para a casa de 50, 60 bi, é muito pouco para o governo funcionar. E se o governo cortar as emendas parlamentares, o governo causa um problema político. Por quê? Porque o congresso está falando o seguinte: olha, essas emendas que a gente colocou no orçamento, essas emendas foram prometidas a nós… um tom meio termo, essa conversa, esse diálogo político terá que acontecer; o orçamento é, por definição, uma peça política, é onde está, é onde aparecem os desejos da sociedade e onde se tenta chegar ao meio termo dos desejos da sociedade, de como vai gastar tudo aquilo que é arrecadado no país ao longo de um ano. Se deu problema, se a demanda é muito maior do que a quantidade de recurso disponível, tem que sentar na mesa, tem que mostrar os prós e contras e resolver. A gente chegou nesse ponto por uma falta de comunicação, possivelmente um problema de comunicação entre o congresso e o governo. Isso tem que ser corrigido, como você falou, urgentemente, porque caso contrário, a gente tem um orçamento que não é passível de execução. Então esse é um problema grave, mas a gente precisa resolver e os dois lados vão ter que abrir um pouco, enfim.
Mônica Waldvogel - O ponto não se perdeu na execução desse orçamento, algo que vinha já sendo tentado aos trancos e barrancos, que é uma influência da sociedade, dos grupos de interesses da sociedade, e na alocação dos recursos. Aparentemente, a cidade não teve participação nenhuma nesse orçamento, apenas os parlamentares e os ministérios que querem gastar no ano eleitoral. Você concorda com isso?
Flávia Oliveira - Concordo Mônica! Boa noite, boa noite a todos, Mansueto, PB, Elena querida, bom estar com você. Boa noite a todos que nos assistem. Acho perfeita, Mônica, essa sua abordagem inicial, inclusive muito encadeada com o que Mansueto vinha falando em relação ao orçamento ser uma peça política, e que em tese, né, atenderia às prioridades da sociedade. Me parece que é até, é tão novo, esse desejo que nunca é realizado, que até esse debate que a gente está tendo hoje aqui na Brazil Conference é incomum, né; eu, uma jornalista e ativista ligada à economia, a indicadores sociais, participando como debatedora de um painel sobre reforma fiscal e sobre a questão orçamentária. Isso não está posto na sociedade brasileira de modo algum, o orçamento e esse debate fiscal, ele é quase um monopólio dos economistas dedicados à área fiscal, é até entre os economistas, né, no conjunto de economistas esse debate é muito interditado, e ele parece que atende, sobretudo, a planilhas estanques né, à necessidade de fechar cálculos e interesses de grupos específicos que têm mais condições de fazer valer seus pleitos, do que efetivamente atender o conjunto da sociedade. E aí é preciso falar, por exemplo, no orçamento deste ano, o dinheiro, os recursos previstos para o censo, que é uma pesquisa da maior relevância para a sociedade brasileira, parte de tudo né, inclusive na distribuição das receitas orçamentárias, dos fundos de participações, ela foi completamente eliminada em benefício, por exemplo, de um orçamento maior para o ministério da defesa. É, acho que é um exemplo importante do que envolve, do que tem predominado no debate orçamentário brasileiro. O governo atual, o governo Bolsonaro, tem como característica a interdição do debate com a sociedade civil e isso não é... que eu tiro do nada, a gente percebeu ao longo desses quase dois anos e meio uma, por exemplo, diminuição, ou desidratação dos conselhos da representação da sociedade civil, nos canais de diálogo com o governo, aconteceu no meio ambiente, aconteceu na educação, aconteceu na saúde, vêm acontecendo, né, alguns pactos que pareciam muito consolidados na sociedade brasileira, eles desapareceram, até a lista tríplice para procurador-geral da República, ou para reitores de universidades. Então a gente tem uma dificuldade muito grande de apresentar, ou impor em alguma medida, ou a garantir o orçamento, nacos, parcelas de agendas que são absolutamente imprescindíveis para a sociedade brasileira, e eu vou citar a saúde não só porque a gente está atravessando uma pandemia, mas porque desde 2014 pelo menos, eu andei pesquisando as pesquisas, os levantamentos né, as consultas pré-eleitorais, e a saúde está no topo das prioridades brasileiras. Eu sei que a gente precisa também qualificar a qualidade desse gasto, a destinação, a eficiência desse gasto. Mas é também preciso levar em conta que muito, muitas parcelas da sociedade brasileira, da sociedade civil brasileira não têm conseguido se apresentar no debate orçamentário. E isso acontece no nível federal, mas também nas outras dimensões da federação. Como Estados gastam seus recursos, como prefeituras gastam seus recursos, há pouca interação e possibilidade de participação. E aí eu vou terminar essa primeira participação na nossa conversa perguntando então: quem esse orçamento efetivamente representa e a quem ele atende. Me parece que é um orçamento que, em que pesem as questões técnicas que Mansueto tão bem nos explicou em relação aos desequilíbrios, ele também não está alinhado com o interesse mais urgente da sociedade brasileira, que são os gastos sociais em políticas sociais, saúde, educação, assistência social.
Mônica Waldvogel - O que nos leva, Flávia, eu acho que a discussão sobre um, uma espécie de sonho, da política…
Flávia Oliveira - Uma utopia!
Mônica Waldvogel -...uma utopia de que, de fato, fosse possível a gente ter um orçamento desindexado, desvinculado, descentralizado, de base zero, em que todos os anos, grandes economistas defenderam isso, acho que inclusive o PB, fossem sendo alocados os recursos conforme as necessidades, os planos e os projetos, mas o que a gente tem visto, na verdade, é uma economia política em que a captura é muito mais veloz e eficiente do que a participação, nesse debate, da sociedade no orçamento. Então PB, teremos algum dia a possibilidade de, ou recomeçar a forma de fazer o orçamento, e tem uma maneira mais democrática? Ou não, ou é melhor garantir com mais inflação ainda para que essa captura não desvie verbas importantes da sociedade?
Ricardo Paes de Barros - Mônica, boa noite a todos, é um prazer estar aqui com meu grande amigo Mansueto, colega do IPEA, com a Flávia e com a Elena. Eu acho que o grande problema nosso é que a gente coloca, parece ser um problema faltar dinheiro né, então já conversei mil vezes com isso com a Elena, o grande problema de uma sociedade é quando faltam ideias. Quer dizer, é legal numa sociedade faltar dinheiro, quero dizer, imagina uma sociedade ricas em ideias, ricas em projetos, com retornos fantásticos. Essa sociedade vai faltar dinheiro porque não vai ter tanto dinheiro para fazer todos os investimentos que a gente tem que fazer, e aí o que vai acontecer? O mundo inteiro vai querer investir no Brasil porque o Brasil tem grandes oportunidades de investimento. O grande problema nosso é que a gente está gastando muito sem ter nenhum projeto é sem estar gastando isso bem, e a área social é o maior exemplo disso, onde a gente gasta um trilhão e meio ou mais na área social e a gente não tem um claro projeto de como esse um trilhão e meio na verdade vai reduzir a desigualdade no Brasil, vai combater a pobreza no Brasil. A gente está, às vezes, fazendo uma política social cega, ou seja, a política social ela é parecida com a o atendimento a um paciente, né. Se você não souber quem está doente você não consegue fazer saúde, se você não souber quem é pobre, você não consegue fazer política social. Se você não souber o que que o pobre precisa, você não consegue fazer política ou social, da mesma maneira que cada paciente precisa de um atendimento diferenciado. Então a política social é necessariamente customizada; eu preciso ser capaz de conhecer os meus pobres, eu preciso ser capaz de saber qual é a necessidade de cada um dos meus pobres e eu preciso ter a capacidade de entrar em contato com ele e, portanto, dar o atendimento que ele precisa. É igualzinho à saúde né, um médico precisa conhecer quem são os pacientes, precisa atender o paciente para saber qual é o problema dele e aí ele vai desenhar uma solução específica para ele, e aí vai, ele tem que ser capaz de entregar essa, esse atendimento. Então é a mesma coisa na política social, então, se o Brasil tiver uma política social que custa caro, mas que vai resolver o problema da pobreza e o problema da desigualdade, faz todo sentido do mundo o Brasil pegar emprestado para fazer esse grande investimento na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades. Para isso você precisa de um projeto que demonstre que ele é eficaz em fazer essas coisas, agora, com um gasto público indexado em coisas que a gente não tem a mais vaga ideia, cegamente indexado em coisas que não tem a mais vaga ideia, se vão funcionar ou não vão funcionar, eu estou basicamente gastando uma fortuna cegamente, e fazer política social cega, né, como a Flávia colocou, e eu concordo totalmente, não existe política social sem apoio, quem faz política social no final do dia é o município, é a sociedade civil, é a sociedade civil junto com os municípios que têm a capacidade, a capilaridade de exatamente saber quem são aqueles que mais precisam e o quê que os mais precisam, precisam. Nisso eu tenho que fazer uma política social com os olhos da sociedade civil e dos governos locais, obviamente com o orçamento, muitas vezes, federal, com inteligência e desenho de programas, muitas vezes federal. Então a política precisa deixar de ser uma política cega, ser uma política desindexada, e com base local, e com uma interação e escutando com profundidade e com seriedade a sociedade civil.
Mônica Waldvogel - Eu passo então a bola para a Elena, porque com sua vasta experiência em economia política né, em governo, está do outro lado, e a análise do momento por que passamos aqui no Brasil, esse debate, ele existe algum lugar? Você enxerga esse debate sobre essa conciliação, digamos, entre a necessidade fiscal, que o Mansueto descreveu tão bem, e a necessidade social das políticas mais efetivas, isso está acontecendo em algum lugar?
Elena Landau - Bom, boa noite todo mundo aí, um prazer estar com meus amigos Mansueto, Ricardo Paes de Barros, do conselho do Livres, as minhas queridas amigas, Flávia e Mônica, jornalistas de primeira. Olha Mônica, você fez uma pergunta assim, superdifícil eu vou voltar um pouco no que os meus companheiros falaram. Primeiro, acho que a primeira coisa, está faltando adulto na sala né, a coisa que o Mansueto falou. Então assim, acho que o Ricardo PB, o Mansueto também teve e eu também tive, o privilégio de trabalhar em governos, em ocasiões onde você tinha liderança, onde você tinha projeto, onde você conseguia definir o rumo. O Brasil está completamente sem rumo, ele não está desancorado só na política fiscal, ele está desancorado de forma geral. Então o PB falou, “Qual é o projeto? Nós estamos voando voo cego”, e é a primeira vez que eu estou numa mesa com o Mansueto em que ele está pessimista, então eu vou começar a me preocupar. Porque em geral era assim, meus queridos amigos secretários do tesouro, Ana Paula num lado mais pessimista, que criou esse termo do desancorado, e o Mansueto um pouco mais otimista. Então você mostra aqui a gravidade da questão fiscal porque falta adulto na sala. Acho que não é só uma questão de comunicação, é uma questão de ter uma organização, responsabilidade do ministério da economia, o Paulo Guedes resolveu juntar ao ministério do planejamento de economia junto, ele deveria ter no planejamento um projeto de país, e não adianta você chegar no meio do caminho e dizer “Olha, não sei quem fez a regra orçamentária, não a culpa não é minha” e você cria o espaço, obviamente, para o lado político. O que eu acho muito grave é que a gente sempre tinha um diagnóstico de que, olha, essa é a Constituição de 88, nós aumentamos impostos, o endividamento, para incluir gastos sociais, né. Esse é o discurso do nosso amigo Samuel Pessoa né, que discute a necessidade de um novo contrato social, mas se a gente olhar não é só a socialdemocracia que ampliou gastos ou impostos, o que aumentou tudo isso também foi uma inclusão de interesses corporativos na própria constituição, e agora a gente está vendo, exatamente pela falta de liderança, os parlamentares criando os seus gastos numas regras fiscais, que eu acho que por mais que eu ouça o Mansueto falar, é impossível de entender. O cidadão comum não vai conseguir entender uma regra fiscal. Teve um debate ano passado, se deveria gastar mais ou menos na pandemia, porque a pandemia necessita gastos, e assim, não se passou seriamente a discussão, do tipo, em que as regras fiscais impediram a injeção de liquidez. As regras fiscais impediram o dinheiro para a pandemia? Vamos separar exatamente o que a regra fiscal busca, uma estabilidade em termos de normalidade. Ela tem espaço para gastos em tempos de anormalidade. E aí você junta com que o PB falou, que é uma questão de eu gosto muito quando o PB fala “o Brasil tem mania de ficar inventando, vamos copiar o que deu certo”. Vamos copiar o que deu certo, então.
Mônica Waldvogel - Aqui mesmo, né!
Elena Landau - É, aqui mesmo!
Flávia Oliveira - Inclusive aqui!
Elena Landau - Aqui, olha a gente esteve num debate juntos pelo Livres, que ele, o grande André Portela, outro especialista na área social, e começaram a discutir a discussão do auxílio, renda básica, etc. De lá a gente começou a pensar e o Mansueto, passou (inaudível) a gente queria Fernando Velloso, Marcos Mendes e o Vinícius Botelho e acabou…
Mônica Waldvogel - Bom, desculpem a interrupção, houve um problema aqui de internet, mas a gente está voltando, justamente quando caiu a transmissão, eu ia perguntar para o Mansueto sobre aquele tamanho, gigantesco, astronômico na verdade, para nossa realidade, de ajuste fiscal que diz que o Brasil tem de fazer nos próximos anos. Então, volto para você mansueto, perguntando como e onde cabe esse ajuste.
Mansueto Almeida - Vamos lá. Então, repetindo o número, esse ano o buraco fiscal programado para o Brasil, receita menos despesas, sem incluir o pagamento de juros, é um buraco de 247 bilhões de reais, que é três por cento do PIB. A gente tem que transformar esse buraco de 247 bilhões em um superávit, um número positivo de, mais ou menos, a mesma magnitude ou um pouco menos, ou seja, o número positivo de 200 a 250 bilhões de reais. Por isso que o ajuste, a depender da conta que se faz, já é na verdade maior do que 400 bilhões, é algo aí entre 440 a 500 bilhões de reais. Como fazer isso? Antes, em 2016 foi aprovada essa regra que é o teto de gastos, que era fazer esse ajuste muito gradualmente. À medida que a economia fosse crescendo, naturalmente a despesa, e a despesa só sendo corrigida apenas pela inflação, a despesa sobre o tamanho da economia, sobre o que produz a economia ao longo do ano, que a gente chama PIB, a despesa sobre PIB ia gradualmente caindo e num período de dez anos se fazia esse ajuste fiscal. Agora eu tenho uma má notícia: mesmo seguindo essa regra, mesmo cumprindo o teto de gasto até 2026, quando o teto completa 10 anos, essa regra não será suficiente para entregar o ajuste fiscal que o país precisa fazer, o que significa que a gente vai precisar olhar para o lado da arrecadação. Olhar para o lado da arrecadação, é para todo mundo se assustar mesmo, porque no Brasil a gente tem uma carga tributária alta para o nosso nível de renda, se o Brasil fosse Alemanha, a nossa carga tributária não era problema; o Brasil não é a Alemanha, o Brasil é um país de renda média, e para um país de renda média/alta, a nossa Carga Tributária é muito elevada. E aí tem um problema, quando eu falo que a gente vai precisar da contribuição, da arrecadação, parte da arrecadação a gente vai recuperar quando voltar a crescer, que no ano passado, quando a economia teve uma queda de quatro por cento, o Brasil perdeu 80 bilhões de reais de arrecadação. A gente vai precisar recuperar isso, mas vai precisar recuperar o que perdeu no ano passado e pelo menos mais 80, 100 bilhões de reais. Como é que a gente consegue mais 80, 100 milhões de reais, além de recuperar o que a gente perdeu no ano passado? Por exemplo, Mônica, mexendo no que a gente chama de benefícios tributários. O Brasil criou uma série de regimes especiais de tributação que favorece as pessoas de classe alta e de classe média, e a gente vai ter que mexer nisso. Vou dar um exemplo, tem diversos exemplos, e a forma da gente mudar isso é as pessoas no governo explicarem para a sociedade essas anomalias para se criar o consenso político para mudança. Vou dar um exemplo: no Brasil, quando você completa 65 anos de idade e você é aposentado, a sua faixa de isenção de imposto de renda automaticamente dobra. Por quê? Eu tenho uma pessoa que é aposentada que ganha dois mil reais por mês, e tem uma pessoa que é aposentada que ganha quarenta mil reais por mês, porque a faixa de isenção de imposto de renda, ao completar 65 anos de idade, se você tem renda de pensão ou aposentadoria, dobra; o governo deixa de arrecadar, com isso, 10 bilhões de reais por ano. Faz sentido? Nenhum. Outro exemplo de outra anomalia: no Brasil a gente tem um sistema único de saúde que é universal, está aberto para todo mundo, todo mundo tem direito, é integral, cobre qualquer tipo de procedimento e gratuito. No país que tem um sistema único de saúde, integral e gratuito, por que alguém que tem plano de saúde privado pode descontar integralmente seu gasto privado com saúde da sua renda tributável? O Brasil perde 20 bilhões de reais de arrecadação com essa possibilidade de pessoas de classe média e renda alta descontarem integralmente o gasto com saúde privado da sua renda tributável. Isso faz sentido num país que tem sistema universal de saúde? Eu acho que não, é esse tipo de discussão, se a gente não quiser aumentar a carga tributária, que é um risco, é esse tipo de discussão que a gente vai ter que de fato olhar. A gente vai ter que abrir todos esses regimes especiais de tributação e colocar e rever esses benefícios. Porque a gente tem que fazer o ajuste fiscal e num país, a gente tá num país que é muito desigual, e é natural que a sociedade exija do governo políticas mais distributivas, mas política mais distributiva a gente tem que fazer, tem que olhar dos dois lados, a gente tem que melhorar a arrecadação justamente, enfim, mudando o mix de arrecadação, a gente vai precisar ganhar arrecadação, como eu falei, só cumprir o teto de gasto não vai mais fazer o ajuste fiscal que a gente precisa em 5 anos, e a gente tem que mudar a composição do gasto. Como o PB falou, o Brasil gasta muito Mônica, se a gente comparar o que a gente gasta com educação pública, saúde pública, previdência e assistência social, a gente está falando dum país que gasta mais ou menos 25% do PIB. Isso é típico de um país rico. O problema é que o efeito distributivo deste gasto social é muito pequeno. É basicamente a metade, ou menos da metade, do que um país da Europa. Então o nosso grande desafio, se a gente está preocupada com ajuste fiscal e conciliar isso com políticas mais distributivas, a gente tem um desafio aí também de mudar a composição do gasto, sem aumentar o gasto, porque novamente, para fazer esse ajuste de R$ 400 bi, R$ 500 bilhões, que o Brasil terá que fazer, a gente vai ter que controlar o crescimento da despesa e respeitar o teto de gasto, e simultaneamente a gente vai precisar voltar a arrecadar, pelo menos pelo menos, aí perto de R$ 200 bilhões. No ano passado a gente perdeu com a crise R$ 80 bilhões, mas a gente precisa recuperar arrecadação além do que perdeu no ano passado. Basicamente esse é o desafio. Aí se você me perguntar “e qual é o certo e o errado?”. Não existe certo e errado em ajuste fiscal, isso é debate político; ajuste fiscal é por natureza um debate político. Agora a gente tem os estudos do PB, e de vários outros economistas que nos indicam o caminho. E a gente sabe claramente que aumentar simplesmente o gasto, dado que a gente tem tanta ineficiência, não é o caminho correto. E por fim, só uma observação: o teto de gasto, que essa regra que fala, o gasto só pode crescer de acordo com a inflação até 2026, ele não impede a gente de gastar mais com saúde no caso de uma pandemia. Porque a pandemia foi algo que era imprevisível, como foi o ano passado e esse também, ninguém esperava que enfim, em abril estivessem morrendo entre 3.000, 4.000 pessoas por dia, ninguém esperava isso três quatro meses atrás, ninguém esperava, enfim, essa segunda onda e uma cepa tão agressiva como essa de Manaus. Mas dado isso, se o governo precisar aumentar o gasto com saúde esse ano em 10, 20, 30, 40 bilhões, ele pode fazer isso, ele pode abrir o que a gente chama crédito extraordinário e gastar mais com saúde. O que o teto não permite é você, por exemplo, começar um investimento para construir uma ponte no interior no Nordeste, ou um submarino nuclear ou outro projeto de investimento que não tem absolutamente nada a ver com COVID, que não tem nada a ver com pandemia, que é algo que você pode planejar e a execução disso leva vários anos, então a gente tem que deixar isso muito claro. Mas basicamente, esse é o desafio, a gente vai ter que olhar para as despesas e receita, e se a gente não quiser aumentar a carga tributária, que é um risco, a gente vai ter que mexer no que a gente chama regimes especiais de tributação, esses benefícios tributários que são diversos e a sociedade muitas vezes nem conhece, nem sabe que existe.
Mônica Waldvogel - PB, o Mansueto mencionou aí a sua especialidade né, sua pesquisa justamente aí, nessa disputa, e no conflito distributivo e na distorção, no resultado pífio que a gente tem em termos de combate à pobreza e de melhoria do bem-estar da população, então eu te pergunto: onde, onde você acha que, digamos, políticas de reforma fiscal, nós estamos falando aqui na coluna da receita, devem atuar? Por onde começar, na sua opinião?
Ricardo Paes de Barros - Mônica, eu acho que, como já foi falado antes aqui, o Mansueto chamou muita atenção, o problema do Brasil não é gastar né, se eu sou, se você pegar os vinte por cento mais pobres do Brasil né, o cara trabalha o ano todo e a renda dos vinte por cento mais pobres, para pegar seus 50 milhões de brasileiros mais pobres, a renda total deles é um décimo do gasto social Brasileiro, né. Então, os dez ou vinte por cento mais pobres do Brasil, eles olham para a renda deles e falam “cara, eu não vou conseguir garantir os direitos sociais da minha família porque eu sou pobre, mas eu vivo no Brasil cara, Brasil gasta dez vezes o que eu ganho com a política social. Bom, então o problema do Brasil, na verdade, não é gasto social, o problema do Brasil não é arrecadação, o problema do Brasil é, como a Elena colocou, é projeto. Quer dizer, eu até acharia legal, eu acho legal ter escassez de recursos. Eu tenho muito projeto e relativamente pouco recurso, isso quer dizer que eu tenho muito projeto, né. Então eu acho que o grande problema brasileiro e o teto de gastos, só para ser um pouco controverso aqui, o teto de gasto, é uma forma de indexação também, né, é uma maneira de ficar se protegendo, de um jeito ou de outro, de gastar mal, está certo, o que eu preciso não é ter teto de gastos, ou, eu queria não ter teto de gastos, eu queria não ter indexação, o que eu queria ter, como a Elena colocou, é projeto. Eu preciso ter o projeto de como eu vou usar esses recursos para melhorar a vida das pessoas. E, um governo que não está em contato com a população pobre, ele nunca irá conseguir construir uma política social decente. Qualquer política social, ela precisa ser, ter muita capilaridade, ser muito descentralizada, precisa você estar em contato com quem é pobre, saber quem é pobre, o que que o pobre precisa e ter um canal de comunicação com o pobre de tal maneira que se consiga levar o que ele precisa até ele. Se a gente tiver isso, com os recursos que a gente tem, até com menos do que a gente tem, a gente será capaz de resolver o nosso problema. Agora, o que que a política fiscal, se eu puder dar um palpite aqui nas coisas do Mansueto, mais do que qualquer coisa a gente precisa descomplicar a nossa política fiscal, porque se a gente não descomplicar a nossa política fiscal, ela é desnecessariamente e absurdamente complexa, a nossa economia não vai crescer, e se a nossa economia não crescer, nós não vamos resolver nenhum problema de desigualdade, nenhum problema de pobreza. Então nós temos que, além, acima de tudo, simplificar a nossa questão tributária. E a segunda coisa que o Mansueto colocou com muita clareza, é a equidade horizontal, o problema do Brasil não é de que o rico paga pouco e o pobre paga muito; é que pessoas com a mesma renda pagam quantidades completamente diferentes, dependendo da onde vem a renda dele, isso é a falta de equidade horizontal. A gente tem que dizer o seguinte: “você tem renda, você vai pagar a mesma taxa independentemente da origem dessa tua renda”. E aí, terceiro lugar, depois que você resolver a complexidade fiscal, depois que você resolveu o problema da equidade horizontal, pessoas com a mesma renda pagam o mesmo imposto né, isso como o Mansueto falou dos aposentados, que eu até me benefício desse, é, dispositivo.
Mônica Waldvogel - Privilégio.
Ricardo Paes de Barros - … é um absurdo completo. Então, eu acho que depois que a gente resolver o problema da complexidade, a gente vai ter crescimento, na hora que a gente acabar com a inequidade horizontal, a gente vai ter uma sociedade razoavelmente justa. Aí ele vai poder tratar da questão da desigualdade vertical, que é fazer com que o rico pague um pouquinho mais de imposto e o pobre pague um pouquinho menos de imposto, e a gente tem que ter um cuidado importantíssimo né, eu acho que tanto a Elena, quanto a Flávia, quanto o Mansueto já colocaram isso em vários momentos, que é a desigualdade intergeracional, quer dizer, a gente gasta muito com a população idosa e gasta extremamente, a gente tem um Marco Legal da Primeira Infância, que é uma maravilha, que diz que as crianças brasileiras terão acesso a tudo, a gente tem um artigo na Constituição, 217 eu acho, que diz que a prioridade é para as crianças, mas o gasto social público brasileiro não vai para as crianças, e vai para a população mais idosa. Então, vamos combinar, está faltando um projeto, está faltando liderança como Elena colocou né. Isso é o fundamental, o resto a gente resolve de um jeito ou de outro, pegando emprestado aqui, agora sem projeto não adianta, a gente vai continuar gastando e tendo nenhum retorno.
Mônica Waldvogel - O que me faz pensar, PB, em como a gente desgastou o termo reforma né, nós estamos em reforma o tempo todo, precisa de reforma, reforma, reforma, reforma, parece que, e no final, as reformas não conseguem, de fato, ir nesse ajuste moral e social que a gente precisa né, estamos sempre pensando em como melhorar essas colunas de despesa e de receita, mas elas não consertam horizontalmente nosso problema, muito menos verticalmente. Elena, eu sempre vi você falar em ajustes pela coluna da receita né, você acha também que há uma injustiça tributária muito grande e que tem que começar por aqui, né.
Elena Landau - Não, certamente, é isso que o Mansueto, esses exemplos, essas anedotas diárias que a gente tem de iniquidade e de injustiça, eu posso dar um exemplo simples, teve uma época que eu tinha vergonha de ter desconto de imposto de renda nos créditos de saúde, exatamente por isso que o Mansueto falou, eu vou parar de declarar - caí na malha fina porque eu não declarei, entendeu? Eu não queria, exatamente, ter desconto no imposto de renda, aí acharam que eu estava burlando né, protegendo algum médico meu. Então eu sou obrigada né, pelo meu imposto de renda, no cruzamento das notas, a fazer isso mesmo que eu não queira. Então você tem assim inúmeros exemplos, o PB falou um, mas a gente tem né, questões de “pejotização”, dividendos, nós temos questões de isenção tributária, a gente tem a famosa Zona Franca de Manaus, ninguém quer mexer nisso né, porque isso é um vespeiro, que se você puxa de um lado você cria os grupos de interesse, na realidade o ideal era que a gente conseguisse fazer uma reforma tributária que simplificasse tudo de uma vez, para que a gente não tivesse exatamente essa discussão aqui ou ali de cada grupo de interessa poderoso, porque a população beneficiada por uma equidade horizontal, como chamou o PB, essa não tem voz, essa não tem voz né, então ela fica de lado. Mas essa lista é grande, o Armínio sempre faz essa lista né, de quanto dois por cento de isenção do PIB, mudanças no imposto de renda, questões desse tipo. O meu medo assim é que a gente acabe, por exemplo, a gente desperdiçou a reforma tributária, mas de novo, falta de liderança, falta de projeto. Acho que nunca tivemos no Brasil um ambiente tão propício a uma reforma tributária quanto nós temos desde 2019. Ela está empacada por uma obsessão com o pior imposto do mundo, que é a CPMF, enquanto isso você não lida com as questões de regressividade e simplificação do imposto de renda. E aí dá uma impaciência nas pessoas, que começam a discutir o um por cento mais rico, imposto de grandes fortunas, que vem por cima. Talvez seja simbolicamente importante, eu não sei, mas não arrecada enquanto não resolve o problema da regressividade do imposto de renda. Então assim, a gente fica chovendo no molhado, a gente fica andando, mas no fundo você tem exatamente isso que, qual é o projeto né, a gente fala demais em reforma, mas acaba fazendo as coisas de forma conjuntural, até as PECs estão virando uma coisa quase que normal, entendeu? Essa PEC que acabou aqui de ser aprovada. Eu já desisti viu PB, de entender regra fiscal. Eu espero, estou sempre pedindo para o Mansueto me dizer “ah, não vai cortar emenda do relator”, aí eu mando um projeto com PLN, que aí supõe no fundo o seguinte: que que está acontecendo com a questão fiscal no Brasil? Nós estamos entrando numa área de muita fragilidade e ponto final, né. Se o teto está sendo respeitado ou não está sendo respeitado, é um pouco de você abrir a porteira, é um pouco de você mexer com expectativas, é aumentar a taxa de juros, é a curva de juros futuro, mas vocês já claramente, não tem como segurar essa quantidade, nem o Supremo Tribunal Federal respeita as regras fiscais. Onde começa?
Mônica Waldvogel - Reinterpreta o tempo todo, né.
Elena Landau - É, onde começou o desrespeito da lei de responsabilidade fiscal? Assim, acaba que você tem uma PEC, que foi elogiada como a melhor reforma fiscal dos últimos 22 anos, e de repente você dá conta que pelo contrário, a gente caiu num mundo de desancoramento total. Assim, de novo, não quero ficar insistindo, acho que tem que, é um excesso de reformas, mas reformas que não são levadas até o fim. E tem também um problema de comunicação. Você lembra que quando começou a reforma da Previdência lá no governo Temer, Mansueto fazia parte importante daquele movimento, a reforma começou a ganhar momentum quando você discutia os benefícios sociais da reforma da previdência né, igualdade, não a questão puramente fiscal ou punitiva e tal, aí olha sociedade, o estado distribui de forma muito desigual os recursos públicos que arrecada, essa é outra questão que tem que ficar clara, o estado é um perpetuador de desigualdade na distribuição dos recursos, então quando isso ficou claro, o apoio à reforma da previdência começou a avançar. Você tem um governo que hoje em dia que tudo é “não, eu vou botar a granada no bolso do funcionalismo, eu vou isso”, você tem que explicar a importância da reforma administrativa. Por que que você precisa da reforma administrativa? A melhoria da gestão dos serviços públicos, aumentar espaço para os gastos, se forem necessários, gastos sociais mesmo, ou para investimento público, está chegando no limite quase impossível de sustentar, então falta essa comunicação grande, essa habilidade política que a gente está, não cansa de pedir. De novo insistindo, PB trabalhou num governo que tinha uma capacidade de comunicação muito forte, Mansueto, em vários deles, e eu trabalhei em um que tinha uma clareza de projeto, então se você fica com reforma de mais, você fica banalizando até PEC né, tudo é PEC. Então assim, aí você não faz nada, de repente vai vir um arremedo aqui e ali para dizer que está fazendo alguma coisa.
Mônica Waldvogel - Eu me lembro, um dia a Flávia, não sei se estava no programa, mas no programa Em Pauta mesmo, a gente discutindo sobre a PEC, do auxílio emergencial e tudo mais, aí o Guga Chacra, que mora lá em Nova York, perguntou “Mônica você podia esclarecer para mim, eu não estou entendendo. Porque para pagar o auxílio emergencial tem que reformar a Constituição?”. De fato, é um país tão louco que você tem que mudar a constituição para pagar o auxílio de uma emergência. Mas eu queria voltar um pouquinho só naquilo que o PB falou sobre conhecer os pobres e o que a Flávia disse sobre, também, os orçamentos dos entes subnacionais, o estado, o município, que no final das contas executam essas políticas, a escola, a moradia, assistência social e te perguntar, Flávia, você mesma se definiu como uma ativista né, se você consegue detectar onde acontece essa grande falha, quer dizer, como é que, por que que a autoridade, seja ela de qualquer uma das três instâncias, desconhece o que acontece lá na periferia, lá entre os mais pobres, as profundas necessidades que eles têm. E se eles mesmos conhecem esse direito, os direitos que podem reivindicar.
Flávia Oliveira - Olha, acho que têm problemas aí até do nosso próprio território Mônica, de mídia, que olha muito o governo central. A gente, o governo central, ele é sobrerepresentada em todos os debates. No debate econômico, no debate sobre política social, no debate sobre investimentos, sobre infraestrutura, então tudo se olha para Brasília, a gente olha demais para Brasília e acho que a população também tem muito fortemente, muito consolidada essa percepção de que há um ente né, uma entidade lá em Brasília que toma decisões, e que todo mundo fica melhor ou pior. Acho que esse é um ponto importante da sociedade brasileira, de pouca vinculação com relação, com as atribuições e, obviamente, participação social e cobrança. Não tem uma pedagogia, que me parece que nos falta, e hoje gente vê, por exemplo, alguns exemplos na Amazônia né, diante da tragédia que se vive, nós temos visto ações e diálogos e tentativas de construções de pontes, seja das sociedades civis locais, seja até de órgãos, agentes, entidades, fundações internacionais, dialogando com municípios, grandes municípios por exemplo do Amazonas, do Pará, ou com os próprios governos estaduais com alguns resultados. Então é, e acho que particularmente nesse governo é absolutamente necessário construir esses atalhos, essas vias de diálogo direto com os entes subnacionais. Agora, de fato, quando a gente olha o debate, por exemplo, sobre reforma tributária, a gente vê que tem uma pata grande né, do governo federal e é difícil fazer, por exemplo, essa reforma, esse redesenho sem uma clareza né, e o peso político de um governo federal. Então, também não dá para abrir mão, da existência desse grande ente, minha cadeira se mexeu, desse grande, dessa grande entidade que é o governo de, enfim, o Palácio do Planalto e o governo federal e tudo que ele representa. Eu queria muito concordar com alguns, com todos né, os debatedores, em relação a esse debate sobre a ausência de projeto, mas eu queria adicionar um outro, um outro, digamos um outro ponto de vista, um outro elemento nesse debate que é, de modo geral, o debate fiscal e orçamentário. Ele está muito, vou repetir de novo, orientado nesse encontro de despesas e receitas, então está certo se você não gastar ou se você gastar no limite do permitido, mas nada acontece com quem gasta mal. Então me parece que falta independentemente de todo o debate tributário que eu acho que é absolutamente valioso, os grupos privilegiados que se fazem representar, a gente tem um debate, acho que a Elena falou né, do um por cento, do imposto sobre grandes fortunas, ou da contribuição que um grupo mais rico da população poderia dar, mas a gente estava debatendo na semana passada não isso, mas a vacina privada com direito a abater no imposto de renda, isso estava no projeto original. Então também, o debate, ele é pouco generoso para o país em que ele está inserido, um país de renda média, e eu acho que o PB vai, há de concordar né, é um país de renda média com muitos pobres, com muita necessidade, e nesse momento mais necessidade ainda em razão da pandemia. Então a gente tem alguns debates fiscais que são mesquinhos, por exemplo esse da vacina, por exemplo do censo, é impossível saber quem são os pobres, onde eles estão, do que eles precisam, qual é a necessidade, sem você ter um diagnóstico confiável da sociedade brasileira. Mas me parece que a gente precisava avançar, e aí essa é a ideia ou a provocação que eu queria lançar, num compromisso com metas sociais, que me parece que está absolutamente relacionado à eficiência. Então pudemos, no ano passado, gastar 293 bilhões de reais com o auxílio emergencial, que é um programa ruim, mal desenhado, ele foi mal desenhado, ele foi mal aplicado, ele foi mal distribuído, ele foi péssimo. E ainda por cima o TCU - Tribunal de Contas da união desconfia num relatório, apresentou um relatório de que 54 bilhões, dos 293 bilhões gastos, foram destinados a pagamentos irregulares, a gente que não precisava ter recebido, e ninguém é punido por isso. Então você está falando de um quinto de um programa social que teria sido a panaceia, a salvação da lavoura e não foi. E no ano de 2021, esse que nós estamos, nós temos 44 bilhões de reais para transformar em auxílio emergencial, que é menos do que o TCU apontou como pagamento irregular no ano passado. Não acontece nada com isso, a conta fechou, a conta fechou, está tudo direitinho. Mas foi um governo que foi capaz de pagar por cinco meses R$ 600, PB está aí, me diga se eu estou errada, porque na minha cabeça não entra, cinco meses de R$ 600, três meses de R$ 300, três meses nada, e agora quatro meses de R$ 250. Uma mãe com um, uma mãe sem marido, com um filho ganhou 1200, 600 e agora 375, mas a mesma, uma mãe se tiver três filhos ganhou o mesmo dinheiro, a mesma quantidade. Isso não é um bom programa social, isso não é um gasto equilibrado e orientado às necessidades brasileiras. E, no entanto, a gente discute que o auxílio emergencial foi uma grande coisa, e foi, e foi, mas foi quase. PB, uma imagem que é a sua, foi quase lançar dinheiro de helicóptero, ou não foi? Inclusive porque alguns ricos conseguiram pegar esse R$ 600, militares pegaram, servidores pegaram e ninguém é punido por gastar mal o dinheiro público. E o Brasil é capaz, só vou terminar dizendo isso, o Brasil é capaz de cobrar metas e cumpri-las, a gente faz isso desde 1999 com as metas de inflação. Se não cumprir, tem que escrever uma carta explicando, confessando a incompetência e se justificando. Isso não acontece com pobreza, com fome, com meta de educação, com rigorosamente nada. Desculpa, me empolguei um pouco, mas…
Mônica Waldvogel - É um jeito também de enxergar a questão fiscal né, que é na eficiência do gasto, algo que nós não pensamos, a gente pensa exatamente o que vai impactar a dívida, o déficit para o ajuste que vai ter que sobrar, a receita, a reforma, mas eu acho esse olhar muito importante, porque é exasperante ver o gasto mal feito e ineficiente. Então eu passo a bola para o PB evidentemente, porque é uma das suas grandes preocupações né, a avaliação dessas políticas, a maneira como elas são desenhadas e aplicadas.
Ricardo Paes de Barros - Mônica, eu acho que a Flávia está, eu não podia concordar mais com ela, quer dizer, na verdade eu prefiro um governo gastador, mas que gasta cada centavo muito bem, do que um governo que na verdade não gasta nada, ou gasta muito pouco, e aquilo, aquele pouco que ele gasta, ele gasta muito mal né, então eu acho que na área da Educação, por exemplo, o plano nacional, o plano decenal de educação tem um monte de meta Flávia, mas ele não cumpre nenhuma e não acontece nada porque eu não cumpri nenhuma, com a inflação não acontece. Então, na área social as metas sociais são simplesmente desmerecidas, elas são ignoradas, não são cumpridas e fica por isso mesmo, né. Então eu acho que a gente precisa, eu acho que a grande questão nacional, eu acho que volta a ser cada real que a gente vai gastar, a gente teria que prestar contas e dizer qual a eficácia desse gasto, eu acho até que o TCU foi muito generoso com o auxílio emergencial numa hora que ele diz que ele só tem 50 bilhões, eu acho que tem 200 bilhões que talvez não tenham sido tão bem gastos como deveria ser gasto. Então eu acho que, eu acho que o principal problema com auxílio emergencial, que foi um programa que, quando ele começou, eu acho até que ele começou muito bem, ele tinha que começar a talvez até da maneira como ele começou, só que ele teria que aprender com ele mesmo né, então era uma tentativa e erro. Eu tinha que no primeiro mês fazer o que eu fiz, porque eu não sabia quem ia ser contaminado, quem ia ser contagiado e etc., mas no segundo mês eu já começo a aprender né, então ele é um programa que foi incapaz de aprender com ele mesmo né, e isso é que levou a que a gente gastasse em alguns meses, dez anos de bolsa família, a gente gastou em alguns meses com impactos medíocres sobre a pobreza no Brasil.
Elena Landau - Mônica, posso dar pitaco no meio aí para completar?
Mônica Waldvogel - Pode, eu te acrescento a pergunta que eu ia te fazer, que é, se a lei de responsabilidade social, que você mencionou agora há pouco, contempla, digamos, essa verificação de metas sociais.
Elena Landau - É que a gente, eu queria dar esse pitaco porque o auxílio emergencial, e a gente sabe que ele foi uma coisa, como o nome diz, emergencial, foi feito, ele poderia ter sido aprimorado ao longo do tempo e ir para as pessoas, e os acadêmicos especialistas na área começaram a discutir alternativas muito cedo. Quer dizer, não foi por falta de proposta que não se avançou para algo melhor. Inclusive é uma das coisas que, além do senso, se usou muito pouco essa oportunidade para ampliar questões de cadastro né, que é o que o PB fala, assim, precisamos conhecer o pobre, precisamos melhorar o cadastro único, que está lá na discussão ali da lei de responsabilidade social. Mas assim, os economistas, eles trabalham muito com incentivos né, você tem metas a serem cumpridas e você tem incentivos adequados para que elas sejam cumpridas, acho que na área social a gente tem exemplo disso na experiência que começou lá no Ceará, na questão de educação né, então é, esse equilíbrio entre incentivos e metas também é bem importante. Eu acho muito, muito bom lá, na questão do programa da lei de responsabilidade social, o projeto original que não foi integralmente incorporado pelo Senador Tasso Jereissati, essa discussão de estímulos prontos para evasão escolar, você tem uma bolsa que estimula o estudante a terminar seus ciclos, sai daquele ciclo já com uma bolsa de estudos, você tem um seguro né, e entradas e saídas no programa de assistência porque você tenta dar conta da questão da volatilidade, que é outra coisa que se demorou a entender no auxílio emergencial, a diferença entre o mercado formal e informal né, a falta de renda e volatilidade de renda. Então assim, a gente tem uma coisa muito complicada neste governo, que agora está na moda chamar o presidente disso, daquilo, de desumano, mas o governo sempre foi meio desalmado né, eu sei porque eu lutava muito essa questão de chamar, é liberalismo…
Mônica Waldvogel - Desalmado né, boa expressão, desalmado.
Elena Landau - É, era muito desalmado, porque fica falando dessa questão liberal, como se o liberalismo fosse essa única coisa sendo uma questão econômica muito óbvia, esquecendo toda essa questão da mobilidade social, do combate à pobreza, discussões sobre desigualdade e pobreza, tudo isso foi ficando lado, e eu acho assim muito sintomático, em todas as ineficiências, por exemplo, o monopólio da Caixa Econômica na distribuição de um auxílio né, você vê aquelas filas e todo mundo acha normal, aí, então assim, falta isso que o PB falou e me tocou.
Flávia Oliveira - E nem dinheiro é né, Elena? Nem dinheiro é, é um dinheiro que nem existe, né. Só depois de 30 dias você pode sacar, é surreal!
Elena Landau - Caiu a nossa rede aqui, num seminário desses, e você quer que o pobre brasileiro tenha um iPhone, um smartphone que baixa o aplicativo para ele poder, é obrigado a criar uma conta na Caixa Econômica Federal, se tem um monopólio para depois da Caixa Econômica abrir capital de uma empresa digital, quer dizer, são projetos que não têm esse olhar, que o PB, vou insistir, que o PB tem insistido, você precisa conhecer o povo, precisa chegar perto do povo, saber do que o povo tá precisando, o que que o pobre tá precisando e entregar, e ter mecanismos de entrada e saída que é o que eu gosto, e a gente vem discutindo isso desde o início da bolsa família, né. Acho que o PB aí como os criadores, que é como sair da bolsa família né, ninguém, essa ideia de dizer que ninguém quer sair da bolsa família, não é verdade, as pessoas querem progredir, né. Então as entradas, saídas, e metas e incentivos, acho que para questão social eu gosto muito mais da ideia de incentivo. E eu acho que a lei de responsabilidade, todos os projetos que o PB desenvolve, e o Mansueto, nos planos, no famoso plano Mansueto estava cheio de incentivo né, tinha cenoura para que você cumprisse meta, porque senão não vai cumprir.
Mônica Waldvogel - Aproveito para perguntar para o Mansueto se há incentivo para o tesouro, para que o dinheiro seja bem gasto.
Mansueto Almeida - Assim, sim, mas olha só, o tesouro só faz a liberação financeira do dinheiro para cada ministério, a gente tem um bocado de regra que eu acho que complica bastante a eficiência do gasto está, então um pouco que o PB falou, tem todas essas regras de crescimento automático, por exemplo, de gasto em áreas que a gente considera essencial, mas que é ligado arrecadação, por mais que, enfim, vários colegas nossos defendam esse tipo de vinculação Mônica, tem problema. Por exemplo, eu já escutei de vários secretários de estado de diversos estados que eles sentem medo de ter ganho de arrecadação no final do ano, e eu perguntei, “mas como é que você sente medo de ter ganho de arrecadação no final do ano?”. Ele falou “Olha, porque eu tiver um ganho de arrecadação, tenho que correr para gastar com saúde e educação, e eu não consigo. Então eu gasto com qualquer coisa, e eu coloco lá na minha planilha que é saúde e educação”. Quer dizer, isso não faz o mínimo sentido, um secretário de estado e um governo estadual ter medo de ganho de arrecadação no final do ano porque ele tem que correr para gastar com saúde e educação. Um dos melhores estados no Brasil, um governador que admiro muito, que é o Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, alguns anos atrás, o único estado do Brasil que tinha nota A, a classificação do tesouro, o estado, enfim, de menor risco entre todos os estados, era o estado do Espírito Santo, com nota A, o Paulo Hartung quando foi governador, ele entrou na justiça para poder incluir o pagamento de aposentado na área da educação, no mínimo condicional de educação, coisa que o congresso não aceita de maneira alguma mudar, ou seja, o pagamento de aposentados na área da educação ser incluído do mínimo constitucional e quanto cada estado tem que gastar com educação. O único estado do Brasil que tinha nota A o governador entrou na justiça para ter esse direito. Então assim, a gente tem que, sem preconceito, discutir muito dessas coisas, porque a eficiência do gasto é importantíssima, a gente está num país, novamente, um país muito desigual, um país que você tem uma demanda natural por ser muito desigual, por políticas mais distributivas, e é um país que, por exemplo, de 2008 a 2016, o orçamento em termos reais do Ministério da Educação, cresceu 94%. Repetindo, de 2008 a 2016, o orçamento do Ministério da Educação cresceu, em termos reais, 94%. Isso é um crescimento grande para caramba, o que é que aconteceu? Por que a gente não viu isso a olho nu, uma melhora substancial da educação? Porque a maioria desse crescimento, a grande parte foi para ensino superior, para abrir novas universidades, ou para institutos federais de tecnologia, grande peça de universidades também pequenas, menores. Então a gente fez uma expansão enorme do gasto com educação e não teve o benefício esperado, ao contrário, muito aquém. Então assim, a questão do gasto é isso, o Brasil gasta muito, a gente vai gastar esse ano, o governo federal sem a conta de juros é isso, um trilhão e seiscentos bilhões de reais, de um trilhão e seiscentos bilhões de reais, um trilhão e seiscentos bilhões de reais de investimento, vai ser mais ou menos ali na casa de 40, 50 bi. Então assim, a gente tem muito que melhorar, o desafio não é aumentar gastos, porque a gente gasta muito, o desafio é mudar a composição do gasto, sair, tirar dinheiro de programas que não funcionam e colocar em programas que funcionam. Isso parece ser fácil, mas não é, a gente não tem no Brasil a cultura de avaliação de política pública, é algo muito incipiente, é algo muito, enfim, algo que cresceu muito nos últimos dez anos, relativamente novo. A gente tem que melhorar muito porque, olha só, nos últimos quatro anos eu estava no governo e para mudar várias políticas, tendo uma avaliação que não funcionavam, era muito difícil, então a gente tem que fazer um pouco do que todo mundo aqui tá falando, a gente tem que ter avaliação, a gente tem que transformar essas avaliações numa linguagem muito clara, que chegue na sociedade, e pressionar os políticos, levar isso para o debate político, ajuste fiscal, melhoria de gasto, tudo isso envolve debate político e não existe nenhum, enfim, nenhum grande iluminado na sociedade que vai dar solução para os nossos problemas, para gente resolver os nossos problemas, a gente vai ter que melhorar o debate político, a gente está condenado a ter um bom debate político, se a gente não conseguir isso, esquece, a gente vai continuar com os mesmos problemas.
Mônica Waldvogel - Que a gente possa continuar esse debate. Mansueto, tudo que você disse já tem esse jeitão de consideração final, estou vendo aqui que nós temos apenas mais dois minutos e meio, então vou dar um minuto pra PB, Elena e Flávia fazerem o arredondamento aqui do nosso debate, o que vocês acham que é importante que especifique quando a gente discute reforma social e políticas públicas. Ricardo. Passei para o PB, você quer falar Elena, primeiro?
Elena Landau - Eu ia falar, para mim eu não preciso nem de um minuto, eu acho a conjuntura tão difícil, que eu só quero pensar no futuro, e pensar no futuro é pensar em criança, infância, e melhorar gasto intergeracional. Se o Brasil tiver que escolher um projeto, o projeto é esse, é essa a minha reforma social do coração.
Mônica Waldvogel - Ok. PB.
Ricardo Paes de Barros - Eu queria só agradecer aí a oportunidade de estar aqui, estar com todos vocês, dizer que o problema do Brasil é de condução da sua política social, é muito grave e como o Mansueto colocou, não é um problema, a gente gasta um trilhão e meio só, meio que na área social, a gente gasta bem. E a gente está chegando numa situação que o problema nem é um problema de avaliar, o nosso problema no Brasil é que primeiro a gente faz, e depois a gente avalia para saber se aquilo que, quando avalia, a gente avalia depois para saber se fez sentido ou não fez sentido. É como se eu construísse primeiro a ponte para depois discutir se era para ser construída a ponte ou não né, então a questão toda no Brasil é o seguinte, a gente tem que aprender que antes de gastar, eu gasto num projeto que tem uma boa chance, e eu tenho uma boa justificativa de que ele terá sucesso, eu preciso ter um projeto equizante, bem avaliado para gastar com ele, e aí depois eu vou ver se realmente eu estava certo e aquilo foi bem gasto né, e no Brasil a gente já gasta primeiro, tipo auxílio emergencial, para depois ver se funcionou ou não funcionou. E eu acho que, se a gente usasse no auxílio emergencial a mesma lógica que a gente usa na vacina, o que a gente faz com a vacina? A gente tem cotas de vacina, mas quem dá a vacina escolhe quem tem que ser vacinado e em que ordem é localmente, né. Então, se a gente fizesse um auxílio emergencial com cotas locais, e aí localmente as pessoas descobrissem quem deveria ser beneficiado, a gente teria tido um programa muito melhor e que atenderia muito mais a situação das famílias brasileiras. Ou seja, a política social área precisa de recursos federais, precisa de muita articulação do governo federal, estadual e municipal, mas ela tem que ser implementada de uma maneira local e com a participação da sociedade civil. Obrigado.
Mônica Waldvogel - Acho que é quem está perto ali do benefício é que é o problema, né. Flavinha.
Flávia Oliveira - Vou fazer vou fazer coro com PB em relação a isso e lembrar o que a Elena já nos falou sobre, por exemplo, o monopólio da Caixa né, e o modelo escolhido, que não foi de aliança com estados e municípios né, com os entes da Federação no pagamento. O sistema de assistência social, sistemas locais de assistências sociais foram absolutamente ignorados no caso específico do auxílio emergencial. Eu acho que a gente vive, Mônica, o clímax da incompetência na gestão pública em todas as áreas, a Elena falou em falta de liderança, em centralização e má qualidade do debate, então é um momento muito, muito difícil para reconduzir, para reconstruir esse debate, e como o Mansueto falou em melhorar o debate político, eu queria lembrar que esse debate político também depende intensamente de representação né, e a representatividade na nossa política é muito baixa, na verdade as pessoas que mais precisam estar nesse debate estão muito mal representadas nas assembleias legislativas, na Câmara dos deputados, no senado. Há uma, e não é por acaso né, uma estrutura de privilégios e de concessões e de benefícios dos regimes especiais que são construídos, eles dizem muito sobre a desigualdade racial e social brasileira, e na medida em que a gente consiga transformar essa estrutura, inclusive transformar política, é possível que a qualidade do debate melhore, torço por isso né, a nossa política não, a estrutura de política pública não observa por exemplo, a Elena falou do futuro das crianças e eu concordo inteiramente, quem são as crianças brasileiras que precisam ter seu futuro mais bem planejado, com mais oportunidades? Essencialmente crianças negras né, são as crianças negras e pobres que estão abaixo da linha da pobreza, são as crianças negras, de família de mãe solteira que estão abaixo da linha da pobreza, que estão na educação pública né, que dependem da saúde pública, e acho que é importante a gente considerar né, nessas dimensões de desigualdade e de desequilíbrio de dotação orçamentária, esse elemento também estrutural estruturante da sociedade brasileira, que são racismo e o machismo, e a misoginia, o machismo, patriarcado, seja lá como chamemos. Então as dimensões de desigualdade precisam ser intensamente adicionadas nesse debate orçamentário de política pública e de representação política. Obrigada a todos pelo convite, foi um luxo estar com vocês, muito, muito orgulhosa e muito envaidecida, viu. Elena, PB, Mansueto e Mônica querida.
Mônica Waldvogel - Luxo para mim também, porque poder perguntar coisas sobre as quais eu tenho tanta curiosidade e ouvir as lições de vocês foi muito estimulante e interessante. Então, em nome da Brazil Conference eu agradeço a cada um de vocês, Mansueto Almeida, Ricardo Paes de Barros, Flávia Oliveira, Elena Landau, enormes contribuições, o Brasil vai ter que retomar debates que são, que tinham, que não conseguiram espaço né, ou a gente vai e pega ele de novo, lança rede, traz todo mundo para debater, ou não sei se conseguiríamos progresso no médio prazo né, porque o curto já está comprometido. Mas tenhamos esperança. Muito obrigada e muito boa noite a todos que nos acompanharam, espero que tenham gostado da nossa conversa.
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editor de Política Eduardo Kattah / Editores Assistentes Mariana Caetano e Vitor Marques / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo e William Mariotto / Designer Multimídia Bruno Ponceano, Dennis Fidalgo, Lucas Almeida, Vitor Fontes e Maria Cláudia Correia / Edição de texto Fernanda Yoneya, Valmar Hupsel e Mariana Caetano