Adriano Magalhães da Nóbrega ficou um ano foragido. No período, participou de vaquejadas no Nordeste e acumulou bens em nomes de terceiros
Durante a fuga, Nóbrega usou carros com placas frias e documentos falsos, como uma identidade do Ceará em nome de Marco Antônio Linos Negreiros. A farsa também envolvia seus familiares. Uma semana após a morte de Nóbrega, a viúva, Julia Lotufo, foi parada pela Polícia Rodoviária Federal, na Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), em Vitória da Conquista (BA). Ela afirmou aos policiais que estava no Estado para vender um cavalo e voltaria para o Rio. O veículo, com placas do Pará, seria do seu namorado, Marco Antônio, um fazendeiro paraense.
Suas contas eram abastecidas também, segundo a polícia, por venda de combustível roubado e adulterado, serviços de segurança, e transporte alternativo, venda de água e gás, de sinal de TV a cabo e internet clandestinos, cobrança de taxas por uso do solo e estacionamento e serviços de agiotagem.
Há registros da participação de Nóbrega em competições de vaquejada na Bahia, em Sergipe e Minas Gerais. Com o cavalo Dakar Chicks Jay RT — um dos animais em seu nome desde 2016, estave na cidade nos dias 19 e 20 de janeiro de 2019. Ficou em quarto lugar na categoria “aspirante”. Além dos três Estados e do Rio, capitão Adriano teria passado também por Ceará, Pará, Rio Grande do Norte e Tocantins.
Com a morte de Nóbrega, investigadores passaram a monitorar familiares e aliados. O objetivo da investigação é recuperar a fortuna adquirida com dinheiro de crimes, além de descobrir quais são os métodos de lavagem de dinheiro da milícia, como operadores financeiros atuam e quem dá cobertura ao esquema.
Uma forma de rastrear o patrimônio é ir atrás dos chamados “sócios ocultos”. Uma das pessoas ligadas aos negócios e à “rede de amigos” do capitão Adriano é a veterinária Juliana Magalhães da Rocha. Foi ela quem alugou no fim de novembro de 2019, em seu nome, a casa de praia na Costa do Sauípe, onde o miliciano passou o fim do ano com a família, antes de fugir de um primeiro cerco policial frustrado, em 31 de janeiro.
Os investigadores também querem saber quem são os contatos que ajudaram o miliciano a escapar da prisão. Formada por policiais, políticos, advogados, empresários e contraventores, a rede de proteção de Adriano é suspeita de ter auxiliado o criminoso em sua fuga de um ano, o que pode ser enquadrado como tentativa de obstrução à Justiça.
Policiais fizeram um primeiro cerco a Adriano em 31 de janeiro na Costa do Sauípe. Ele conseguiu fugir para a casa do amigo Leandro Guimarães, em Esplanada. Guimarães chegou a ser detido por posse ilegal de arma, mas já está solto.
Pelo menos 70 policiais da Bahia e agentes da inteligência do MP do Rio participaram da operação de 9 de fevereiro, quando Nóbrega foi morto. O caso segue sob investigação. A família entrou na Justiça para pedir apuração sobre possível homicídio. Antes de morrer, o ex-policial estaria convencido de que queriam matá-lo, não prendê-lo, e seus parentes acham que ele pode ter sido vítima de queima de arquivo.
O advogado Paulo Emilio Catta Preta, que representava Capitão Adriano nos processos da milícia de Rio das Pedras, relatou ter tido um primeiro contato telefônico com o cliente, na semana anterior à morte, em que ele teria dito que tinha “certeza” de que queriam matá-lo para “queimar arquivo”. A viúva teria feito o mesmo relato.
O perito aposentado Francisco Moraes Silva, contratado pela família para acompanhar a necropsia feita no Rio em 20 de fevereiro, no Instituto Médico-Legal (IML), disse que o disparo que acertou o ex-policial no tórax tem características típicas de um tiro à queima-roupa.
O processo aberto está parado, por causa da pandemia da covid-19. Laudo pericial no cadáver, produzido pelo IML do Rio, não apontou indícios de execução. Os tiros atingiram o foragido a pelo menos um metro e meio de distância – mesmo apontamento do laudo do IML da Bahia. Tinha nas costelas fraturas compatíveis com tiros e não apresentava "lesões violentas" — que poderiam indicar tortura. A defesa pediu ainda perícia na arma e nas cápsulas não deflagradas da arma que estava com Adriano e uma reconstituição da ação que resultou em sua morte.
No dia em que Adriano Nóbrega morreu, em 9 de fevereiro de 2020, as alegações finais de defesa no processo da Operação Intocáveis estavam prontas para entrega à 4.ª Vara Criminal do Rio (Tribunal do Júri). Em 80 páginas, a defesa contesta todas as acusações, apontam falhas processuais e falta de provas. Pede a absolvição do Capitão Adriano e registra para a história a figura de personagem, diferente do traçado pelo Ministério Público e pela polícia em suas investigações. Capitão Adriano afirmou não ter qualquer vínculo com a suposta milícia, com recursos de origem lícita e afirmou ser alvo de um processo ilegal e abusivo. O advogado Paulo Emílio Catta Preta afirma que o ex-policial foi um “condenado por manchetes”. Além de indicar falta de provas, ilegalidades processuais e cerceamento de direitos de defesa, fez duras críticas ao que classificou de "expediente covarde da acusação. O documento foi entregue à Justiça no dia seguinte à sua morte, durante operação para prendê-lo. Mesmo com a extinção do processo em relação a ele, o defensor registrou que o documento foi apresentado "in memorian como derradeiro ato de sua defesa, já não mais de sua liberdade, mas ao menos o de sua honra".
A defesa de Capitão Adriano afirmou que os promotores não apresentaram provas das “supostas infrações penais (organização criminosa, homicídio e corrupção ativa)” narradas e classifica a acusação de “esquizofrênica”. A defesa ataca também a falta de relação entre a “suposta milícia” e um homicídio atribuído ao grupo, na denúncia - que levou o processo ao Tribunal do Júri. Questionou ainda o descumprimento de direitos constitucionais e processuais da defesa, como acesso a material das apurações, em especial, a íntegra das interceptações telefônicas dos alvos, e falta de oitiva das testemunhas e defesa.
Adriano da Nóbrega “rechaça absolutamente que pertença à organização criminosa descrita como a milícia de Rio das Pedras”. Segundo a defesa, nenhuma testemunha "sequer afirmou ter presenciado Adriano a deambular na comunidade de Rio das Pedras". "Como pode-se afirmar ser ele o chefe da suposta milícia atuante em tal localidade?." Nem policiais ouvidos indicaram fatos concretos contra o acusado, "atribuindo sempre suas ilações ao solo infértil dos 'informes de inteligência' ou notícias de 'disque-denúncia', elementos absolutamente insuficientes a fornecerem fundamento à decisão" de sentenciá-lo a julgamento no Tribunal do Júri. "Tais elementos informativos, obtidos por 'ouvir dizer' não ostentam valor probatório e não se presta a sequer legitimar a abertura de investigações policiais ou a deflagração de ação penal, quanto mais para se proceder uma sentença de pronúncia!"
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