Presidente da Nicarágua amplia cerco a opositores após protestos de 2018 e, por meio de novas leis, manda prender ícones políticos e possíveis concorrentes
Nos anos 1970, o então guerrilheiro Daniel Ortega combatia a ditadura de Anastasio Somoza ao lado de figuras que se tornaram símbolos da política da Nicarágua, como Dora María Téllez, Víctor Hugo Tinoco e Hugo Torres. Hoje, passados 48 anos de atos importantes para a derrubada de Somoza, o presidente Ortega é o responsável pela prisão dos três ex-companheiros e se consolida como autocrata no poder, despertando a atenção e as críticas internacionais.
“María Téllez é uma figura importante aqui, foi a Comandante Dois da revolução sandinista, participou da Tomada do Palácio Nacional (sede do Legislativo) na época e foi ministra da Saúde. Ela foi presa no domingo 13 de junho em sua casa, sem ordem judicial, sem flagrante”, conta ao Estadão a educadora e diretora de ONG Ana Lucía Alvarez, que tem a irmã e a tia detidas. Atualmente, María Téllez, de 65 anos, é dirigente da União Democrática Renovadora (Unamos), que reúne parte da dissidência sandinista.
A cinco meses da eleição presidencial, a oposição não acredita mais que seja possível realizar uma votação legítima e transparente. Desde 2020, novas leis foram aprovadas sob o governo de Ortega e sua mulher, Rosario Murillo, e têm levado à prisão ou fuga de opositores. Além disso, o tribunal eleitoral é dominado por juízes ligados ao partido Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). A juíza Brenda Rocha, presidente do tribunal, é militante da legenda da situação.
Victor Hugo Tinoco e Hugo Torres também foram presos no domingo 13. Os três políticos representam o velho sandinismo, uma ala que critica as medidas do atual presidente, e romperam com o partido Frente Sandinista nos anos 1990, quando começaram as primeiras ações de Ortega na direção de sufocar as vozes contrárias.
Tinoco é um sociólogo de 68 anos com uma longa trajetória na luta sandinista desde 1973, quando se integrou à guerrilha. Ele participou em vários processos de negociação entre os sandinistas e os grupos de ex-rebeldes Contra para acabar com a guerra civil durante a revolução dos anos 1980.
A prisão dos três é o ato mais simbólico da repressão de Ortega à oposição, mas eles não são os únicos. Cinco pré-candidatos presidenciais estão presos, além de jornalistas, ativistas e até um banqueiro. Em um documento divulgado à imprensa, o governo nicaraguense alegou que os pré-candidatos presidenciais são "usurpadores" financiados pelos Estados Unidos para derrotar Ortega.
A repressão de Ortega não começou agora, mas aumentou a partir de 2018. Quem olha os dados hoje não imagina que as 10 prisões de políticos antes de 2018 seriam o começo de um caminho rumo ao fim da democracia. O primeiro deles foi Marvin Vargas Herrera, preso em 8 de maio de 2011 no Departamento (Estado) de Estelí e levado para uma prisão conhecida como “Inferninho”.
Filho de um soldado de Somoza, Herrera se identificou com a luta sandinista, mas ao contrariar Ortega e os rumos que o partido foi tomando, se tornou inimigo do poder. No dia em que foi preso, sua casa foi cercada por dezenas de patrulhas em uma operação ainda pouco vista no país. A justificativa era de que ele era um terrorista e possuía armas que pretendia usar contra o presidente Ortega.
Quando estava perto de ser solto, Herrera recebeu uma nova condenação: tráfico de drogas. Segundo a irmã dele, Juana Vargas, em declarações à imprensa local, Herrera teve a possibilidade de receber uma visita conjugal. Dias depois veio a acusação de que sua mulher havia levado drogas para ele comercializar na prisão. Herrera continua preso.
“Desde que Ortega assumiu o poder em 2007, iniciou um processo de controle das instituições do Estado e a privatizar os resultados da cooperação econômica petroleira com a Venezuela. Isso foi destruindo a institucionalidade do país e cada vez mais limitando o exercício dos direitos democráticos”, afirma ao Estadão o jornalista nicaraguense que vive na Alemanha Héctor Mairena.
Em 2009, o Supremo Tribunal de Justiça da Nicarágua permitiu que Ortega concorresse a um segundo mandato consecutivo. Em seguida, uma emenda constitucional aprovada em 2014 por seu partido, que ainda controla a Assembleia Nacional, derrubou os limites de mandato. Em 2016, Ortega concorre e vence novamente.
Em abril de 2018, Ortega decretou uma reforma no sistema de pensões dos aposentados, que começaram a protestar. Com a repressão policial, grupos universitários se uniram aos protestos, que rapidamente se espalharam pelo país.
“Vários fatos provocaram uma revolução civil: um incêndio em uma reserva ambiental, a redução das aposentadorias. Em Manágua, começamos a ver um modelo repressivo que nunca havíamos visto. Pessoas com os rostos cobertos começaram a atacar quem protestava enquanto recebiam proteção policial”, lembra o ex-diplomata nicaraguense Mauricio Díaz, integrante da Assembleia que escreveu a Constituição de 1987 e ex-embaixador do país.
Em 30 de maio, ocorre em Manágua uma mobilização nunca vista no país contra tudo que o governo estava fazendo e a população pede a saída de Ortega e a convocação de eleições. O jornalista Mairena lembra que nesse dia a repressão foi feita usando todo o aparato de segurança do Estado, inclusive franco-atiradores.
“Em Manágua, começamos a ver um modelo repressivo que nunca havíamos visto”
A partir de 2018, as prisões de políticos se tornaram mais comuns na Nicarágua e Jonathan Snayder López Guzmán, preso em Matagalpa em 22 de junho, foi o primeiro de uma lista que segue até hoje.
Segundo documento do “Mecanismo para Reconhecimento de Pessoas Presas Políticas”, formado por organizações de direitos humanos, parentes de presos e advogados, até o dia 14 de junho de 2021, o país contabiliza 124 políticos presos (sem contar os 10 presos antes de 2018).
“A partir do ano passado, a situação ficou ainda mais complexa porque o regime quer vencer a eleição de 7 novembro a qualquer custo, há menos liberdade política. Isso afeta os nicaraguenses e as empresas que estão operando ali. A repressão aumentou muito contra a sociedade civil e a oposição política. O entorno político está muito complicado e há o temor com as novas medidas anti-democráticas, com o fato de a pouca democracia que resta acabar”, avalia Adriana Thomas, analista de Nicarágua da agência de análise de risco político Control Risks.
Em outubro de 2020, foi aprovada a Lei de Agentes Estrangeiros, para controlar os recursos externos que pessoas e organizações civis recebem. Além dessa, outras duas leis são as usadas atualmente para colocar os pré-candidatos à presidência e outros opositores políticos na cadeia. A lei de traição à pátria, que permite a ilegibilidade política e prisão, e a lei que possibilita a prisão de responsáveis pela divulgação de fake news.
Os três ex-companheiros de Ortega, Tinoco, María Téllez e Torres, estão detidos e, segundo a polícia, "estão sendo investigados por praticar atos que atentam contra a independência, a soberania e a autodeterminação, além de incitar a ingerência estrangeira nos assuntos internos”.
Tamara Dávila, do partido Unamos e conselheira política da União Nacional Azul e Branca UNAB), coalizão criada para unir a oposição e fazer frente a Ortega nas eleições de novembro, foi presa no sábado 12, por volta de 20 horas, quando policiais fortemente armados invadiram sua casa na capital Manágua. A filha dela de cinco anos estava presente e só teve autorização para ser retirada do local uma hora depois da entrada dos cerca de 60 policiais.
“Sua filha de 5 anos viu tudo acontecer. É um fato traumatizante, que com certeza ficará marcado na vida dela. É um dano irreparável que o governo da Nicarágua está cometendo”, conta Ana Lucía Alvarez, irmã de Tamara.
Os opositores permanecem em prisão preventiva de 90 dias antes de serem levados a julgamento. Alguns ficaram detidos em casa e outros foram levados para o centro de detenção conhecido como “el chipote”.
Enquanto conversava com a reportagem, Ana Lucía contava os minutos para estar em um julgamento referente à prisão da irmã, da tia Ana Margarita Vijil, de María Téllez e outros políticos. “Recebemos a denúncia de que elas apanharam e sabemos que em algumas prisões ocorrem torturas contra os presos políticos, como em ‘el chipote’, mas não sabemos se é lá que elas estão. Nossa maior preocupação agora é se elas estão sendo maltratadas”, diz Ana Lucía.
A organização Human Rights Watch, em relatório divulgado na terça-feira 22, afirma que as prisões “são uma estratégia mais ampla para eliminar a competição política, reprimir a dissidência e preparar o caminho para o quarto mandato consecutivo do presidente Daniel Ortega”. De acordo com o documento, em ao menos três casos, mulheres relataram ter sofrido assédio sexual e agressões durante a detenção.
Tamara estava sendo monitorada pela polícia desde novembro “e isso significa um monitoramento 24 horas por dia, 7 dias por semana”, conta a irmã Ana Lucía.
A jornalista Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Chamorro, que venceu Ortega em 1990, também foi detida em junho em sua casa em Manágua e está em prisão domiciliar. Cristiana era pré-candidata e aparecia com grandes chances para a eleição. Sem estar filiada a partido político, ela estava com 21% das intenções de voto, enquanto Ortega tinha 30%, segundo pesquisa Cid Gallup feita no fim de maio.
No total, cinco pré-candidatos estão presos atualmente: Cristiana Chamorro; o jornalista Miguel Mora; o ex-diplomata Arturo Cruz Sequeira; o cientista político Félix Maradiaga e o economista Juan Sebastián Chamorro, primo de Cristiana.
O relatório da HRW afirma que frequentemente, policiais e soldados ficam do lado de fora das casas de críticos ao governo, impedindo-os de deixar suas casas. “Muitas vítimas disseram que não puderam visitar amigos e familiares, comparecer a reuniões, trabalhar ou participar de protestos ou atividades políticas. Alguns não puderam levar os filhos à escola ou a consultas médicas”, diz o documento.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) e o governo americano reagiram às prisões, pedindo a libertação imediata dos políticos sob pena de o regime Ortega sofrer novas sanções. O governo de Joe Biden impôs sanções a quatro autoridades nicaraguenses, entre elas a filha do presidente.
A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, também pediu a libertação dos políticos e fez um apelo na terça-feira 22 por uma "mudança urgente" de atitude no processo eleitoral.
Para o diretor de América Latina da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, sem uma ação forte da comunidade internacional, a situação só vai piorar. “Não se viu algo assim nos últimos 30 anos na América Latina, um governo que decide simultaneamente sequestrar os 4 principais líderes da oposição e potenciais competidores da eleição de novembro. É preciso haver uma resposta, uma reação contundente, muito sólida da comunidade internacional. Se não se elevar o custo do que Ortega e a senhora Murillo estão fazendo, Ortega poderá chegar às eleições e roubá-las abertamente.”
Segundo Vivanco, a forma de isso ser feito é cogitar a suspensão da Nicarágua da OEA. “Isso teria consequências diplomáticas e políticas, mas também econômicas, como na relação do país com o Banco das Américas para o Desenvolvimento”, completa o diretor.
“Vivemos em um regime que reprime a oposição com a intenção de dinamitar o processo eleitoral de novembro. As violações de direitos humanos são sistemáticas nos últimos três anos. Todos os poderes do Estado estão a serviço do regime”, lamenta Ana Lucía.
Desde o dia 2, ao menos 17 opositores, entre eles 5 possíveis pré-candidatos à presidência, foram detidos na Nicarágua.
“Se isso continuar, veremos nosso país afundar novamente. OEA, EUA e UE pedem uma solução política, que ocorram eleições e temos uma data para isso, mas o que não há são condições para isso. Estamos nos tornando um híbrido entre Cuba e Venezuela e o que queremos é evitar que haja mais mortes aqui. A quantidade é espantosa. A melhor maneira e mais econômica é por meio do voto”, afirma ao Estadão o ex-diplomata nicaraguense Mauricio Díaz.
A crise política tem preocupado empresas internacionais que atuam na Nicarágua. Segundo a analista da Control Risks, nenhuma empresa que procurou a agência de risco falou em deixar o país, mas há o temor de serem afetadas de forma direta. “Há empresas que nos procuram em diferentes setores, como mineração, setor financeiro, tecnologia. Ainda não vimos medidas que afetem diretamente o setor empresarial, mas acaba sendo um risco. A situação econômica é muito complicada e há o temor de mudanças na legislação. Se o regime considera que há alguma ameaça, pode fazer mudanças. O regime tem muito controle do aparato político”, diz Adriana.
“Não há uma democracia autoritária ali, há uma ditadura de um casal, Ortega e sua mulher. Eles controlam a polícia, o Exército, o poder judicial completo, o Congresso e também o Ministério Público. Nesse instante, a ditadura está exercendo seu poder absoluto. O desamparo dos nicaraguenses é total, no sentido de que não há para onde correr, não há uma instância democrática que tenha a capacidade de frear esses abusos e proteger as vítimas e obrigar Ortega a respeitar a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos”, afirma Vivanco.
Segundo a HRW, 108 mil nicaraguenses foram forçados a deixar o país desde a repressão de 2018, sendo que dois terços deles buscaram refúgio na vizinha Costa Rica. E, agora, há o risco de uma nova fuga em massa. “A situação é muito delicada do ponto de vista da migração para a região. Claro, que tem a Costa Rica, mas há a migração para os EUA também. Haverá milhares de nicaraguenses tocando a porta da fronteira sul dos EUA”, diz Vivanco.
Entrevista
Mauricio Díaz, ex-diplomata, integrante da Assembleia que escreveu a Constituição de 1987 e ex-embaixador do país
Para ex-diplomata nicaraguense que ajudou a escrever a Constituição de 1987, país não é mais uma democracia e situação de violência pode piorar
Praça na capital da Nicarágua, ManáguaMiguel Andres/AP
Fernanda Simas
Não, de maneira nenhuma. Não cumpre com os critérios de separação dos poderes do Estado necessários, segundo Montesquieu. Aqui há uma concentração da tomada de decisões nas mãos do Executivo, e dentro do Executivo, na mão de duas pessoas. É um sistema de ordens verticais com uma concepção atrasada de Estado. Parece mais Estado leninista. Formalmente temos um poder judicial e um eleitoral, mas eles não atuam com independência. O argumento que o governo usa é de que somos uma democracia popular. O conceito máximo na Nicarágua atual ‘revolucionária’ é que o povo é presidente. Se realmente pensam isso, o que acho é: por que não perguntamos ao povo quem ele quer que o governe? Se o povo está no poder e quer uma mudança, por que o povo no poder não tem o poder de mudança?
A Nicarágua não teve democracia, passamos da ditadura militar de direita de Somoza à uma revolução que todos respaldamos por acreditar que algo mudaria, mas isso nunca se concretizou. Quando a Frente (Sandinista) chega ao poder, chega com muita força porque víamos o partido como esperança para o país. Quando Somoza cai, a influência cubana não cai junto. Os Comitês de Defesa Civis se tornam Comitês de Defesa Sandinista e os comandantes aparecem com uniformes parecidos com os cubanos. Aí começam as contradições entre uma burguesia que nunca foi nacional, infelizmente, e foi parte do Sandinismo frente à ditadura. Os setores que representavam a burguesia como Violeta (Chamorro) não tinham nenhum poder real. O poder real estava com a Frente e os irmãos Ortega. Isso provocou uma crise na cúpula do poder. Além disso, os partidos políticos colapsaram com a queda de Somoza.
As eleições de 1990 dão o triunfo a Violeta e o que achamos que seria uma transição para a democracia foi um parêntesis na história. Ela fez um bom governo, mas Ortega dizia que governaria de baixo. (Arnoldo) Alemán facilitou o retorno de Ortega ao ter um governo marcado pela corrupção. A volta de Ortega, em 2007, ocorre em paralelo ao aparecimento da figura de Hugo Chávez (na Venezuela), que facilitou acesso a milionários recursos petroleiros.
“O que vemos a partir daí é um abuso de poder desproporcional, desrespeito aos direitos humanos e fraudes eleitorais”
Entre 2007 e 2012, a Nicarágua recebeu US$ 4 bilhões. Ou melhor, não foi a Nicarágua ou o governo, foram eles (casal Ortega). O dinheiro não passou por contas nacionais, o FMI fez vistas grossas e a controladoria de contas nunca investigou como essa quantidade de dinheiro era usada.
O que vemos a partir daí é um abuso de poder desproporcional, desrespeito aos direitos humanos e fraudes eleitorais. Em 2012, a Constituição foi reformada para permitir a reeleição de Ortega, em 2016, o partido ‘Ciudadanos por La Libertad’ deixa de ser uma pessoa jurídica. Toda essa história dá origem à concentração de poder a Ortega e sua mulher. Além disso, é preciso lembrar que o Exército e a polícia tiveram origens sandinistas e isso foi muito bem manipulado por Ortega. Temos agora um projeto de partidarização do Estado, todos os escritórios públicos têm a bandeira da Frente Sandinista e, enquanto isso, cidadãos não podem sair com bandeiras da Nicarágua ou acabam repreendidos.
Em 2018 vários fatos provocaram uma revolução civil: um incêndio em uma reserva ambiental, a redução das pensões dos aposentados. Isso junto levou à mobilização de pessoas. Em Manágua, começamos a ver um modelo repressivo que nunca havíamos visto. Pessoas com os rostos cobertos começaram a atacar quem protestava enquanto recebiam proteção policial. Os protestos aumentaram, eu mesmo estive em vários e passei a ser perseguido. Ao menos 350 mil pessoas foram às ruas. Entre abril e maio ocorre a maior repressão da história desse governo e está documentada. O país entrou numa espiral de violência, em 30 de maio tivemos muitos mortos e começa um diálogo com OEA e ONU, além da participação da igreja, mas não rendeu frutos e depois vem a escalada de repressão. Mais de 100 mil nicaraguenses fugiram do país, temos até hoje graves denúncias de tortura, ainda há mais de 100 políticos presos.
O governo passa então a dar forma jurídica a leis repressivas, feitas para perseguir o povo. A justificativa do governo foi que em 2018 sofreu uma tentativa de golpe alimentado pelo imperialismo norte-americano. Eu mesmo não recebi um dólar por nada. Agora o que ocorre: o governo não reconhece as sanções e nem as resoluções da OEA.
Se isso continuar, veremos nosso país afundar novamente. OEA, EUA e UE pedem uma solução política, que ocorram eleições e temos uma data para isso, mas o que não há são condições para isso. Estamos nos tornando um híbrido entre Cuba e Venezuela e o que queremos é evitar que haja mais mortes aqui. A quantidade é espantosa. A melhor maneira e mais econômica é por meio do voto. Isso obviamente não depende de mim, mas do comandante Ortega e de sua mulher.
Vou fazer 71 anos esse ano. Eu tinha 19 quando comecei na vida política e até hoje sigo acreditando que Ortega e sua senhora não vão deixar isso (eleições) acontecer porque sabem que em uma eleição livre estarão derrotados. O povo não está mais ao seu lado. O povo pede mudança. Constituímos uma aliança política com a esperança de que a saída fosse eleitoral, mas acho que isso não é levado em conta pelo governo. Esse tema de prender pré-candidatos argumentando diversas coisas, como lavagem de dinheiro e traição à pátria - essa nossa conversa pode ser considerada inclusive um crime - é assustador. Ninguém quer falar, muita gente tem medo e vemos que a comunidade internacional não pode fazer mais do que estabelecem seus mandatos. Esse caso não vai chegar ao Conselho de Segurança da ONU porque temos alianças com China e Rússia, que têm poder de veto. Tenho medo de que terminemos esse ano muito mal.
Quando se impõe a irracionalidade da repressão o que se impõe é um regime de terror. Vejo como se repete a mesma história. E em última instância o que sai afetado aqui (pelas ações internacionais) é a economia de forma geral e aí não perde só o governo, mas sim todos nós. É terrível porque não vejo uma saída civil e civilizada, sem mais mortes e violência.
Sim, é espiritualmente muito forte, mas materialmente não vejo isso. Estão tratando isso com muito cuidado. Aqui a relação entre Estado e Igreja ficou muito conturbada então hoje acho que a Igreja não poderia ter um papel de intermediação. Com essa concentração de poder, só podemos esperar um milagre.
A mensagem de que se impõe mais do que a barbárie, que se impõe a mão dura, frente à institucionalidade. Queremos substituir o sistema de homem forte por instituições fortes, mas vemos a luta de um homem forte que quer mostrar que o destino de um país está em suas mãos. Para se ter uma ideia, o Conselho Eleitoral que nomearam agora está totalmente leal ao partido Frente Sandinista e a ele, Além disso, acho que está em jogo o destino da OEA. Se a organização não encontra o que ajuda a superar isso, que sentido tem um organismo que nasceu para ajudar nessas questões?
Expediente
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