Economia & Negócios

Pandemia faz trabalhador buscar emprego via Facebook e WhatsApp

Na quarentena, muitos brasileiros encontraram nas redes sociais uma alternativa para se recolocar no mercado; ofertas de empregos, no entanto, caíram

Texto: Luciana Dyniewicz e Renée Pereira

10 de julho de 2020 | 10h00

O isolamento social provocado pela covid-19 está mudando a forma como o brasileiro tem procurado emprego. Sem poder bater à porta das empresas ou levar os currículos pessoalmente, cresceu a busca online de vagas - em plataformas tradicionais de recrutamento ou pela rede LinkedIn. Mas também tem aumentado a procura por caminhos mais alternativos, como os grupos que vêm surgindo no Whatsapp e no Facebook. Nesses ambientes colaborativos, os profissionais, de forma gratuita, distribuem seus currículos, anunciam seus serviços e recebem ofertas de emprego dos mais variados setores. Mas, mesmo assim, em tempos de pandemia e recessão econômica, achar emprego não tem sido fácil.

Sem poder sair de casa, Angélica tem buscado emprego em grupos de WhatsApp
Sem poder sair de casa, Angélica tem buscado emprego em grupos de WhatsAppWerther Santana/Estadão

Angélica Farias, de 35 anos, ficou desempregada no início da quarentena e ainda não conseguiu se recolocar. Sem poder sair de casa e com a grana curta para se inscrever em plataformas de recrutamento pagas, ela tem procurado emprego na sua rede de contatos, no LinkedIn e em grupos de WhatsApp. “Falei com alguns amigos de RH (recursos humanos) e eles me incluíram nos grupos de oferta de emprego”, diz a profissional da área de finanças, que participa de três grupos.

Um deles foi criado por Luiz Jandel, um profissional que trabalha numa startup de bebidas e que decidiu abrir  os grupos apenas para ajudar as pessoas. A ideia, diz, surgiu quando estava procurando emprego e viu como as ofertas ficam espalhadas por vários ambientes e não chegam às pessoas que mais precisam. “Foi então que decidi compartilhar essas descobertas com as pessoas”, diz Jandel. Sem retorno financeiro, ele garimpa vagas no LinkedIn e outras plataformas para alimentar os grupos diariamente.

“Mas, hoje, com o trabalho que vem sendo feito, muitas pessoas já me conhecem e mandam vagas de todos os setores possíveis para postar.” No total, ele consegue anunciar cerca de 100 novas vagas por dia. Jandel administra cinco grupos com cerca de 1.250 participantes. “As pessoas vêm e vão. Quem arruma emprego sai e dá espaço para outras pessoas que estão precisando.” Diante da forte demanda por causa da pandemia, ele deve abrir um novo grupo em breve.

“O brasileiro tem mostrado capacidade de inovar e encontrar saídas para se adaptar à nova realidade”

Paulo Almeida, professor da Fundação Dom Cabral

O professor Paulo Almeida, da Fundação Dom Cabral, afirma que algumas gerações já vinham buscando novas alternativas para procurar emprego antes mesmo da pandemia. O LinkedIn era uma opção bastante explorada por profissionais de 30, 40 e 50 anos, diz ele. Com o coronavírus e o isolamento social, muitos estão adotando essas plataformas. “O brasileiro tem mostrado capacidade de inovar e encontrar saídas para se adaptar à nova realidade”, diz o professor,  referindo-se aos grupos de WhatsApp e Facebook.

Na avaliação dele, esse tende a ser um caminho natural quando se analisa as posições do Brasil no uso de ferramentas digitais. De acordo com o relatório “Digital in 2019”, 130 milhões de brasileiros estão no Facebook e 69 milhões no Instagram. O País está em primeiro ou segundo lugar no uso das redes sociais, diz Almeida. “Isso acaba sendo um facilitador (para a proliferação desses grupos na busca por empregos).”

Um exemplo disso é o grupo CB Empregos, do interior de São Paulo, que tem 13 mil membros. Ele foi criado em 2018, bem antes de a pandemia dar as caras por aqui, mas vem ganhando novos participantes nos últimos meses. O grupo é uma dissidência do chamado Clube das Borboletas, que tinha o objetivo de dar apoio às mulheres, conta a fundadora Fabíola Medeiros. “Mas chegou num ponto que tivemos de abrir outro grupo só para atender esse público voltado ao mercado de trabalho.” No ambiente, apenas as empresas podem postar vagas. Os profissionais não podem pedir emprego ou colocar seus currículos. Em outros grupos do Facebook, essa prática é permitida.

Depois de 22 anos numa empresa, Shirlei perdeu o emprego e agora busca recolocação nos grupos de Facebook
Depois de 22 anos numa empresa, Shirlei perdeu o emprego e agora busca recolocação nos grupos de FacebookWerther Santana/Estadão

Na busca por um novo emprego, a assistente social Shirlei de Lazari também optou pelo Facebook. Depois de 22 anos de contrato, ela foi demitida durante a pandemia e confessa que ficou sem rumo. “A primeira sensação foi de como conseguir enfrentar o mercado de trabalho depois de tanto tempo”, diz Shirlei, que tem distribuído currículos nas empresas, de forma online, e participado de grupos no Facebook voltados para a área de psicologia.

Além de estar há muitos anos num único emprego, o momento de fechamento da economia também dificulta a empreitada de se recolocar, afirma a assistente social. “Fico perdida e nem sei qual o piso salarial estão pagando. Será que vou ter de me submeter a um valor mais baixo do que ganhava?”, questiona ela, que tem pensado em trabalhos autônomos como consultora. “Nesse caso, também não tenho base de quanto cobrar.”

Mas esse é um ponto bastante relevante na hora da seleção, afirma o presidente da empresa de recursos humanos Luandre, Fernando Medina. Segundo ele, é importante que as pessoas tenham em mente a pretensão salarial. “A falta dessa informação numa inscrição pode ser um fator de eliminação do candidato”, diz o executivo.

De acordo com o presidente do PageGroup no Brasil, Gil van Delft, uma redução de até 20% no salário de alguém que perdeu o emprego costuma ocorrer quando ele volta ao mercado. “A pessoa perde poder de barganha”, diz. Mas, por enquanto, ele não vê uma tendência de as empresas jogarem os salários para baixo por causa da crise da pandemia.


No LinkedIn, vagas diminuíram, mas interação aumentou

A atividade econômica mais fraca dificulta a recolocação no mercado. A oferta de emprego minguou e o desemprego aumentou. Uma das principais plataformas online de vagas de emprego, o LinkedIn exemplifica o que tem ocorrido em todo o mercado de trabalho. Antes da pandemia, o site costumava ter, em média, 200 mil vagas abertas. Hoje, são 150 mil, o que significa que houve um recuo de 25%. Mas essa queda já chegou a 30%. “O que vimos é que o movimento aqui não foi muito diferente do de outros países, como China e Itália”, diz o diretor do LinkedIn para América Latina, Milton Beck.

Apesar de a rede social não ter registrado um aumento atípico do número de novos trabalhadores cadastrados durante a quarentena - a média no Brasil é de 100 mil novos usuários por semana -, houve um crescimento nas interações entre os profissionais. “Muita gente começou a ficar em casa sozinha, a procurar emprego ou a não perder tempo com deslocamento. E aí o volume de conversas, por exemplo, chegou a ter alta de 55%. Também cresceu muito a leitura de conteúdo”, acrescenta Beck. “O cenário é muito claro, as pessoas estão querendo aumentar a rede de contatos.”

Fernando Medina, da Luandre, afirma que algumas poucas áreas estão com a demanda aquecida. O setor de logística é um deles. Na Luandre, há cerca de 2 mil vagas para os cargos de auxiliar logístico e conferente logístico em Jundiaí, Campo Limpo, Várzea Paulista, Louveira, Itatiba, Itupeva e Campinas. Todas com previsão para início imediato.

A diretora de operações da Catho, Regina Botter, acrescenta que há vagas em supermercados e na área de saúde. A última pesquisa da empresa mostrou que a abertura de vagas na área de tecnologia também havia aumentado. O cargo de programador Java, por exemplo, teve alta de 112%.

Dica é usar o tempo para se capacitar

Para o professor Marco Tulio Zanini, da FGV, é importante que o desempregado não fique ocioso e use o tempo livre para se capacitar. “Não pode deixar que a falta de perspectiva tome conta da vida. Demissões desmotivam muito e essa pandemia vai tirar também muito profissional bom do emprego.” Ele lembra que há várias instituições de ensino oferecendo cursos gratuitos e palestras pela internet nesse período. “Tem como se movimentar mesmo em uma recessão extrema”, diz. Segundo Zanini, outra possibilidade que pode ajudar nessa fase difícil é se conectar com profissionais da mesma área, se envolvendo, por exemplo, em entidades de classe - ainda que virtualmente.


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