Política

A vida
de foragido

Adriano Magalhães da Nóbrega ficou um ano foragido. No período, participou de vaquejadas no Nordeste e acumulou bens em nomes de terceiros

Ricardo Brandt

11 de agosto de 2020 | 10h00


Depois de ser expulso da PM em 2014 por ligação com o jogo do bicho do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega passou a ser um dos mais temidos e poderosos milicianos cariocas. Com prisão decretada em janeiro de 2019, acusado de liderar a milícia de Rio das Pedras, na região de Jacarepaguá, ele passou um ano foragido da Justiça. Capitão Adriano se apresentava como competidor de vaquejada, investidor e herdeiro. Circulou em pelo menos sete Estados, a maioria no Norte e Nordeste, mesmo com o nome na lista de procurados e o rosto estampado no noticiário. Foi localizado no interior da Bahia em 9 de fevereiro. Resistiu ao cerco policial, foi baleado e morto, conforme o registro dos PMs.

Durante a fuga, Nóbrega usou carros com placas frias e documentos falsos, como uma identidade do Ceará em nome de Marco Antônio Linos Negreiros. A farsa também envolvia seus familiares. Uma semana após a morte de Nóbrega, a viúva, Julia Lotufo, foi parada pela Polícia Rodoviária Federal, na Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), em Vitória da Conquista (BA). Ela afirmou aos policiais que estava no Estado para vender um cavalo e voltaria para o Rio. O veículo, com placas do Pará, seria do seu namorado, Marco Antônio, um fazendeiro paraense.

Adriano competia em vaquejadas, com a Equipe Dakar RJ, no Norte e Nordeste.
Adriano competia em vaquejadas, com a Equipe Dakar RJ, no Norte e Nordeste.REPRODUÇÃO

Os investigadores já identificaram, entre os bens de Adriano, imóveis (residenciais, comerciais e rurais), animais (em especial, cavalos), lojas de material de construção, firma de importação e exportação, restaurantes e depósito de bebidas. O miliciano investia, havia pelo menos três anos, em compra de sítios, ranchos e haras, além de cavalos e projetos de vaquejadas.

O Dakar Chics Jay RT era um dos cavalos em nome do miliciano: compra de gado e bens são alvos
O Dakar Chics Jay RT era um dos cavalos em nome do miliciano: compra de gado e bens são alvos

Suas contas eram abastecidas também, segundo a polícia, por venda de combustível roubado e adulterado, serviços de segurança, e transporte alternativo, venda de água e gás, de sinal de TV a cabo e internet clandestinos, cobrança de taxas por uso do solo e estacionamento e serviços de agiotagem.

Há registros da participação de Nóbrega em competições de vaquejada na Bahia, em Sergipe e Minas Gerais. Com o cavalo Dakar Chicks Jay RT — um dos animais em seu nome desde 2016, estave na cidade nos dias 19 e 20 de janeiro de 2019. Ficou em quarto lugar na categoria “aspirante”. Além dos três Estados e do Rio, capitão Adriano teria passado também por Ceará, Pará, Rio Grande do Norte e Tocantins.

Imagem obtida por investigadores registrou Capitão Adriano escondido na Bahia, antes da morte
Imagem obtida por investigadores registrou Capitão Adriano escondido na Bahia, antes da morteREPRODUÇÃO

Quem ajudou Adriano a fugir?

Com a morte de Nóbrega, investigadores passaram a monitorar familiares e aliados. O objetivo da investigação é recuperar a fortuna adquirida com dinheiro de crimes, além de descobrir quais são os métodos de lavagem de dinheiro da milícia, como operadores financeiros atuam e quem dá cobertura ao esquema.

Uma forma de rastrear o patrimônio é ir atrás dos chamados “sócios ocultos”. Uma das pessoas ligadas aos negócios e à “rede de amigos” do capitão Adriano é a veterinária Juliana Magalhães da Rocha. Foi ela quem alugou no fim de novembro de 2019, em seu nome, a casa de praia na Costa do Sauípe, onde o miliciano passou o fim do ano com a família, antes de fugir de um primeiro cerco policial frustrado, em 31 de janeiro.

Reprodução do contrato de locação da casa de praia em que Capitão Adriano passou férias e fugiu de cerco policial, uma semana antes de morrer
Reprodução do contrato de locação da casa de praia em que Capitão Adriano passou férias e fugiu de cerco policial, uma semana antes de morrer

Os investigadores também querem saber quem são os contatos que ajudaram o miliciano a escapar da prisão. Formada por policiais, políticos, advogados, empresários e contraventores, a rede de proteção de Adriano é suspeita de ter auxiliado o criminoso em sua fuga de um ano, o que pode ser enquadrado como tentativa de obstrução à Justiça.


Família suspeita de ‘queima de arquivo’

Policiais fizeram um primeiro cerco a Adriano em 31 de janeiro na Costa do Sauípe. Ele conseguiu fugir para a casa do amigo Leandro Guimarães, em Esplanada. Guimarães chegou a ser detido por posse ilegal de arma, mas já está solto.

Pelo menos 70 policiais da Bahia e agentes da inteligência do MP do Rio participaram da operação de 9 de fevereiro, quando Nóbrega foi morto. O caso segue sob investigação. A família entrou na Justiça para pedir apuração sobre possível homicídio. Antes de morrer, o ex-policial estaria convencido de que queriam matá-lo, não prendê-lo, e seus parentes acham que ele pode ter sido vítima de queima de arquivo.

O advogado Paulo Emilio Catta Preta, que representava Capitão Adriano nos processos da milícia de Rio das Pedras, relatou ter tido um primeiro contato telefônico com o cliente, na semana anterior à morte, em que ele teria dito que tinha “certeza” de que queriam matá-lo para “queimar arquivo”. A viúva teria feito o mesmo relato.

O perito aposentado Francisco Moraes Silva, contratado pela família para acompanhar a necropsia feita no Rio em 20 de fevereiro, no Instituto Médico-Legal (IML), disse que o disparo que acertou o ex-policial no tórax tem características típicas de um tiro à queima-roupa.

Polícia da Bahia realizou reconstituição da operação que resultou na morte de Adriano da Nóbrega
Polícia da Bahia realizou reconstituição da operação que resultou na morte de Adriano da NóbregaAlberto Maraux/ Divulgação

O processo aberto está parado, por causa da pandemia da covid-19. Laudo pericial no cadáver, produzido pelo IML do Rio, não apontou indícios de execução. Os tiros atingiram o foragido a pelo menos um metro e meio de distância – mesmo apontamento do laudo do IML da Bahia. Tinha nas costelas fraturas compatíveis com tiros e não apresentava "lesões violentas" — que poderiam indicar  tortura. A defesa pediu ainda perícia na arma e nas cápsulas não deflagradas da arma que estava com Adriano e uma reconstituição da ação que resultou em sua morte.

No dia em que Adriano Nóbrega morreu, em 9 de fevereiro de 2020, as alegações finais de defesa no processo da Operação Intocáveis estavam prontas para entrega à 4.ª Vara Criminal do Rio (Tribunal do Júri). Em 80 páginas, a defesa contesta todas as acusações, apontam falhas processuais e falta de provas. Pede a absolvição do Capitão Adriano e registra para a história a figura de personagem, diferente do traçado pelo Ministério Público e pela polícia em suas investigações. Capitão Adriano afirmou não ter qualquer vínculo com a suposta milícia, com recursos de origem lícita e afirmou ser alvo de um processo ilegal e abusivo. O advogado Paulo Emílio Catta Preta afirma que o ex-policial foi um “condenado por manchetes”. Além de indicar falta de provas, ilegalidades processuais e cerceamento de direitos de defesa, fez duras críticas ao que classificou de "expediente covarde da acusação. O documento foi entregue à Justiça no dia seguinte à sua morte, durante operação para prendê-lo. Mesmo com a extinção do processo em relação a ele, o defensor registrou que o documento foi apresentado "in memorian como derradeiro ato de sua defesa, já não mais de sua liberdade, mas ao menos o de sua honra".

Defesa final de Capitão Adriano no processo em que teve prisão decretada e foi morto durante operação de captura na Bahia
Defesa final de Capitão Adriano no processo em que teve prisão decretada e foi morto durante operação de captura na Bahia

A defesa de Capitão Adriano afirmou que os promotores não apresentaram provas das “supostas infrações penais (organização criminosa, homicídio e corrupção ativa)” narradas e classifica a acusação de “esquizofrênica”. A defesa ataca também a falta de relação entre a “suposta milícia” e um homicídio atribuído ao grupo, na denúncia -  que levou o processo ao Tribunal do Júri. Questionou ainda o descumprimento de direitos constitucionais e processuais da defesa, como acesso a material das apurações, em especial, a íntegra das interceptações telefônicas dos alvos, e falta de oitiva das testemunhas e defesa.

Adriano da Nóbrega “rechaça absolutamente que pertença à organização criminosa descrita como a milícia de Rio das Pedras”. Segundo a defesa, nenhuma testemunha "sequer afirmou ter presenciado Adriano a deambular na comunidade de Rio das Pedras". "Como pode-se afirmar ser ele o chefe da suposta milícia atuante em tal localidade?." Nem policiais ouvidos indicaram fatos concretos contra o acusado, "atribuindo sempre suas ilações ao solo infértil dos 'informes de inteligência' ou notícias de 'disque-denúncia', elementos absolutamente insuficientes a fornecerem fundamento à decisão" de sentenciá-lo a julgamento no Tribunal do Júri. "Tais elementos informativos, obtidos por 'ouvir dizer' não ostentam valor probatório e não se presta a sequer legitimar a abertura de investigações policiais ou a deflagração de ação penal, quanto mais para se proceder uma sentença de pronúncia!"


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