Em outra ocasião, desembarquei em Salvador lá pelas onze da noite e fiz o check-in no hotel Dom Passos, no centro. Eu não havia jantado e estava morta de fome. Mas o hotel não tinha serviço de quarto, então fui saindo para procurar um bar onde pudesse comer um sanduíche.
O recepcionista me impediu de passar pela porta, dizendo que aquela região era muito perigosa naquele horário. Eu insisti, dizendo que era rapidinho e que a minha barriga estava roncando. Ele protestou de novo e me pediu para esperar um instante. Ouvi o moço remexendo na despensa e abrindo a geladeira. Naquela noite, ganhei um sorvete Magnum que ele provavelmente tinha guardado para comer de madrugada; também não quis cobrar pelo acepipe. Voltei para o quarto, tomei o sorvete e me senti meio digna de pena, feito a Vivian Leigh em Um Bonde Chamado Desejo.
A clássica personagem de Tennessee Williams é uma viúva alcoólatra e desgraçada que, no fim da peça, é violentada pelo cunhado e termina num manicômio, mas vamos ignorar tudo isso e ficar apenas com a sua famosa frase: “Sempre dependi da bondade de estranhos”.
Em certa medida, dependemos sempre da bondade de estranhos em nossos momentos mais vulneráveis – penso, por exemplo, em uma vez que desmaiei na cafeteria do hemocentro da Santa Casa, e em como fiquei irritada quando acordei com uma porção de gente perguntando o meu nome, quando eu evidentemente só estava ali no chão tirando um cochilo.
Lembro de cair no choro na farmácia da UBS Santa Cecília porque a atendente não quis me dar um antidepressivo por causa da receita incompleta – eu claramente estava precisando – e ser consolada por um velhinho muito piedoso; e do pessoal do bar Zé do Bacalhau (Rua Marins de Araújo Viana, 115), que ajudou a minha mãe quando ela tropeçou na rua e quebrou os óculos; e de um sujeito que desceu uma escadaria com o meu carrinho de compras enquanto eu carregava uma cachorra abandonada no colo – estranhos ajudando estranhos ajudando cachorros. Às vezes, uma pequena gentileza aleatória é só o que nos salva.
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