Como lidar com uma superpotência chefiada por um criminoso de guerra?; leia a análise de Thomas Friedman

Putin comete erros na Ucrânia, muda de estratégia para ter algum resultado positivo, mas uma certeza é que a ordem mundial que conhecíamos mudou

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colunista convidado
Atualização:

Thomas L. Friedman, THE NEW YORK TIMES - É difícil acreditar, mas não é impossível negar, que o abrangente ordenamento que mantinha grande parte do mundo estável e próspera desde o fim da Guerra Fria foi seriamente fraturado pela invasão de Vladimir Putin à Ucrânia. De maneiras que ainda não havíamos considerado, grande parte desse ordenamento jazia sobre a capacidade do Ocidente coexistir com Putin enquanto ele dava uma de “bad boy”, testando os limites da ordem mundial, mas sem violar regras em escala.

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Com a invasão não provocada de Putin à Ucrânia, sua indiscriminada destruição das cidades do país e as matanças em massa de civis ucranianos, ele passou de “bad boy” a “criminoso de guerra”. E quando o líder da Rússia — um país que cobre 11 fusos horários, com vastos recursos em petróleo, gás e minérios e mais ogivas nucleares do que qualquer outro Estado — é um criminoso de guerra e deve ser tratado como pária, é porque o mundo que conhecíamos mudou. Nada poderá ser como antes.

Como o mundo poderá ter uma Organização das Nações Unidas eficaz quando um país liderado por um criminoso de guerra ocupa assento no Conselho de Segurança permanentemente e tem poder de vetar qualquer resolução? Como o mundo poderá ver qualquer tipo de iniciativa global eficaz para combater as mudanças climáticas se não puder colaborar com o país que detém a maior massa terrestre do planeta?

Mural em Los Angeles: "À Ucrânia com amor" 

Como os EUA poderão colaborar proximamente com a Rússia em relação ao pacto nuclear do Irã quando não podemos confiar nos russos de nenhuma maneira e mal nos comunicamos com Moscou? Como isolamos e tentamos enfraquecer um país tão grande e poderoso sabendo que ele poderá se tornar ainda mais perigoso caso se desintegre do que se permanecer forte? Como alimentamos e fornecemos combustível ao mundo a preços razoáveis quando a Rússia sancionada é um dos maiores exportadores de petróleo, trigo e fertilizantes?

A resposta é: não sabemos. O que é uma maneira diferente de dizer que estamos entrando num período de incerteza geopolítica e econômica de um tipo que não testemunhávamos desde 1989 — ou possivelmente desde 1939.

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A situação só promete piorar antes de começar a melhorar, porque Putin parece agora um animal encurralado. Ele não apenas errou demais com sua invasão à Ucrânia; ele também produziu demais o oposto do que almejava alcançar, o que o deixa desesperado por qualquer vitória, a qualquer preço, capaz de obscurecer esse fato.

Putin afirmou que teve de invadir a Ucrânia para afastar a Otan da Rússia, e sua guerra não apenas revigorou a estagnada aliança militar do Ocidente, mas também garantiu a solidariedade da Otan e a modernização de suas armas enquanto Putin permanecer no poder — e provavelmente durante a geração seguinte.

Putin afirmou que teve de invadir a Ucrânia para remover a claque nazista que controlava Kiev e trazer tanto o povo ucraniano quanto o território do país de volta ao seio da Mãe Rússia, ao qual eles pertenciam naturalmente e pelo qual, em sua imaginação, ansiavam. Em vez disso, a invasão de Putin tornou os ucranianos — e até ucranianos anteriormente pró-Rússia — inimigos amargados por pelo menos uma geração e deu carga total ao desejo ucraniano de ser independente da Rússia e integrar a União Europeia.

Putin pensou que uma tomada em estilo blitzkrieg da Ucrânia valeria ao Exército russo o respeito adequado do Ocidente por sua destreza — colocando fim aos insultos que classificavam a Rússia, cuja economia é menor que a do Estado do Texas, simplesmente como “um posto de gasolina que possui bombas nucelares”. Em vez disso, o Exército de Putin acabou revelado como uma força incompetente e bárbara, que precisou alistar mercenários sírios e chechenos apenas para manter suas posições.

Depois de errar tanto e lançar esta guerra por iniciativa própria, Putin deve estar desesperado para mostrar que produziu algo — nem que seja ao menos controle incontestável do leste da Ucrânia, da região do Donbas em direção ao sul, até Odessa, ao longo da costa ucraniana do Mar Negro e conectando-se com a Crimeia. E ele certamente quer que isso aconteça até 9 de maio, para celebrar a conquista na parada do Dia da Vitória, que marca a vitória da Rússia sobre os nazistas na 2.ª Guerra.

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Nova estratégia

Então, parece que Putin está se preparando para uma estratégia em duas frentes. Primeiro, ele está reagrupando suas forças arruinadas e concentrando-as completamente em conquistar e manter esse butim de guerra menor. Em segundo lugar, ele está dobrando a aposta na crueldade sistemática — no contínuo castigo a cidades ucranianas com foguetes e artilharia, para seguir matando o maior número possível de gente, criando o maior número possível de refugiados e provocando a maior ruína econômica que for capaz.

Putin claramente espera que seu reagrupamento de forças frature o Exército ucraniano pelo menos no leste e sua crueldade frature a Otan, à medida que seus Estados-membros fiquem inundados de refugiados e pressionem Kiev a lhe dar o que quiser para fazê-lo parar.

A Ucrânia e a Otan, portanto, precisam de uma contraestratégia eficaz.

A ação deveria ter três eixos. O primeiro é apoiar os ucranianos com diplomacia se eles quiserem negociar com Putin — o que seria escolha deles —, mas também apoiá-los com os melhores armamentos e treinamentos se eles pretenderem expulsar o Exército russo de cada centímetro do território.

O segundo é transmitir diariamente e estridentemente a mensagem de que o mundo está em guerra “contra Putin” e “não contra o povo russo”— exatamente o oposto do que Putin tem contado aos russos. E o terceiro é dobrarmos nosso esforço para acabar com nossa dependência de petróleo, que é a principal fonte da renda de Putin.

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Reação Interna

A esperança é que esses elementos, juntos, coloquem em ação forças dentro da Rússia que destituam Putin do poder.

Sim, é uma proposta de alto risco e alta recompensa. A queda de Putin poderia levar alguém pior ao controle do Kremlin. Também poderia levar a caos prolongado e desintegração. Mas se levar a alguém melhor no Kremlin, com o mínimo de decência e a ambição de reconstruir a dignidade e as esferas de influência da Rússia com base em novas gerações de Tchaikovskis, Rachmaninoffs, Sakharovs, Dostoiévskis e Sergei Brins — não por meio de oligarcas proprietários de iates, hackers e assassinos armados com polônio — o mundo inteiro melhoraria. Inúmeras possibilidades de colaborações sãs ressurgiriam ou seriam forjadas.

O corpo de um soldado russo morto perto de Kharkiv, em 25 de fevereiro Foto: Tyler Hicks

Somente o povo russo tem o direito e a capacidade de mudar seu líder. Mas isso não será fácil, porque Putin, o ex-agente da KGB — cercado por muitos outros ex-agentes de inteligência fiéis a ele — é praticamente impossível de remover.

Mas aqui vai um possível cenário: O Exército russo é uma instituição orgulhosa, que se continuar a sofrer derrotas catastróficas na Ucrânia, posso imaginar uma situação em que ou Putin decapita sua liderança — usando os comandantes de bode-expiatório pelo fracasso na Ucrânia — ou o Exército, sabendo que isso ocorrerá, tente depor Putin primeiro. Nunca houve nenhum tipo de carinho entre o Exército russo e os tipos KGB/SVR/FSB que cercam Putin e garantem sua segurança.

Em suma, que o povo russo produza uma liderança melhor é uma condição necessária para que o mundo produza uma ordem global nova e mais resiliente para substituir a ordem global pós-Guerra Fria, que Putin acaba de despedaçar. Também é necessário, porém, que os EUA sejam um modelo de democracia e sustentabilidade que outros países queiram emular.

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No momento em que ucranianos fazem o sacrifício definitivo para manter cada centímetro e cada grama de sua recém-conquistada liberdade, é muito pedir que os americanos façam sacrifícios e concessões minúsculos para manter nossa preciosa herança democrática? TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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