Apenas Iguatemi, Fleury, Banco do Brasil, Magazine Luiza e CCR, de um total de 87 companhias, têm executivas mulheres, nos mais altos cargos de liderança das empresas listadas no principal índice da bolsa brasileira, mostra levantamento inédito do ‘Estadão’
Dois é o número de mulheres que lideram as principais empresas de capital aberto do País. Três são as mulheres que comandam conselhos de administração dessas companhias. Os números correspondem a, respectivamente, 2,3% e 3,4% das posições de comando das 87 empresas que fazem parte do Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores brasileira – isto é, as 87 organizações que movimentam o maior volume de recursos no mercado acionário.
Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo Estadão. A pesquisa aponta ainda que a participação feminina na diretoria executiva das empresas do Ibovespa é de 13,8% e nos conselhos de administração, de 16,4%, números considerados abaixo do ideal por especialistas. As informações foram coletadas nos sites de relações com investidores das companhias, partindo do princípio de que, por questão de transparência, as empresas devem manter suas páginas atualizadas. O levantamento considerou como membros das diretorias todos os profissionais que foram destacados pelas próprias organizações em suas páginas.
A presença mais baixa de mulheres em cargos de diretoria executiva do que no conselho de administração pode ser explicada pelo fato de investidores e acionistas terem começado a pressionar as grandes empresas para adotarem metas de participação feminina em conselhos, de acordo com Margareth Goldenberg, gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha por empoderamento feminino e equidade de gênero).
A contratação de conselheiras também costuma ser feita no mercado, enquanto, no caso das diretorias, o processo é mais interno. “Nas diretorias, o processo exige mapeamento de talentos internos, desenvolvimento, mentoria. Os resultados demoram mais a aparecer, também porque as mulheres estão concentradas em áreas de apoio, como recursos humanos, marketing e jurídico”, diz a especialista.
Entre as empresas com menor desigualdade de gênero no conselho de administração estão a empresa de tecnologia Totvs (com 43% de participação feminina), a varejista Magazine Luiza (37,5%) e o Banco do Brasil (37,5%).
Quando se analisam as companhias com diretorias menos desiguais, aparecem o grupo de shoppings center Iguatemi (60%), a varejista Renner (40%), a incorporadora JHSF (40%) e o grupo de supermercados Assaí (40%).
Já as companhias que têm mulheres como presidente executiva são Iguatemi e o laboratório Fleury. As que contam com presidentes mulheres do conselho de administração são Banco do Brasil, Magazine Luiza e a concessionária CCR.
No site do Estadão, é possível conferir a composição da alta liderança de todas as empresas do Ibovespa, uma iniciativa inédita no Brasil.O jornal também publica semanalmente, a partir de hoje, uma série de reportagens sobre mulheres na liderança de empresas.
São várias as pesquisas que comprovam que a diversidade no mundo corporativo – incluindo de gênero – significa também maiores lucros. Um estudo da agência de classificação de risco Moody’s já mostrou que há uma correlação entre as empresas com melhores notas de crédito e aquelas que têm maior número de mulheres em seus conselhos. E melhores notas de crédito significam dinheiro mais barato para a companhia.
Uma pesquisa da empresa americana MSCI, que analisou o período entre 2011 e 2016, indicou que companhias com ao menos três mulheres em seu conselho no início desse período registraram um lucro por ação de 37%, enquanto as que não tinham nenhuma mulher tiveram prejuízo de 8%.
A diretora de relações governamentais do Mulheres do Brasil (grupo que trabalha na defesa dos interesses das mulheres e é liderado pela empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza), Lígia Pinto, destaca que enquanto as diretorias e os conselhos forem dominados por homens brancos, haverá falta de debate e de troca de ideias nesses ambientes. “Eles vão deliberar menos. Quase sempre vão concordar, já que não haverá pessoas que pensam de modo diferente. A questão é que, quanto mais se delibera, mais bem tomadas são as decisões e mais se gera ganho para os negócios”, afirma.
Apesar das evidências de que a presença feminina é vantajosa para as empresas, as organizações brasileiras parecem ainda estar pouco atentas a isso quando comparadas às de outros países. Um levantamento da consultoria Deloitte coloca o Brasil na 39.ª posição em um ranking de 51 países que indica aqueles com menor desigualdade de gênero nos conselhos de administração.
No Brasil, a pesquisa analisou 165 empresas de capital aberto e fechado, um universo maior do que o do levantamento do Estadão – daí a diferença entre os resultados. Segundo a Deloitte, a participação feminina em conselhos brasileiros chega a apenas 10,4%, indicando que, conforme empresas menores são analisadas, os números diminuem ainda mais. O estudo ainda mostra que, enquanto a média global de mulheres em posições de diretoras executivas e diretoras financeiras é de 5% e 15,7%, respectivamente, no Brasil, a presença é de 1,2% e 7,3%.
“O Brasil caminha muito lentamente nessa questão. As empresas do Ibovespa têm seus indicadores mais observados. Elas estão mais expostas e sofrem pressões do mercado. Se nem esse grupo seleto de empresas, que têm práticas organizacionais mais desenvolvidas e políticas de diversidade mais substantivas, tem uma participação feminina importante, imagina a situação em empresas menos estruturadas”, diz Ana Diniz, professora do Insper que pesquisa políticas de diversidade e inclusão.
No mundo corporativo, o problema de as mulheres não alcançarem os cargos mais altos é conhecido como “degrau quebrado”. Isso porque as mulheres, em grande parte, têm acesso ao mercado de trabalho, mas, conforme se aproximam do topo da hierarquia das organizações, encontram obstáculos que dificultam a ascensão. As opções são, assim, parar por ali ou fazer um esforço muito maior para subir esse degrau.
Dados do Instituto Ethos de 2015 mostram que, entre as 500 maiores empresas do País, a participação feminina entre aprendizes e estagiários era de 55,9% e 58,9%. Mas esses números vão caindo até chegar a 31,3% nas posições de gerência e de 13,6% nas de diretoria executiva. Isso ocorre apesar de o nível de instrução das mulheres ser superior ao dos homens – tanto na época no levantamento do Ethos como hoje, segundo pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Para Ana Diniz, a professora do Insper, o preconceito é um dos fatores que explicam esse degrau quebrado. Quando há uma seleção interna para uma posição que demanda que o profissional viaje com frequência, por exemplo, muitas vezes mulheres nem são convidadas a participar porque se presume que elas não estariam interessadas por supostamente serem mais conectadas à família, explica. “Há muitos desses vieses, que muitas vezes são inconscientes, mas acabam moldando processos nas organizações e explicam a lógica que exclui as mulheres.”
Outro ponto que dificulta a ascensão das mulheres é a tendência de os profissionais contratarem e promoverem pessoas similares a elas, diz Valéria Café, diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Se os líderes e os setores de recursos humanos das companhias não buscarem pessoas diferentes delas, será difícil haver uma mudança, segundo ela. “É um histórico difícil de ser quebrado. Sempre foi feito desse jeito: buscando pessoas conhecidas e parecidas a você”, diz.
Para Olivia Ferreira, co-líder no Brasil do 30% Club (movimento internacional que defende uma participação feminina de ao menos 30% nos conselhos e cargos de diretoria executiva), no Brasil esse problema de indicação de pessoas semelhantes para conselhos executivos é mais grave porque algumas boas práticas corporativas ainda são incipientes. “Em várias empresas, não se observa qual deve ser a melhor composição para o colegiado: quais competências estão faltando em relação à estratégia da companhia ou o que é preciso renovar. É comum que o próprio controlador indique quem ele entende estar mais alinhado com suas expectativas.”
“Quando a presença feminina é inferior a um terço, é difícil para as mulheres serem ouvidas, terem relevância e impacto.”
Apesar de parecer haver uma intenção por parte das empresas para mudar esse cenário, as medidas adotadas ainda não refletem isso. Um levantamento do IBGC com profissionais de recursos humanos de cem empresas de capital aberto e fechado mostrou que 80% afirmam acreditar que diversidade é importante para as organizações.
Apesar disso, 50% relataram ter algum programa de diversidade, 55% disseram ter profissionais dedicados a pensar nisso e 42% afirmaram que a empresa tem indicadores de diversidade e inclusão. “Todo mundo já sabe a importância da diversidade de gênero. Ela traz mais inovação, novas formas de pensar, criatividade, produtividade. Mas as empresas estão demorando para conseguir fazer a mudança”, diz Valéria Café, do IBGC.
De fato, a evolução, pelo menos até 2020 nos conselhos de administração, vinha bastante lenta. De 2019 para 2020, por exemplo, a participação feminina havia aumentado 0,7 ponto porcentual, segundo o 30% Club. No Brasil, a pesquisa feita pelo movimento considera as cem maiores empresas de capital aberto (universo semelhante ao do levantamento do Estadão) e, no ano passado, indicou que a participação da mulher nos conselhos chegou a 16,6%, o que significa um crescimento de 5,1 pontos porcentuais em um ano.
Essa foi a primeira vez que se observou uma alta acelerada no indicador. Apesar do avanço, a pesquisa do Estadão mostra que muitas empresas que agora têm mulheres em suas lideranças, as têm em um número muito pequeno. Das 87 organizações do Ibovespa, apenas 13,7% têm mais de 30% de participação feminina no conselho e 9,2% na diretoria.
Olivia Ferreira, do 30% Club, explica que participações femininas inferiores a 30% podem ser pouco eficazes. Isso porque essa parcela é a mínima necessária, segundo estudos, para que um grupo não seja percebido como minoria. “Quando a presença é inferior a um terço, é difícil para as mulheres serem ouvidas, terem relevância e impacto.”
Conselheira da mineradora Vale, do Banco do Brasil, da agência de viagens CVC e do Grupo Soma, de vestuário, Rachel Maia conta que cansou de “ser calada” em reuniões e de ver outras pessoas sugerirem para dizer o que ela já havia falado e serem ovacionadas. “Não me deixei vencer por aquelas situações. É preciso ser resiliente. A mudança cultural necessária é grande. Muitas vezes posso estar sozinha, mas preciso continuar”, diz.
Na visão de Lígia Pinto, do Mulheres do Brasil, esse cenário de poucas mulheres em conselhos e diretorias só vai mudar quando as empresas modificarem toda a sua estrutura. “Para termos 30% de mulheres em cargos altos, é preciso que haja mulheres em toda a base de comando. Hoje, vemos que há muita fala sobre o assunto, mas os números ainda não indicam que podemos abrir mão de ações afirmativas.” / COLABOROU SHAGALY FERREIRA
As CEOs
Iguatemi
Com passagem por companhias com ambientes muito masculinos, Cristina Betts, hoje presidente do grupo de shoppings centers Iguatemi, chegou a ouvir como suposto elogio que era “one of the guys” (um dos caras). “Na época, eu dava risada. Isso era considerado o maior elogio. Hoje em dia é impensável alguém falar isso. Mas o mundo mudou. A mentalidade também. Ainda bem.”
No banco em que trabalhou no início dos anos 1990, não havia nem cinco mulheres em sua equipe, conta Cristina. Para a executiva, o cenário está mudando, e uma das ferramentas para essa transformação é manter o debate sobre diversidade como central nas companhias. “É um processo. Se pegássemos um recorte de dez anos atrás, a participação feminina em cargos de liderança era muito pior. Também nem falávamos disso antes.”
No caso do Iguatemi, a empresa fará neste ano um levantamento geral de como ela está em relação aos temas ESG (sigla em inglês para as questões ambientais, sociais e de governança). A partir disso, deve anunciar suas ações para avançar nessas áreas. Antes da pandemia, a companhia já havia criado um comitê de equidade para debater iniciativas que devem ser adotadas.
Fleury
Há 14 meses liderando o laboratório Fleury, Jeane Tsutsui é uma das duas mulheres que presidem uma empresa do Ibovespa. Médica cardiologista, Jeane trilhou toda sua carreira de executiva no Fleury. Apesar de afirmar não ter sofrido preconceitos no caminho para chegar à diretoria executiva do grupo, admite que ainda é um desafio para o mundo corporativo promover a diversidade. “Mais diversidade traz inovação e melhor performance. Estamos trabalhando nessa jornada.”
Do quadro de 13 mil funcionários da companhia, 80% são mulheres.
Segundo Jeane, 77% das posições de coordenação também são ocupadas por mulheres.
No conselho de administração e na diretoria executiva, porém, a participação é de 20% e de 25%, segundo o levantamento do Estadão.
Para avançar na alta liderança, o Fleury criou, no ano passado, um comitê para debater os temas ESG (sigla em inglês para as questões ambientais, sociais e de governança), diz Jeane.
O comitê é liderado pelo presidente do conselho de administração, Marcio Pinheiro Mendes, e tem três membros mulheres.
Das companhias analisadas pelo Estadão, 11,5% e 34,5% não possuem, respectivamente, mulheres nos conselhos e nas diretorias. Seis delas, o equivalente a 7%, não têm presença feminina no conselho nem na diretoria. São elas: a concessionária de energia elétrica Cemig, a operadora de planos de saúde Hapvida, a varejista Pão de Açúcar, a siderúrgica CSN, a empresa de transmissão de energia elétrica Taesa e a Usiminas, também do setor de siderurgia.
Ainda que não tenham mulheres em suas altas lideranças, as empresas afirmam acreditar que diversidade é importante no ambiente corporativo. Por nota, a Cemig informou que, no ano passado, criou uma política de indicações para buscar “contemplar maior diversidade de gênero, faixa etária, credo, experiências profissionais, histórico cultural e educacional, raça e etnia entre os membros do conselho de administração, do comitê de auditoria, da diretoria executiva e do conselho fiscal, a fim de que sejam avaliados pontos de vistas diferentes e complementares nas discussões e tomadas de decisão sobre os negócios". A companhia também estabeleceu que a composição do conselho e da diretoria será avaliada anualmente.
A Hapvida disse acreditar que a diversidade é “o caminho mais assertivo para evolução corporativa e prestação do melhor serviço pela multiplicidade de soluções que ela oferece”. Segundo o censo da empresa, realizado em abril de 2022, mulheres ocupam 61% das posições de liderança do grupo. A companhia não informou, no entanto, quais cargos são considerados de liderança.
O Pão de Açúcar, por sua vez, afirmou considerar a diversidade de gênero um tema “prioritário”. Disse também que 37% das posições de gerência ou acima são ocupadas por mulheres e que a meta é alcançar 40% até 2025. Segundo a companhia, atualmente, 18% dos cargos da diretoria são ocupados por mulheres. Nenhuma dessas mulheres aparece, no entanto, no site de relações com investidores e, por isso, não são contabilizadas no levantamento do Estadão. A a assessoria de imprensa do grupo informou que, em sua página na internet, são destacados apenas os diretores estatutários. Disse ainda que indicadores de igualdade de gênero fazem parte hoje daqueles analisados para se calcular a remuneração variável dos executivos da empresa.
Já a CSN destacou ter duas mulheres diretoras: uma de sustentabilidade, saúde e segurança do trabalho e outra diretora e presidente da Fundação CSN e da CBS Previdência. O levantamento do Estadão não as contabiliza porque a própria CSN não as identifica em seu site de relações com investidores.
A Taesa informou ter iniciado, em 2021, um programa de diversidade e inclusão. A companhia não deu detalhes sobre a iniciativa, mas afirmou seguir “tratando o assunto com toda a relevância devida”.
A Usiminas disse estar intensificando suas ações para se tornar mais diversa e inclusiva. De 2019 até hoje, a posição de mulheres em cargos de liderança cresceu de 5,5% para 13,6%, informou a empresa em nota. A companhia, porém, não explicou quais posições considera de liderança. A Usiminas afirmou ainda ter criado, em setembro de 2020, um programa de treinamento para mulheres com o objetivo de “acelerar o desenvolvimento para a carreira de liderança”.
Expediente
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo e William Mariotto / Designer multimídia Maria Claudia Correia / Infografistas Multimídia Ana Célia Mota, Gisele Oliveira e Marcos Müller / Editor de Economia Alexandre Calais / Reportagem Luciana Dyniewicz. Colaborou Shagaly Ferreira