Dona Conceição não é celebridade e não desfila em carro alegórico, mas se orgulha de brilhar em uma das alas das baianas mais tradicionais do Grupo Especial do Rio. Ontem, acordou pouco antes das 9 horas, ansiosa para representar, no sambódromo carioca, pela 11ª vez consecutiva, a Imperatriz Leopoldinense, escola do coração. Na casa modesta no bairro de Ramos, zona norte do Rio, a carioca, integrante da ala das baianas da agremiação, tomou um café da manhã reforçado, conferiu mais uma vez a fantasia e começou a contar as horas para desempenhar um papel que não é inédito para ela, mas que sempre parece novidade. "Cada ano é uma experiência única. A emoção é tanta que é como se fosse a primeira vez", resume. Costureira, Maria da Conceição Pereira Alcino, de 60 anos, trabalha quase todo dia em um pequeno ateliê em casa e, uma vez por ano, ao lado de mais de 119 mulheres, passa pelos 680 metros da Sapucaí com a enorme fantasia das baianas da Imperatriz. Neste ano, são quase 19 quilos, segundo a escola. "É pesado, mas a empolgação é tanta que a gente aguenta. Quando soltam aqueles fogos - Nossa Senhora! Arrepia tudo!", diz, referindo-se ao foguetório que antecede o desfile de cada escola.A poucas horas do desfile, ela ainda conseguiu tempo para trabalhar. Precisava costurar peças de roupa que lhe tinham sido encomendadas. Nos últimos dias, não deu sossego à máquina de costura para terminar blusas, saias e vestidos que se comprometera a entregar durante o feriado, além de ajustar fantasias de outras alas da agremiação. "Fiquei na máquina a tarde toda para deixar tudo pronto, mas depois eu fico por conta da Imperatriz."Apesar do trabalho, dona Conceição aproveitou parte do domingo para descansar, experimentar a fantasia de Mãe África pela última vez e conferir todos os detalhes. Como ocorre com os atletas, a alimentação também é parte importante da preparação da ala das baianas. Dona Conceição deixou o almoço para mais tarde e, só depois de largar a máquina de costura, preparou macarrão, peito de frango e salada de frutas. "Na semana do carnaval, me cuido e não abuso de nada. Três dias antes, a gente evita bebida alcoólica, por exemplo, e muda a alimentação. Dizem que macarrão dá energia, né? E é sempre bom comer frutas, verduras e legumes."O fim da tarde foi o momento de dedicação total ao desfile. Com a ajuda de uma amiga, levou a fantasia até a quadra e entrou no ônibus que a levou até a Marquês de Sapucaí. O cuidado com as roupas era tanto que os adereços ocupavam boa parte dos assentos e a maioria das baianas viajava em pé ou no chão, cantando o samba-enredo deste ano.Na chegada, todas se uniram para descarregar as sacolas e levá-las até a concentração. "Só mesmo o carnaval para esse esforço todo valer a pena!", diz dona Conceição. Já nos arredores do sambódromo, ainda sobrou tempo para fazer os últimos ajustes nas fantasias, com as mãos habilidosas de costureira. Na concentração, as baianas vivem momentos de dificuldade para colocar as pesadas fantasias. Por causa do peso, conduítes (tubos de plástico utilizados em instalação elétrica) substituíram o ferro na armação das saias, o que exigiu mais tempo para a preparação. Muitas reclamaram ainda do chapéu, largo, e procuravam um jeito de prender o adereço já prestes a entrar na passarela. Dona Conceição não se queixa. "Faz parte da tensão do início do desfile. Quem já tem experiência não se aperta." Ela espera com paciência, alimentando-se com maçãs e kiwi. Para beber, só água. "A responsabilidade da baiana é muito grande. Os outros componentes podem tomar uma cervejinha. Mas a gente gira muito e a cabeça não pode rodar também." HOMEM À FRENTEO comando da ala das baianas é de Raul Cuquejo Marinho, de 61 anos, um dos diretores de harmonia da escola. "Há três anos, quando a ala era mais fechada, eu sabia o nome e o sobrenome de cada uma." Na avenida, Raul oferece água para garantir que todas cheguem à dispersão. Pelo regulamento, toda escola precisa atravessar o sambódromo com, pelo menos, cem baianas. Mas ele garante que o cuidado também é resultado do respeito que tem pelas integrantes. "São pessoas que são a raiz da escola." Para dona Conceição, o ritual se repete desde 2000. "Moro em Ramos há 40 anos, bem perto da quadra, então sempre frequentei os ensaios. Como eu não sei sambar muito bem, achei que na ala das baianas seria mais fácil pegar o ritmo", conta.Minutos antes do desfile, ela não fica nervosa - só ansiosa para representar a Imperatriz diante de 60 mil pessoas e provar que todo sacrifício e uma semana inteira de preparação valeram a pena. "Quando a gente entra na avenida e sente aquele astral, aquela energia... É maravilhoso!"
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