Brasil

Retomada da política externa brasileira precisa conter danos

A troca do ex-ministro Ernesto Araújo por Carlos França, no Ministério das Relações Exteriores, significa a volta da racionalidade ao Itamaraty, mas há muitas dúvidas se vai resultar em mudanças

Texto: Redação / Foto: Yuriko Nakao/REUTERS

08 de abril de 2022 | 15h50


O painel “Política Externa Brasileira” foi tema da 7ª Brazil Conference Harvard & MIT, neste 16 de abril, e contou com transmissão ao vivo pela internet. A programação pode ser acompanhada pelo portal do Estadão, parceiro na cobertura do evento, além dos canais da conferência no Youtube e Facebook, a qualquer tempo.

Participaram do debate o advogado, ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira, o diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, o jurista e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, o cientista político e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Hussein Kalout, a senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu e o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. A conversa foi mediada pela jornalista Patrícia Campos Mello.

Todos os painelistas foram unânimes ao afirmar que a troca do chanceler Ernesto Araújo por Carlos França foi um ganho. No entanto, todos ponderam que a condução da política externa brasileira era “uma política pública equivocada” e, diante disso, qualquer mudança seria bem vista. Não há grandes expectativas para o novo ministro das Relações Exteriores, pois nenhum dos participantes enxerga, no momento, mudanças reais na política do governo federal para o setor.

Segundo os convidados, autoridades na questão das relações exteriores, o governo Bolsonaro conduz uma política externa que “acumula tensão e conflito”, baseada em preconceitos, sem considerar as reais necessidades do País. Reflexos dessa preocupação podem ser exemplificados com a diplomacia praticada durante a pandemia, principalmente em relação à China. Além da questão ambiental, assunto visto com desconfiança pela comunidade internacional em decorrência de ações do governo brasileiro, em especial pelos Estados Unidos de Joe Biden.

As únicas expectativas para o futuro são de uma condução mais racional pelo novo ministro das Relações Exteriores e de, no máximo, uma contenção de danos até o fim de 2022. Todos os painelistas celebraram muito a atuação da senadora Kátia Abreu (PP/TO) à frente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, o que influenciou fortemente na saída do ex-ministro Ernesto Araújo.


Confira o evento na íntegra


Política Externa

● Aloysio Nunes Ferreira: Advogado e ex-ministro das Relações Exteriores
● Celso Amorim: Diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores
● Celso Lafer: Jurista e ex-ministro das Relações Exteriores
● Hussein Kalout: Cientista político e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
● Kátia Abreu: Senadora e ex-ministra da Agricultura
● Rubens Ricupero: Diplomata e ex-ministro da Fazenda
● Patrícia Campos Mello (moderação): Jornalista


Patrícia Campos Mello - Boa tarde a todos, é uma imensa honra estar aqui para moderar esse painel. Meu nome é Patrícia Campos Mello, sou jornalista da Folha de São Paulo e agora vou moderar um painel com pessoas que são as mentes mais brilhantes da política externa brasileira. É um privilégio para a gente estar aqui no Brazil Conference da Universidade de Harvard. Só do currículo dessas pessoas que estão aqui eu poderia falar horas porque são todos de serviço público longuíssimo. Então eu vou falar brevemente para vocês um pouquinho de cada um e em ordem alfabética. A gente tem aqui com a gente hoje o Aloysio Nunes Ferreira, advogado, ex-senador da república e ex-deputado federal. Ele foi ministro das Relações Exteriores durante o governo do ex-presidente Michel Temer e ainda ministro da Justiça e secretário-geral da presidência da República no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso Ministro. Celso Amorim é diplomata, foi ministro das Relações Exteriores durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também no governo do ex-presidente Itamar Franco. Foi ainda ministro da Defesa do governo da presidente Dilma Rousseff. Celso Amorim também foi embaixador do Brasil na ONU em Nova York, embaixador do Brasil junto à OMC em Genebra e no Reino Unido. O Ministro Celso Lafer é jurista, advogado, professor emérito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi ministro das Relações Exteriores no governo do ex-presidente Fernando Collor, foi também ministro das Relações Exteriores e ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Celso Lafer foi ainda embaixador do Brasil junto à OMC em Genebra. Hussein Kalout é cientista político, professor de relações internacionais, pesquisador da Universidade de Harvard e conselheiro do Harvard International Relations Council, foi secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República entre 2017 e 2018, presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento e membro do Conselho de Ministros da Camex. Falei para vocês que eram currículos... Senadora Kátia Abreu, é senadora pelo Estado de Tocantins e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, foi ministra da Agricultura do Brasil, deputada federal pelo Tocantins e Presidente da Confederação Nacional da Agricultura. Em 2018 foi candidata a vice-presidente da república na chapa de Ciro Gomes. E ministro Rubens Ricupero que é diplomata, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e também Ministro da Fazenda no governo do ex-presidente Itamar Franco. Rubens Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Itália e foi ainda secretário-geral da Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, em Genebra de 1995 a 2004 e subsecretário-geral da ONU no mesmo período. É uma honra imensa ter todas essas mentes brilhantes aqui comigo e eu queria começar fazendo uma pergunta que vai ser a mesma pergunta para todos. A gente vai começar pela senadora Kátia Abreu e depois vamos seguir na ordem alfabética. Estou tentando fazer uma ordem aí para ninguém ficar sempre por último nem em primeiro. Minha pergunta é a seguinte: um ano atrás vocês todos estavam reunidos nesse mesmo local, tirando a senadora Kátia Abreu que agora é uma aquisição preciosa nesse ano, analisando a política externa, inclusive escrevendo artigos juntos. Eu queria saber de vocês, comparado com um ano atrás, a política externa brasileira está melhor ou está pior? O quê que mudou? Se puderem falar em no máximo 4 ou 5 minutos, eu agradeço. Por favor, senadora.

Kátia Abreu - Boa noite a todos, boa noite, Patrícia, prazer em revê-la. Cumprimento a todos os ex-ministros que estão aqui presentes e o povo brasileiro é saudoso de todos vocês, podem ter certeza disso. Vocês têm sido muito lembrados neste último ano e no ano anterior. Hussein, essa cabeça extraordinária deste país. Fico feliz de estar aqui com vocês neste seminário, nesta conferência da Universidade de Harvard e MIT, é sempre uma alegria poder participar e aprender com vocês acima de tudo. Patrícia, é uma pergunta um tanto quanto difícil porque, na verdade, a política externa do Brasil eu não consegui ainda vislumbrar. Não sou uma especialista, mas sou uma estudante aplicada a todas as questões que um senador deve minimamente saber. Então, na verdade nós criamos tensão com países que não poderíamos fazê-lo. Resolvemos brigar com as duas maiores potências do mundo, agredir publicamente as duas e ainda fazer um trabalho contra a pandemia. Então, com essas três questões, pelas decisões do governo, nós temos que reconhecer que o governo foi bastante criativo, bastante corajoso, né? Gosta de brigar com gente grande e nós estamos perdendo muitas oportunidades com isso. Nós fizemos um esforço sobre-humano nas últimas duas décadas para fechar o acordo Mercosul-União Europeia e tudo correu por água abaixo diante da perspectiva das questões ambientais. Então, a política externa não tem o seu tripé, não tem quatro pernas, não tem cinco, não tem perna nenhuma. Nós esperamos que daqui adiante nós possamos vislumbrar, junto com o Itamaraty, com a nova sucessão, junto com a Comissão de Assuntos de Relações Exteriores do Senado, nós podemos encontrar esse caminho e essa definição de quais são os objetivos do Brasil na política externa. Nós vamos tratar de quê? De liderança na América Latina, na América do Sul que perdemos nos últimos tempos? A nossa prioridade vai ser China, meio ambiente, os Estados Unidos, a defesa das questões multilaterais, a diplomacia comercial? Nós queremos enxergar o que o Brasil pretende. Porque, quando você tem um foco, quando você tem um planejamento estratégico, fica mais fácil de todos se agruparem e fazer uma força maior para que tudo possa avançar. Então, a mudança de um chanceler para outro não pode significar apenas a mudança de um chanceler um tanto maluco para um chanceler educado. A expectativa de um chanceler educado é sempre bem melhor. Estive com ele e me causou muito boa impressão, mas ele tem que dizer a que veio porque nós do Senado Federal queremos uma diplomacia de resultados. Nós precisamos desse resultado. Estamos vendo o prejuízo iminente à nossa porta, inclusive com sanções por parte dos americanos e europeus. Com o fim da negociação União Europeia-Mercosul, esse grande acordo comercial que seria pontual, seria um marco na vida do Brasil depois do Mercosul, onde nós poderíamos encontrar novos caminhos. Porque a Europa funciona muito como um espelho para os outros países que pretendem fazer acordos. Depois que a Europa faz, é sempre um pouco mais facilitado, vamos assim dizer, quando se dá o primeiro passo. E isso tudo caiu por terra com o descaso e o negacionismo ambiental.

Tivemos o negacionismo da vacina e também o negacionismo ambiental. Então, eu disse, em 2019 foi manchete na Folha de S. Paulo, que os produtores estavam rindo naquele ano de 201, mas que iriam chorar num breve espaço de tempo. Fui criticada duramente pelo presidente da Bancada Ruralista à época no Congresso Nacional que me acusou de ter mudado de camisa. Eu falei "Não amigo, eu não mudei de camisa, eu mudei de estratégia porque eu procuro ser sempre uma mulher à frente do meu tempo e que procura acompanhar a modernidade." Não interessa o que a Kátia pensa sobre meio ambiente. As injustiças que o Brasil sofre, os créditos que nós temos, tudo isso eu sei que nós temos. Vamos lutar por tudo, vamos lutar pelas nossas conquistas, pelos nossos direitos e por ter feito tanto até aqui, mas nada impede, não é excludente, de nós rapidamente reduzirmos o desmatamento sob pena de grandes prejuízos comerciais. Ainda hoje, tomo a liberdade de contar, mandei uma mensagem ao ministro Paulo Guedes, uma mensagem no seu telefone pedindo, por favor, que nós estávamos em suas mãos para combater o desmatamento, a perspectiva desse acordo União Europeia-Mercosul e também os acordos para evitar sanções. De que forma ele poderia ajudar? O orçamento. Não dá para exigir chantagear recursos para cumprir com a nossa obrigação de outros países. Muito obrigada, Patrícia.

Patrícia Campos Mello - Obrigada, senadora. Agora vou começar com o ministro Aloysio, por favor.

Aloysio Nunes Ferreira - Boa tarde a todos vocês, minha amiga Kátia Abreu, meus amigos, os dois Celsos, o Rubens e o professor Hussein Kalout. Patrícia, é um prazer e uma honra estar aqui por vocês. Estava com saudades de ouvir a Kátia falar. Falar e atuar porque atuar eu vejo sempre, mas falar faz tempo que eu não via. Agora, Patrícia, eu acho que na nossa reunião de um ano atrás nós dissemos que era preciso reconstruir a política externa brasileira. Nós fizemos as críticas que achamos que a política atual merece. Não mudo uma vírgula daquilo que dissemos. Mas dissemos também no final que na verdade a mudança na política externa depende de uma mudança política no Brasil. Com esse presidente da República, Jair Bolsonaro, é muito difícil você ter uma mudança substancial na política externa porque ele exprime uma determinada linha de força da política brasileira cuja cabeça parou na Guerra Fria. Com os seus medos, os seus preconceitos, com seus valores machistas e misóginos, com a sua prática política confrontacionista. É um homem que só cresce, só pensa em crescer no confronto, na fanfarronada. Isso é muito difícil mudar. Isso contamina a política externa evidentemente. Todos nós aqui que já trabalhamos como ministros, sabemos da importância do prestígio da figura do presidente da República para a atividade da política externa e também das funções de representação diplomática. O presidente Bolsonaro, infelizmente, tem uma péssima reputação pelo mundo afora e só cresce a cada interação que ele faz naquele cercadinho no Palácio da Alvorada com as suas ameaças sem fundamento, mas, de qualquer maneira, acabam por criar instabilidade. Enfim, isso tudo contamina e prejudica a ação externa do Brasil. E do outro lado você tem uma linha de força que prevaleceu nesse momento que é aquela que basicamente exprime os interesses e valores que a Kátia Abreu acabou de exprimir que são valores, na verdade, da nossa diplomacia tradicional. Da diplomacia de um país que precisa de alianças, precisa de cooperação. Uma diplomacia que defende os interesses nacionais e não fica aí perdido em quimeras teológicas, que valoriza o diálogo. Então essa corrente prevaleceu com a mudança do ministro. Foi o que causou a prevalência dessa corrente com a expressão do desacordo de setores empresariais, da cultura, da imprensa, da política e tudo combinando com a inação, a inépcia da política do Itamaraty durante a pandemia. A gota d'água foi a grosseria inominável do ministro Araújo como a senadora Kátia Abreu que levou o Congresso inteiro a exigir a sua saída. Essa linha prevaleceu. Agora, até quando? Eu não sei. Eu considero o ministro França, eu o conheci, ele trabalhou em vários governos, trabalhou na Embaixada em Washington e em outras representações diplomáticas, ele nunca chefiou um posto, mas tem na carreira dele a passagem pelo cerimonial e – nós temos dois diplomatas importantes entre nós – sabemos que é uma escola. Você não vai bem no cerimonial, ainda mais em vários governos, se você não tiver linguagem diplomática, sensibilidade diplomática e sensatez. Se não tiver sensatez, o chefe do cerimonial não sobrevive à primeira composição do comboio ou à localização dos lugares à mesa. Ele tem isso. Não tem a pretensão de ser doutrinador, me parece. No seu discurso de posse ele faz uma homenagem ao Itamaraty, homenagem à carreira diplomática, ele aponta compromissos e urgências que são aquelas inescapáveis no momento: a questão da saúde, da economia, da questão climática e desenvolvimento sustentável. Valoriza o diálogo como método de ação política e a volta da participação do Brasil como membro ativo da comunidade internacional sem exclusivismos, sem alinhamento automático. Eu li o discurso e achei muito bom. Na composição da sua equipe tem pelo menos dois postos que ele alterou agora: o secretário-geral, o embaixador Simas; na chefia de gabinete, o embaixador Achilles Zaluar. Gente da melhor qualidade e eu espero que ele consiga fazer aquilo que se espera de um ministro das Relações Exteriores no Brasil de hoje. Que ele consiga se libertar da influência nefasta de um Felipe - como é mesmo o nome dele? Martins? Eu não sei o nome dele. Martins, Felipe Martins e do filho do Bolsonaro

Vejo no Congresso Nacional uma valorização da política externa como tema da política nacional. Isso também é algo que ocorreu neste ano. E a expressão disso é o fato de colocar uma senadora da expressão da Kátia Abreu na presidência da Comissão de Relações Exteriores do Senado e o deputado Aécio Neves na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O outro fator importante, outra mudança importante e aí é mais na política, mas terão reflexos sobre o tratamento da política externa no Brasil nos próximos meses é a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao presidente Lula. O presidente Lula será candidato à Presidência. No seu primeiro discurso tocou na política externa de seu governo como um dos fatores, digamos, de realce. Ele vai falar isso durante a campanha, não é? Aqueles políticos das correntes ditas de centro vão ter que dizer a que vieram. Sem dúvida nenhuma, a política externa será uma exigência no cardápio que os brasileiros vão examinar na hora de escolher o seu candidato. Obrigando, portanto, essas correntes a dizer o que querem para o Brasil em termos da sua presença no mundo. Então, nós tivemos neste período um aumento da consciência do relevo da política externa para a vida nacional. Isso é uma tendência que eu tenho para mim que haverá de se acentuar. Ainda mais porque a inação do governo no tema das vacinas está na boca do povo. Todo mundo quer vacina, todos querem ser vacinados e quando a imprensa noticia a cada dia a escassez de medicamentos, a escassez de vacinas, isso leva à lembrança da inoperância do Brasil na busca por parcerias internacionais para prover o nosso povo de vacinas. Então acho que há coisas boas, acho que a mudança foi positiva. Prevaleceu uma linha de força que me parece a mais adequada às necessidades brasileiras e esperamos que o ministro tenha condições de cumprir, no seu desempenho, os compromissos que assumiu no seu discurso de posse.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, ministro Aloysio. Ministro Celso Amorim, o que o senhor está vendo? Estamos melhor ou a situação está pior? Há esperança? O que você está vendo?

Celso Amorim - Patrícia, me permita primeiro, queria fazer uma rápida homenagem à senadora Kátia Abreu pela coragem que ela tem revelado. A gente pode até ter visões diversas em relação a alguns temas, mas eu acho que a coragem, a firmeza e a lealdade são características muito importantes do ser humano e eu quero felicitá-la. E é muito importante que ela esteja nessa posição estratégica porque o Senado já derrubou muitos embaixadores, ou já dificultou a vida de muitos embaixadores a chegar aos seus cargos, mas é a primeira vez que eu vejo o Senado derrubar um ministro de uma maneira unânime. É uma coisa formidável. Até me faz lembrar o que a Cristina Serra, colega da Patrícia, disse citando aquele haitiano que estava ali na frente no meio da pandemia e disse "Bolsonaro, você não é mais presidente." Então eu acho que o Bolsonaro sentiu que não era mais presidente quando ele foi obrigado a demitir o ministro das Relações Exteriores contra a sua vontade. Porque o Bolsonaro evidentemente gostava de tudo isso que era feito pelo Ernesto Araújo. O Ernesto Araújo falava diretamente, eu não sei se ao coração ou ao fígado, não sei exatamente a qual órgão do corpo dessas redes de extrema-direita que alimentam o governo. Então queria cumprimentá-la, dizer também que é um prazer estar aqui com os colegas e ser moderado pela Patrícia. É uma honra muito grande e prazer muito grande.

Mas falando rapidamente, eu queria fazer uma fala geral, mas não dá tempo, então eu queria começar pelo que a Patrícia perguntou se melhorou ou piorou. Para piorar eu acho que era impossível. O meu lema que se aplica ao governo Bolsonaro e se aplicava especificamente à política externa, mas também pode ser aplicada à política ambiental, à política de saúde, à educação, eu não quero ser pedante porque eu acho que todo diplomata – Rubens Ricupero que me perdoe – tem mania de falar em inglês ou francês mas acho que é mais expressivo do que falar em português. Na minha opinião, o lema desse governo que deve reunir todos os democratas, todas as pessoas que querem um discurso racional é "Stop the mad!", vamos parar com a loucura. Eu acho que estava havendo na política externa, a senadora até mencionou e foi até generosa dizendo que ele é um tanto maluco, mas eu acho que o que havia na política externa era uma coisa absolutamente louca! Não dá para comentar, as pessoas falam assim "Ah, a oposição!", mas não dá para comentar porque você tem dentro do círculo várias posições possíveis e a gente pode concordar ou não. Meu amigo, Celso Lafer, me enviou para Londres, sucedi o Ricupero em Genebra, com o Aloysio até hoje participamos de lives conjuntas, podemos todos ter diferenças, mas estamos no domínio da racionalidade. Cada um pode ver de uma maneira, o Kalout também, mas enfim, o que havia era uma total irracionalidade.

Vou falar em poucas palavras, a diplomacia existe fundamentalmente para resolver problemas. Aliás, para resolver o grande problema que é a guerra. E nós quase entramos em uma guerra com a Venezuela. Quase entramos! Aquela cena famosa na fronteira em que ele ia lá levar suposta ajuda humanitária. Se ele atravessa a fronteira e o chanceler leva um tiro de um guarda nacional um pouco, assim, afoito, é assim que começam as guerras. Aquele sujeito, não lembro o nome dele, que matou o Arquiduque Francisco Ferdinando não sabia que estava começando a Primeira Guerra Mundial, só estava praticando um ato. Então eu acho que nós vivemos uma coisa absurda. Dizem que o Brasil tinha muito poder brando, hoje em dia não tem nenhum, mas eu tenho que reconhecer. Fui embaixador quando o Celso Lafer era ministro, fui colega do Ricupero e cheguei a entrar em uma reunião sobre patentes, um assunto super atual, e em dado momento só estavam Brasil e EUA e eu disse que não entraria na reunião sem a participação de um país africano porque havia uma chancezinha dos africanos em relação a nós. Mas aí o país africano disse que se o Brasil entrasse na reunião, eles estavam representados. Para você ver, esse era o Brasil. Uma vez, quando era embaixador na ONU, me convidam para presidir um comitê sobre a antiga Iugoslávia, quem me convidou foi o embaixador japonês, sogro do atual imperador. Mas por que eu, por que nós? E ele me disse que o Brasil é o único que a Rússia e os EUA aceitam. Eu estou elogiando o governo Fernando Henrique Cardoso, eu era embaixador no governo dele. Nessa época eu não lembro se ainda era o Celso Lafer ou se já era o Lampreia, mas veja, nós estávamos sob o domínio da racionalidade. Isso que eu quero dizer e o Brasil tinha esse poder de atração fenomenal que vai além do seu tamanho. Todos nós sabemos que o Brasil era assim. Então o Lafer presidiu, entre outras coisas, o Conselho da OMC. O Rubens Ricupero (estou falando dos colegas que ficaram mais tempo, Aloysio, você não teve tempo de fazer essas coisas todas até porque eles foram embaixadores, você foi ministro) foi diretor-geral da UNCTAD. Só para falar de coisas que vem assim imediatamente à mente. Esse é o Brasil. Eu tive a honra de presidir o Conselho de Segurança num momento importante, presidi três painéis sobre o Iraque. O Brasil era esse e na minha opinião continuou sendo esse, até se fortaleceu, não precisamos discutir muito, durante o governo Lula. Só para contar uma historinha do presidente Lula, para não ser injusto, numa determinada vez eu estou chegando de volta de uma viagem e me liga o ministro egípcio, Ahmed Aboul Gheit, que depois foi secretário-geral da Liga Árabe, para me dizer o seguinte, que estava havendo aquele problema dos assentamentos israelenses e em Jerusalém Oriental e ao mesmo tempo tinha Gaza e ele me diz (e todo mundo sabe que o Egito é um país orgulhoso, eles consideram o Cairo o farol do Oriente Médio. Eles perguntam como pode ter o BRICS e não tem o Cairo? Como pode ter o Conselho de Segurança ampliado sem ter o Egito?) "Celso, diga ao Lula para ele ligar para o Shimon Peres." Ele não era o presidente, mas era o ministro das Relações Exteriores, sempre foi um homem de grande influência, evidentemente. Ele me disse: "Não subestime a influência do Brasil." Vocês podem imaginar hoje alguém ligando para o presidente da República pedindo isso? Não existe isso porque não vão nem entender.

Agora, não sei se ainda tenho um minutinho, é só para dizer que também acho que melhorou o estilo. Não há menor dúvida que esse rapaz, que eu não conhecia, ele não era um diplomata muito conhecido, mas quando vi a fotografia reconheci porque ele foi do cerimonial da presidenta Dilma e acho que também trabalhou na Bolívia no tempo em que eu viajava muito para lá, mas pelo nome eu não conhecia, mas, como disse um jornalista do Valor, "voltar ao normal já é uma coisa excepcional". Ele fez um discurso que teria passado despercebido em outros momentos, mas agora é excepcional. Porque ele não rezou Ave-Maria em tupi-guarani e não citou grego clássico. Então, só isso já foi fenomenal, as pessoas ficaram aliviadas. Depois fez uma fala para a casa que foi muito tranquilizante, citou o fato de a primeira pessoa promovida na turma dele primeira ser uma mulher, que é a Gisela Padovan. Então, só falar essas coisas já é excepcional. Mas eu acho que, com o Bolsonaro, não vai mudar. Eu acho que vai dar uma impressãozinha, ele dá uma latitudezinha, porque a correlação de forças mudou, viu-se isso no Senado, tem várias outras coisas acontecendo. A figura do presidente Lula apareceu no cenário de maneira mais plena. Tudo isso altera o cenário político brasileiro.

A derrota do Trump talvez seja um dos fatores mais importantes porque, eu já vi muita coisa no Brasil, mas eu nunca vi antes e a elite econômica brasileira não aceita e não suporta é brigar com os EUA. Isso não pode, pode muita coisa, mas brigar com o governo norte-americano não pode. E a gente tem um presidente que está tentando agora no meio ambiente e, aparentemente, não deu certo porque ninguém confia (como é que pode confiar fazer um acordo com o Salles? É a mesma coisa que um bando de gangsters assaltar um cofre e depois pagar um deles para vigiar o cofre. Na primeira oportunidade eles roubam o cofre de novo). Então é da natureza deles agir dessa forma. Por exemplo, neste momento, eu li ainda hoje e não tenho nem como confirmar, o presidente Bolsonaro não vai participar da próxima Cúpula Ibero-Americana. A razão, pelos menos é o que se falou, é porque o Maduro vai participar. Ninguém é obrigado a participar com o Maduro. Quem trabalha com relações internacionais sabe que os EUA não deixam de participar de uma reunião porque tem a Coreia do Norte. Não é assim. Então isso tudo não nos faz julgar que se possa ter um futuro muito promissor. Se houver tempo, depois eu gostaria de falar de como deverá ser a política externa pós-pandemia, ou ainda pandêmico porque nós ainda não sabemos quanto tempo isso vai durar. Que novos desafios se colocam para as jovens gerações de diplomatas? Obrigado.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, ministro. Na próxima rodada de perguntas vou ter que ser a polícia do tempo, ok? Eu estou vendo o professor Hussein Kalout já me olhando feio, mas como essa é uma pergunta complexa vocês estão dando respostas complexas. Por favor, ministro Celso Lafer.

Celso Lafer - Obrigado, Patrícia. É um prazer estarmos aqui sendo moderados por você. Minhas homenagens à senadora Kátia Abreu, que como sempre coloca com a maior clareza, eu estou de pleno acordo com as suas observações. Como estou de pleno acordo com aquilo que o nosso Aloysio colocou e o que o meu amigo Celso Amorim também colocou porque, enfim, na nossa posição colocada do painel do ano passado nós estávamos todos num círculo de racionalidade. E justamente aquilo que nos indignava era esta extrapolação para fora daquilo que era a missão da diplomacia, da política externa no círculo de racionalidade. O que nós dissemos no ano passado? Que a política externa do Bolsonaro era um equívoco, ela não avaliava as nossas necessidades internas e nem avaliava corretamente as nossas possibilidades externas, ela gerava o nosso isolamento internacional, ela não enfrentava a pauta dos nossos interesses e ela estava tendo consequências muito graves para o nosso relacionamento com os nossos vizinhos, com os nossos parceiros comerciais para a nossa presença multilateral. De lá para cá o que mudou? Acho que a primeira coisa que mudou foi o fato de que a política externa hoje não é mais o domínio reservado do governante. Ela passa também pela sensibilidade da sociedade civil, pelos interesses, pelos valores. Ela passa por uma agenda da opinião pública e essa agenda da opinião pública foi crescentemente se manifestando em termos da sua inconformidade com a política externa como uma equivocada política pública. E, sem dúvida nenhuma, talvez o que tenha trazido isso para o primeiro plano tenha sido a pandemia e o capítulo de que a diplomacia de vacinas se transformou no item prioritário da política internacional dos países. E tem uma outra dimensão. Este capítulo da diplomacia de vacinas mostra que um componente da política externa é o componente de gestão de riscos. E a percepção de que o governo Bolsonaro não era capaz de administrar riscos ficou visível no capítulo da pandemia. E ficou visível também em todas as outras áreas. Ficou visível na área do meio ambiente. Ficou visível na sua relação com o agronegócio. Ficou visível em matéria dos investimentos que se viram retraídos em relação ao Brasil. Ficou visível em matéria das dificuldades que nós temos de acesso a mercados. Então, isso foi crescendo de tal forma que naturalmente aquilo que se articula pela mídia, pelas instâncias da sociedade civil, tem a sua ressonância no Congresso, e teve. E aí, naturalmente, a atuação da nossa senadora foi decisiva tendo em vista a maneira pela qual o Ernesto desconsiderou aquilo que nenhum dos ministros da Nova República desconsideram: que a agenda da opinião pública é uma responsabilidade do chanceler. E ela é uma condição de sustentabilidade da política externa. Todos nós lidamos com esta agenda da opinião pública com a variedade de perspectivas, também com o debate político que ela suscita. O que caracterizou esse chanceler foi uma plúmbea insensibilidade, o que é incrível para quem teve em tese uma formação diplomática, em relação a esta agenda, aos seus personagens e aos seus atores.

Também não vou resistir a uma citaçãozinha já pensando um pouco na faculdade direito que é um provérbio latino que diz o seguinte: "Quos vult perdere transferatur iudicium", "Aqueles a quem Deus quer perder, tira-lhes o juízo". E, no caso do Ernesto, tirou-lhe o juízo diplomático de uma tal forma que eu acho, até exacerbando o que disse o Celso Amorim, eu acho que o Ernesto Araújo é um caso inédito da história da vida brasileira de um impeachment pela sociedade civil conduzido pelo Senado, que é uma coisa rara. Poucos ministros na vida do Brasil, e o Rubens é um craque nisso, tiveram essas dificuldades a ponto de mobilizarem uma reação dessa natureza. Pois bem, o que mudou? Esse impeachment forçou o presidente Bolsonaro a aceitar o afastamento do Ernesto e convocou um novo chanceler cujas qualidades foram aqui destacadas. É uma pessoa de boa formação, com bom temperamento, com noção do outro e que fez o discurso de posse muito razoável. Ele colocou pontos que são evidentemente muito válidos das prioridades da política externa: "Olha, eu vou lidar com a diplomacia de saúde, vou lidar com as urgências que ela afeta, com as urgências do desenvolvimento, com as urgências do desenvolvimento sustentável e do clima." Quer dizer, ele fez um discurso conceitual muito objetivo; sem citações, diga-se de passagem, para fazer uma autocrítica a quem tem gosto pelas citações; mas muito ao ponto.

Naturalmente fica a pergunta "Terá ele condições de conduzir isso a que ele propôs?" Essa é a pergunta e ela é uma pergunta difícil de responder com clareza e no afirmativo. Acho que o governo se confronta com uma exacerbação de insatisfações com a sua condução de todas as suas políticas públicas. Acho que isso é um lado. E por outro lado, o presidente da República é o responsável pela condução da política externa. Ele tem o prestígio ou o desprestígio da sua própria personalidade. E é difícil imaginar que o presidente Bolsonaro, com as suas características, consiga sopitar essa vocação para sair do círculo de racionalidade, para sair dessa diplomacia de extremos que corresponde também ao seu gosto pela provocação no plano interno que, penso eu, só atende ao grupo limitado dos seus seguidores ideológicos. Mas que está sendo crescentemente vista como completamente inadequada para o país, para os seus rumos e para o seu destino. Obrigado.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, Ministro. É interessante a gente pensar também que no discurso de posse do novo chanceler ele não fez aquela abordagem de terra arrasada do Ernesto Araújo, que disse que os últimos 30 anos do Itamaraty tinham sido inúteis, que era uma coisa que inclusive baixava muito o moral dos diplomatas todos, não é? Você dizer que até agora nada tinha prestado...

Aloysio Nunes Ferreira - Ele disse "Eu vou libertar o Itamaraty." O Itamaraty, até a chegada dele, estava "prisioneiro" de uma ideologia, de um modo de pensar que era totalmente desconectado dos interesses do Brasil.

Patrícia Campos Mello - Agora professor Hussein Kalout, na sua avaliação estamos melhor? Qual a nossa situação hoje? Tem possibilidade de haver uma mudança na política externa considerando que a política externa é de orientação da Presidência da República? O que a gente pode ver mudando de verdade?

Hussein Kalout - Bom, Patrícia. Primeiro queria saudar você, agradecer por você aceitar o convite para moderar o painel. Saudar a senadora Kátia Abreu, aliás, homenageá-la pelo hercúleo trabalho que ela prestou ao Brasil, um grande serviço à diplomacia brasileira, por sua fibra, pelo seu trabalho, por ser combativa e por ter liderado, como bem disse o Celso, um processo catalisador de impeachment moral do "ex-Ernesto", como ela bem definiu em sua fala no Roda Viva. E dizer da alegria de estar aqui com meus queridos amigos mestres e, se me permitem, confrades. Acho que de um ano para cá as nossas expectativas obviamente eram as piores possíveis porque quando a gente achava que chegamos ao fundo do poço, descobrimos que o fundo, na verdade, é um pouco mais fundo. Nós achávamos que ele não tinha mais limite porque a loucura havia se apossado do Ministério das Relações Exteriores e também do mínimo de razoabilidade que norteiam a formulação de qualquer política externa minimamente respeitável. O grande problema da política externa brasileira, quer dizer, qualquer um que queira formular ou entende de processo de formulação, sabe que depende de três componentes, de três variáveis essenciais. Primeiro: qual é a conjuntura global em que o mundo vive? O que que orienta as relações internacionais naquele momento? Segundo: qual é o seu interesse nacional? Como você pretende definir seus objetivos estratégicos? O terceiro ponto que compõem um processo de formulação é você olhar para as experiências históricas, para aquilo que deu certo e para aquilo que deu errado. Com base nesses três pontos, quer dizer, a conjuntura global, o interesse nacional e as experiências históricas, você vai definir à luz da realidade seu processo, como você vai guiar os seus interesses. E nesse compasso, Patrícia, digamos que sobre quatro eixos o Brasil cometeu erros graves que estão vinculados ao nosso interesse nacional, vinculados à nossa experiência pregressa e vinculada à conjuntura atual, que é a América do Sul, o meio ambiente e a relação com a China e com os Estados Unidos. E os equívocos foram tremendos nesses quatro aspectos. Quer dizer, a relação na América do Sul se tornou quase uma camisa de força aos interesses nacionais brasileiros e o Brasil friccionava e ia quase para uma guerra com a Venezuela. Ao mesmo tempo tensionava a sua relação com a Argentina. De modo que na América do Sul deixamos de ser um farol para o desenvolvimento ou indutores de um processo de paz mais consonante com os nossos interesses estratégicos. Se você olhar no tema meio ambiente, é uma calamidade internacional. Não precisamos olhar muito porque o Brasil regrediu nesses dois anos no meio ambiente tudo que avançou nos últimos 30 anos. Obviamente que a nossa reputação foi à lona com base nisso. E o meio ambiente não está discrepante também da América do Sul. E aí vamos ao outro ponto que se converteu em um dilema entre lidar com a China e lidar com os Estados Unidos. Como se tivéssemos que ter uma opção unidimensional. Bom, isso aí falta de pragmatismo, falta de realismo e falta de visão estratégica. Não podemos cair na esparrela de termos de escolher. Eu acho que o nosso objetivo se orienta por saber lidar com a dimensão dos interesses de cada um dentro da nossa perspectiva estratégia. Não da perspectiva deles, desses países. Portanto, no que diz respeito ao conjunto, digamos conceitual, entre formulação e tema há uma dissonância muito grande da realidade e da matriz temática.

Agora, o problema todo vem da Presidência da República, quer dizer, o grande equívoco do presidente Bolsonaro, no processo de formulação, é que ele não entendeu qual é a diferença entre o interesse nacional do Brasil e o projeto de poder dele. Ele passa a interpretar o projeto de poder dele como se fosse o interesse nacional da política externa. Isso está totalmente equivocado. Bolsonaro condicionou o interesse nacional do Estado Brasileiro a uma visão unidimensional orientada a partir de seu projeto de poder, razão pela qual ele não consegue traduzir aquilo que o Celso Lafer definiu muito bem, as nossas necessidades internas e impossibilidades externas. No que diz respeito à mudança no Itamaraty, eu conheço muito bem o embaixador Carlos França, mas eu queria tecer uma análise muito equilibrada para não ser injusto com o novo ministro. Não há dúvida de que ele é uma pessoa que se esmera por uma bolsa formação, é um sujeito extremamente equilibrado e conhece os meandros da política externa. No entanto, é importante não elevar as expectativas, porque, com Bolsonaro, nós temos que ter a clareza de que a execução da política externa depende muito, e até seu processo de mudança, de autonomia e de independência. E eu não sei até que ponto esse ministro terá autonomia e independência para fazer as correções de rumo nas linhas da política externa. Obviamente temos que lembrar que num governo altamente ideológico, uma escolha para esse Ministério, como uma escolha para o Ministério da Educação ou para o ministério dos Direitos Humanos, ela é guiada por um forte componente ideológico. Ou seja, porque ele é uma área de tensionamento para alimentar o projeto de poder dos bolsonaristas. Portanto, eu não consigo conceber que a escolha tenha sido dada somente por um critério técnico. É uma escolha que se deu, na minha opinião, chancelada por Eduardo Bolsonaro e pelo Filipe Martins. Porque obviamente eles não querem que tenha alguém capaz de jogar no lixo tudo aquilo que eles preconizaram nos últimos dois anos. Agora, obviamente o chanceler tem uma racionalidade muito diferente de seu antecessor, do “ex-Ernesto”, mas tudo dependerá da autonomia e da independência que ele terá. É importante lembrar que ativismo diplomático não é política externa, são coisas muito diferentes. Ativismos diplomático é ligar para cá, falar com ministro dali e etc. Não se traduz necessariamente em resultado. O importante é ter clareza de que o discurso é, eu diria, correto. Comparado ao discurso do Ernesto, é um banho de iluminismo, mas é que a nossa barra ficou tão baixa, tão baixa, que qualquer coisa minimamente sem tempero estava boa. A pimenta era tamanha no caldo que qualquer coisa menos distópica já nos agrada. Obviamente que essa lua de mel com o Congresso, com a sociedade tem um prazo de validade. Como diz a senadora Kátia Abreu, vai precisar de uma diplomacia de resultados. Então é preciso endereçar a pandemia, o tema ambiental e os nossos interesses econômico-comerciais. Agora, como fazer isso? Ao manter as mesmas linhas não haverá como ter uma diplomacia, uma política externa de resultados. Agora, uma grande mudança nas linhas da política externa eu só espero em 2023 se o Brasil for premiado com a nova Presidência de um novo presidente. Se o atual presidente continuar, obviamente as linhas, na minha opinião, seguirão sendo, infelizmente, as mesmas. Mas, como diz Celso Amorim muito bem, devolveu o domínio da racionalidade ao Itamaraty. Para esses dois meses será muito bom. A ver o que acontece depois desses dois meses mais à frente.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, Professor. A gente nunca celebrou tanto a monotonia, né? Coisa sem sal, isso é tão bem-vindo agora. Ministro Rubens Ricupero, queria que o senhor falasse um pouco sobre o que mudou desde a última vez que vocês se reuniram. Cada um no seu estilo, cada um na sua abordagem, mas unidos na racionalidade, na civilidade e também um pouco à luz da História. Estava pensando no seu livro maravilhoso sobre a diplomacia na construção do Brasil. No contexto histórico, o que a gente pode ver disso?

Rubens Ricupero - Boa noite, Patrícia. É um prazer também ser coordenado por você e eu também quero aqui dirigir minha homenagem à senadora Kátia Abreu e manifestar alegria de estar com todos os meus queridos amigos. Eu diria de saída que a senadora Kátia Abreu foi muito feliz na intervenção dela. Porque ela falou dentro do tempo e ela praticamente disse tudo. Ela tocou nos principais temas, os demais que vieram em seguida apontaram, cada um, alguma coisa nova de forma tal que nós temos praticamente já um balanço completo do que foi a gestão passada. Basta dizer que ela foi, para responder à sua pergunta do contexto histórico, sem nenhuma dúvida, o ponto mais baixo da história das relações internacionais do Brasil desde a Independência. Não há nenhum outro momento da vida internacional do país em que nós tenhamos chegado a esse ponto tão baixo. Por isso até, de certa maneira, é que há um sentimento de alívio. Eu diria em uma palavra que o sentimento que todos nós temos é de alívio porque já não estamos mais naquele pesadelo. Houve até uma brincadeira de correu no Itamaraty dizendo que o novo ministro tinha a mesma situação de um técnico de futebol que fosse substituir o Felipão na Seleção Brasileira depois do 7 a 1 frente a Alemanha. Realmente, depois do 7 a 1 qualquer técnico de futebol é considerado um gênio. Na verdade, é um pouco mais do isso. Eu acho que o ministro mostrou no discurso e na mensagem aos funcionários bastante qualidade e bom senso. Ele tocou em todas as teclas, e evitou tocar nas teorias conspiratórias. Curiosamente ele relegou o Ernesto Araújo à lata de lixo da História só com uma frase. O único elogio que ele faz ao Ernesto é que ele facilitou a transição. É o único mérito que teve o Ernesto. Depois disso não houve mais nada em relação a ele. Agora, dito isso, uma coisa é mudar o ministro, mudar o estilo, mudar até o discurso; outra coisa é mudar a política externa. A política externa é outra coisa diferente disso tudo. Havia sinais de mudança antes até da saída do Araújo e por necessidade de não ser retalhado pela China, pelo problema das vacinas. O Ernesto já tinha sido praticamente afastado da interlocução com a China antes mesmo de ele sair. Portanto, havia sinais de que o governo estava começando a adotar uma linha, no fundo, de sobrevivência, não era mais do que isso. Que é o que nós vimos agora, de novo, nessa carta de ontem ao presidente Biden com sete páginas. É uma carta que é um amontoado de mentiras. É bem escrita, já se vê que há um profissionalismo, mas é quase tudo falso ou então meias-verdades. Eu não tenho tempo aqui, mas se eu pudesse eu mostraria a vocês que o tem nessa carta não é só é falso, mas também uma posição cínica. Porque é o contrário do que o governo crê e pratica.  E aí é que está o problema que vários outros já tocaram e eu quero também aqui exprimir. A ideia central do livro que eu escrevi é a de que política externa e a política interna são duas faces da mesma moeda. Elas não podem ser separadas. A política externa é boa quando a política interna vai bem. O Barão do Rio Branco teve muita sorte porque foi o melhor momento da República Velha. Quando começou a piorar ele também já estava desanimado e já não tinha mais muito daquele solo no qual ele pisava. Então não há como separar as duas coisas. E a verdade é que os grandes temas que deveriam constituir a substância da nossa política não mudaram. Nada mudou na pandemia, nada mudou no meio ambiente, nada mudou no tratamento dos povos indígenas, nada mudou em Direitos Humanos, direitos da mulher, direitos de reprodução, igualdade de gênero. Esses são os temas que alimentam a diplomacia. Fora disso, a diplomacia é uma casca, é um estilo. É como se dizia antigamente de um grande escritor português: um estilo à procura de um assunto. Um estilo precisa ter um assunto e o assunto tem que ser dado pela política interna. Ora, isso não vai mudar. Se vocês querem um exemplo dos mais incontestáveis é que ontem o governo afastou o superintendente da Polícia Federal de Manaus porque esse homem cumpriu o seu dever de embargar a maior maracutaia da História em matéria de madeiras de ilegais e deu mão forte ao anti-ministro do Meio Ambiente que eu me recuso a chamar de ministro do Meio Ambiente. Que esse não caiu, hein? Não caiu nas reformas e nem está ameaçado. Então esses que são realmente os espíritos negativos do governo estão aí e a França tem que comer da mão deles, por melhor que ele seja ou melhor que sejam seus auxiliares. Vou dar um exemplo: o primeiro grande teste internacional que o França vai ter, que o Bolsonaro vai ter, será agora, quinta-feira da semana que vem, na reunião da Cúpula do Clima, no Dia da Terra, dia 22 de abril. Ora, quem está à frente das negociações do Brasil, quem fala com o Kerry é o Ricardo Salles, não é o Itamaraty. É Ricardo Salles que está numa posição de chantagista, "Me dá um dinheiro aí, me dá um bilhão para que eu possa limitar o desmatamento a 40%.", então é óbvio que já se vê nesse caso que não está mudando a substância da política.

E eu também não vejo nos outros nos terrenos sinais de mudança. É por isso que eu gostaria de fazer aqui um apelo à senadora Kátia Abreu, que hoje fez uma declaração preocupada com o problema das sanções, que ela repita essa performance e “impiche” (impeachment), que impeça o Ricardo Salles. Porque sair só o Ernesto, o Ernesto vamos dizer aqui entre nós é um pobre diabo, é uma triste figura, é uma pessoa em que todos batiam e ninguém defendia porque não tinha poderes. Ricardo Salles não, Ricardo Salles tem a sociedade rural, tem um setor grande do agro. A senadora Kátia Abreu não vai me desmentir, ela sabe que nem todo mundo do agro é progressista. Tem muita gente que tem essa linha, o Nabhan Garcia que tem muita força no Ministério da Agricultura. Então os madeireiros ilegais, os garimpeiros ilegais, essa gente toda é a base de apoio do Bolsonaro na Amazônia. Agora, isso não somos nós apenas que sabemos, os americanos sabem. Vocês sabem que hoje houve uma carta, uma mensagem enviada ao Kerry por 15 senadores Democratas americanos de peso, os de mais peso, que estão entre eles o Patrick Leahy e o Menendez, os presidentes das comissões de Relações Exteriores e do Orçamento e o que eles dizem basicamente é "Olha, não se deixe enganar, esse governo Bolsonaro não merece fé, então é preciso não confiar nele." É por isso que eu aqui termino, concluo meus minutos dizendo, como os meus colegas disseram, que eu pessoalmente nunca tive dúvidas, eu acho que o máximo que se pode ter é conter o dano. Se nós conseguirmos conter o dano até o fim do governo, já é uma grande, uma grande conquista. Eu não acho que vai se conseguir mais nem em relações internacionais nem em outros caminhos por causa da natureza intrinsecamente perversa deste governo. A única forma de solucionar isso é afastar esse governo. Eu sempre achei que era um caso de impeachment. É incrível que o país hoje está se aproximando de mais de 400 mil mortes e as pessoas que fazem parte da vida política não tenham coragem de colocar esse problema em pauta. Mas enquanto isso não acontecer, infelizmente, teremos mais sofrimento pela frente. Muito obrigado.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, ministro. A carta dos senadores foi para o Joe Biden, na realidade, o senhor está certo, um dos signatários é o Robert Menendez que é a contraparte da senadora Kátia Abreu na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Então eu acho que essa tentativa de relações públicas não foi muito bem-sucedida porque, no dia seguinte à carta do presidente Bolsonaro, eles mandaram essa carta

Kátia Abreu - Com licença, esse presidente da minha contraparte nos Estados Unidos foi o mesmo que mandou aquela correspondência ao Bolsonaro chamando atenção por ele não ter reconhecido a eleição americana e nem ter sido solidário com relação aos ataques ao Capitólio. Uma carta muito dura, duríssima, e dizem que ele é uma pessoa ligadíssima ao Biden.

Patrícia Campos Mello - Exatamente, falou isso e criticou também o Ernesto Araújo que chamou de cidadãos de bem as pessoas que invadiram o Capitólio. Ele pediu uma retratação e ele não é da ala da esquerda do Partido Democrata, ele é um cara muito moderado. Então não é só a ala da esquerda. Agora queria fazer uma pergunta, a senadora está quase ganhando uma comenda de salvadora da política externa. A senhora vem sendo uma voz de equilíbrio e o governo tem acumulado conflitos com a China, com o embaixador da China e tem uma posição muito ideológica e mesmo de sinofobia. Como é que a gente pode equilibrar isso? Você não tem essa posição tão anti-China, tão ideológica, mas uma abordagem cuidadosa. Por exemplo, alguns países (Austrália, Reino Unido, Japão, Estados Unidos) vetaram a Huawei do 5G, no Brasil parece que isso não vai acontecer, mas como é que a gente deveria encarar uma suposta ameaça da China?

Kátia Abreu - Patrícia, eu na verdade enxergo muito mais um temor americano e que ao longo de muitos anos sempre disseminou esse preconceito contra a China. Eu sou democrata, acredito na democracia e na liberdade, mas não tenho preconceitos e não acho que a China queira implementar um sistema de governo no mundo. Então o que acontece? Os Estados Unidos decidiram a sua política externa em poder, tecnologia e defesa. Então, a China, de certa forma (de certa forma não, totalmente), ameaça os Estados Unidos em duas principais áreas que são a defesa e a tecnologia. Eu acho que eles estão preocupadíssimos, eles chegam a verbalizar claramente, sem o menor constrangimento, que nós temos que ficar do lado de cá, que aqui estão os parceiros do Brasil, ou seja, os Estados Unidos. E que do lado de lá é o ditador junto com A ou B, prefiro não citar os nomes porque é verbalizado isso por americanos com quem eu conversei durante todo esse período por conta das vacinas. Então, esse temor com relação à China eu pergunto sempre e disse em alguns momentos, será que as pessoas pensam que a CIA é uma igreja que vive rezando? Israel, que tem também os seus instrumentos modernos de inteligência, será que essas pessoas todas fazem o que a China não faz, é isso? Quer dizer, é uma perseguição, uma mania de perseguição, uma coisa persecutória que talvez seja remanescente; sem nenhuma brincadeira, eu sou uma mulher do campo, mas a minha formação é de psicóloga; até que ponto aquela facada não marcou também a mente e o coração do Bolsonaro com essa mania de perseguição, com esse temor de assombração de destruição sobre ele? É claro que ele jamais vai reconhecer, porque ele é muito forte, as suas fraquezas. Ele não pode fazer isso. Mas pode estar sim influenciado nas suas decisões. Por que achar que um país que, de tudo que compra de alimentos no mundo, 20% é do Brasil, em segundo lugar dos Estados Unidos com 12%, ou seja, o destino de quase 40% das nossas exportações, e brigar, achar que pode brigar com um país desses? Então, não existe nada excludente, nós podemos ter uma relação ótima com os americanos que são os campeões de investimentos no Brasil via suas empresas e a China também não deixa de ser uma grande investidora. É uma parceira comercial da maior importância, desenvolve um mercado de e-commerce extraordinário e que está tomando conta do mundo. Nós temos muito que aprender com eles. Nós temos que aprender com os dois países, mas não temos condições de entrar numa briga dessas. Nós podemos ter os dois como amigos, mas eles não podem nos colocar numa posição de ter que escolher, certo? Nós não temos essa obrigação? Nós temos obrigação com o povo brasileiro. Nós não temos obrigação com o sistema de governo chinês, isso é problema dos chineses, eles têm que decidir sobre isso. E, claro que nessa questão de inteligência, nessa questão tecnológica, a preocupação é sempre igual. Eu poderia citar vários exemplos aqui de intromissões de outros países em termos de espionagem, vamos assim dizer. Por que só a China? Então, eu disse ao chanceler na minha visita; na verdade eu ia falar com ele eu sobre preconceito e eu nem tinha imaginado tocar tão fortemente no 5G; mas na noite anterior eu estive com um ministro do governo Bolsonaro que estava muito nervoso porque o Ernesto, o ex-Ernesto, insistia em fazer a cabeça do Bolsonaro. Que a China ia derrubar todo o sistema fabril do Brasil, que podia desligar os frigoríficos, que podia desligar aquilo pelo sistema deles. E aí o ministro estava muito apavorado e falou, "Kátia, você sabe o prejuízo que isso vai trazer ao agro". Então, naquele dia, no outro dia de manhã, meio-dia, eu fui encontrá-lo e fui fortemente, estudei o assunto à noite mesmo, vi que o edital já tinha saído e não tinha excluído a China porque eles poderiam excluir a China colocando um item excluindo empresas que não fizeram ou não estão no IPO, por exemplo, poderiam ter feito um texto assim e excluído a Huawei porque ela não tem IPO. Então, graças a Deus não colocou, mas ainda tinha um risco de um tal decreto, o Bolsonaro poderia fazer por decreto essa restrição:  empresas que não tem IPO não podem participar. E com aquilo fiquei apavorada e disse o ministro chanceler "Ernesto, se você gosta e aposta na reeleição do Bolsonaro, você não se atreva a arriscar uma queda nas importações da China do agro em 20% ou 30% pois seria o caos neste país, ele não duraria três meses". Eu disse com essas letras, com essas palavras, que o 5G era a concretização do preconceito, do distanciamento, da agressão e do ataque. Porque, se fosse assim, "não vamos permitir 5G de lugar nenhum do mundo", ótimo, tudo bem, ninguém ia se incomodar. Como é proibida a venda de terras para estrangeiros, a gente sabe que o componente é a China, mas foram para todos os estrangeiros, então todo mundo se acomodou. Agora, proibir uma única empresa, de um único país, seria o caos, não só na perda da qualidade da tecnologia e no custo de alguns bilhões de dólares para as teles e claro que nós contribuintes teríamos que pagar. O ministro achou o meio do caminho, separando o que é a tecnologia pública e o que é tecnologia privada. Eu já fui 10 vezes à China, 10, e sou uma apaixonada com a evolução tecnológica da China e dos seus parâmetros. Então, eu não vejo nenhum problema nessa relação e gostaria de registrar nesse momento de muita importância que 82% de todo vacinado no Brasil é com a Coronavac. Se não fosse o fornecimento chinês, nós estaríamos numa situação terrível. Obrigado.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, senadora. Eu queria dizer que a gente tem cinco minutos. Todo mundo se empolgou nas falas, então acho que eu ia pedir as considerações finais para cada um de vocês. Na verdade, a culpa foi minha, ok gente, eu fiquei com vergonha de fazer a polícia do tempo. Então se vocês pudessem fazer umas super curtas considerações finais. Infelizmente, tem assunto aqui para a gente ficar mais duas horas, mas vamos começar pelo ministro Celso Lafer?

Celso Lafer - Eu acho que a senadora Kátia Abreu resumiu tudo, disse tudo, elogios e cumprimentos para ela. Eu, por mim, concluo endossando tudo aquilo que ela disse.

Patrícia Campos Mello - Que maravilha de concisão e de apoio. Ministro Aloysio Nunes.

Aloysio Nunes Ferreira - Eu estou nessa do Celso Lafer. A Kátia, nas suas intervenções iniciais e agora, ela conferiu um enorme brilho à nossa live de hoje. É um prazer estar com você, Kátia. Eu queria dizer uma coisa sobre a decência da senadora Kátia Abreu no processo de impeachment. Ela tinha sido ministra da presidente Dilma e, diferentemente de outros colegas seus que saíram do governo para votar contra a presidente, ela se posicionou com eloquência, com emoção, com firmeza. Para mim isso mostra a grandeza da alma da minha querida amiga Kátia Abreu.

Kátia Abreu - Obrigada, amigo.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, ministro. Ministro Celso Amorim, por favor.

Celso Amorim - Eu também participo dessa unanimidade. Eu acho que outra coisa que posso falar é que, se o presidente Bolsonaro quisesse mudar realmente a política externa, ele nomearia, não sei se a senadora Kátia Abreu aceitaria, mas ele nomearia a senadora Kátia Abreu como ministra da Relações Exteriores. Porque é uma pessoa que tem poder próprio, dimensão própria e opinião própria. Um diplomata jovem, que não teve ainda experiência, sequer acumulou, não é como pegar um Rubens Ricupero que já tem uma bagagem, então se você puser um Ricupero, já significa alguma coisa. Um rapaz, por mais competente e bem-intencionado que seja, mas que não traz consigo nenhuma força própria, ele não pode fazer nada. Então nós vamos ter que nos contentar que pelo menos o nível de loucura seja mais baixo.

Aloysio Nunes Ferreira - O Ricupero não foi sequer autorizado a prefaciar o belíssimo livro do embaixador Synesio Goes que seria publicado pela fundação nossa do Itamaraty. O Ministro vetou a publicação do livro pela Fundação Alexandre Gusmão.

Celso Amorim - Bom, também com o que a Fundação Alexandre Gusmão anda fazendo, é melhor não ter publicado mesmo. O pobre Alexandre Gusmão deve estar sofrendo.

Aloysio Nunes Ferreira - A Fundação virou uma barbaridade.

Patrícia Campos Mello - Ministro Ricupero, se o senhor puder fazer palavras finais.

Rubens Ricupero - Me somando aos demais, eu só quero dizer que o importante agora, no que resta deste governo, é fazer a contenção de danos. E preparar a campanha eleitoral do ano que vem para que, de fato, como o senador Aloysio tinha dito, ele já tinha mencionado que provavelmente pela presença do Lula já é um tema que vai estar presente. Mas é bom que a gente se prepare, né? E que os candidatos tenham que se pronunciar e se preparem e estudem esses grandes temas, que como eu disse, não são diferentes da política externa. O candidato à Presidência tem que dizer o que é que ele pretende na Amazônia e meio ambiente, na mudança de clima, na questão dos indígenas e das reservas indígenas, na questão dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero. Então, todos esses temas têm que estar presentes porque eles têm uma dimensão internacional. Infelizmente, o que a gente vê nas campanhas é que os candidatos, em geral, não são perguntados sobre isso e, quando são perguntados, não estão preparados e saem com evasivas. Então temos que preparar esse futuro. É isso que eu almejo que se faça.

Patrícia Campos Mello - Muito obrigada, ministro. Para concluir, professor Hussein Kalout, as suas considerações finais.

Hussein Kalout - Primeiro, Patrícia, eu quero te agradecer, de verdade, pela ótima moderação. Você deixou todo mundo falar e aqui todo mundo apresentou ideias extraordinárias e acho que o objetivo do painel também é condecorar a senadora Kátia Abreu e reconhecer o belíssimo trabalho dela e, como disse o Celso Amorim, eu endosso a Kátia para o Ministério das Relações Exteriores.

Kátia Abreu - Neste governo? (risos)

Rubens Ricupero - Num futuro governo, não agora! Neste governo não vale. (risos)

Hussein Kalout - Ela tem um peso gravitacional e uma visão de mundo, sem dúvida nenhuma, privilegiada. Eu queria concluir agradecendo a todos vocês e agradecer à Brazil Conference pela oportunidade de a gente debater novamente a política externa numa circunstância ainda ruim, péssima, mas talvez subir um ângulo menos pior do que da outra vez. Levando em consideração que a racionalidade talvez poderá voltar a ser vista no desempenho das funções diplomáticas. É bom lembrar que a imagem do Brasil no mundo, a imagem de um país no exterior é, ipsis litteris, reflexo da qualidade do seu governo. E eu não acho que a nossa imagem lá fora mudará do dia para a noite levando em consideração que nós temos um governo de baixíssima qualidade técnica e baixíssima qualidade política, isso não vai mudar. Então é muito obrigado. Patrícia, te devolvo a palavra...

Celso Amorim - Patrícia, meio segundo! É só para falar o nome da pessoa que tinha feito um atentado em Sarajevo. Eu já recebi de um ex-assessor, o nome do autor do atentado é Gavrilo Princip e eu não lembrava.

Kátia Abreu - Patrícia, só um minuto, meio minuto, eu gostaria de agradecer a esses professores aqui presentes e queria pedir ajuda de vocês para construir essa agenda da CRE para que nós possamos fazer com que a CRE, o Senado Federal, possa ter uma atuação tão completa e tão forte como o Parlamento americano. Nós não queremos mais apenas aprovar diplomatas e embaixadores do mundo, nós queremos construir a política externa brasileira ativamente, acompanhar todo o funcionamento dessa política externa, queremos acompanhar todos os acordos comerciais do começo ao fim, queremos garantir que todos os setores sejam ouvidos, queremos acompanhar “par e passo” todas essas questões. Queremos entender o perfil dos diplomatas indicados e queremos metas muito claras de cada um deles. Não se trata de sabatinar negativamente os nossos diplomas, absolutamente, queremos tirar tudo o que eles podem fazer porque eu acredito na escola Rio Branco, acredito na nossa diplomacia. Eu tenho certeza que eles têm muito a definir, muito a fazer. Por isso nós queremos a ajuda de vocês para que possamos fazer alguma coisa interessante. Alguma coisa justa e não é um fast track de aprovação de diplomatas como nós vimos nesses últimos tempos. Mas nós queremos saber todos os seus planejamentos no exterior e se cada perfil está de acordo com determinada Embaixada. Nós queremos valorizar os diplomatas, cada um no lugar certo com as suas possibilidades. Não queremos escolhas de amigos. Se for para escolher amigos, quem vai escolher somos nós que somos senadores e que somos políticos. Então, se não é para ninguém escolher, vamos fazer a escolha de acordo com o perfil de cada um. Por favor, vou entrar em contato, se vocês permitirem, para me ajudar a construir a posição brasileira também para as COPs. A CRE vai construir essa posição muito definida do que nós queremos na política externa brasileira. Muito obrigada.

Hussein Kalout - Senadora, este grupo foi batizado de Grupo Ricupero, então queria dizer que a senadora não só foi admitida como um confrade do grupo, como foi nomeada presidente do grupo inclusive

Kátia Abreu - Obrigada! (risos) Obrigada, Aloysio, prazer enorme te ver, saudades de você lá na CRE e no Senado.

Patrícia Campos Mello - Queria agradecer ao professor Hussein pelo convite e espero que ano que vem vocês estejam todos aqui, a senadora Kátia também, analisando como melhorou a política externa. Ano que vem, hein? Obrigado, gente.




Expediente

 Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editor de Política Eduardo Kattah / Editores Assistentes Mariana Caetano e Vitor Marques / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo e William Mariotto / Designer Multimídia Bruno Ponceano, Dennis Fidalgo, Lucas Almeida, Vitor Fontes e Maria Cláudia Correia / Edição de texto Fernanda Yoneya, Valmar Hupsel e Mariana Caetano

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