Foi publicada ontem a primeira encíclica de Francisco. Mas, do atual papa, a única coisa certa é a assinatura, dizem os especialistas. O texto Lumen Fidei – Luz da Fé, em português – traz o estilo do papa que renunciou em fevereiro, quando a obra estava inconclusa.
Da linguagem aos teólogos citados, tudo indica que foi Bento XVI o autor da encíclica – carta que o papa escreve aos bispos e fiéis. Mesmo porque a explanação sobre a fé completa a tríade que ele iniciou durante seu pontificado (2005-2013), quando já havia escrito sobre as virtudes da caridade e da esperança.
“É uma encíclica filosófica, com citações eruditas, não tem o ‘cheiro de ovelha’ (referência ao contato próximo com o fiel) de Francisco. Além disso, traz excertos de Santo Agostinho. E Ratzinger (Bento XVI) é um agostiniano nato”, afirma Fernando Altemeyer, teólogo da PUC-SP.
Se há a mão de Francisco, é muito difícil de detectar, afirma o diretor do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba. “Definitivamente, não se pode dizer que foi feita a quatro mãos.” O teólogo acredita que cabe a Francisco duas passagens em que aparece o pronome eu – Bento costuma escrever em terceira pessoa –, além da referência a São Francisco de Assis, de quem o atual papa “emprestou” o nome ao se tornar sucessor de Pedro.
Assinar o texto do antecessor, diz Borba, não é nenhum demérito. “Ao contrário, é sinal de comunhão entre eles.”
Luz. Ao tratar da fé, o texto – composto de 60 itens dispostos em 4 capítulos – deixa claro, desde o início, que não abordará o tema sob o prisma de um conjunto de princípios doutrinais. O objetivo é que o fiel enxergue sua fé como sinalização do amor de Deus pelo homem. “A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida”, diz.
Essa construção textual, explica Borba, se opõe à visão proposta pela modernidade, que via a fé como contraposição à razão. “O que a encíclica diz é que a função do credo não é dizer no que se deve acreditar, mas introduzir a pessoa em um contexto em que ela possa entender o amor de Deus.”
“Não é um exercício teórico. É a fé como uma experiência pessoal, o que cada um de nós acredita”, completa Altemeyer.
Em conversa com o Estado na tarde de ontem, o cardeal arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, avaliou que o documento foi publicado em momento oportuno, já que a Igreja celebra em 2013 o ano da fé. “Bento XVI havia escrito sobre a caridade e a esperança. Faltava então uma encíclica sobre a fé, para completar a trilogia das virtudes teologais”, comentou. “E então ela veio, só que com o papa Francisco. E será muito útil para viver bem o ano da fé, voltar a valorização da fé no seu sentido genuíno. Naturalmente, agora precisamos ler, estudar, absorver aquilo que a encíclica nos traz.”
D. Odilo afirmou que ainda não é possível dizer o que na encíclica é de Bento XVI e o que é de Francisco. “Como não havia tido contato com a encíclica antes da publicação, ainda não foi possível fazer essa análise”, disse. COLABOROU EDISON VEIGA
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