Enquanto teve forças, Dilma tentou manter pessoas de sua confiança nos postos-chave do primeiro escalão, principalmente na equipe que a cerca no Planalto. Acabou cedendo, por um lado, à cobiça dos peemedebistas por órgãos com orçamentos robustos e, por outro lado, à evidência de que não poderia contar minimamente com o apoio de seu próprio partido enquanto não se curvasse às exigências do chefão da tigrada.
Derrotada, Dilma tomou duas decisões que simbolizam, na prática, a transferência, em comodato, da Presidência da República: entregou o Ministério da Saúde, o maior orçamento da Esplanada, ao baixo clero do PMDB na Câmara e a Casa Civil a um homem de confiança de Lula, o ex-governador da Bahia e atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.
A entrega do Ministério da Saúde nas condições em que está ocorrendo demonstra o enorme despudor das hienas do PMDB que se lançaram com avidez sobre os despojos de um governo moribundo. Isso é consequência, também, da mentalidade política que predominou em certos círculos próximos do poder e que foi cevada pelas práticas viciosas do projeto de poder urdido pelo lulopetismo. Enquanto pôde, o PT tripudiou sobre seus aliados no tal “presidencialismo de coalizão”. Agora, em crise, recebe o troco.
Lula, por sua vez, depois de ter amargado e sofrido, nem sempre em silêncio, com a teimosia e a crescente ousadia de sua criatura de ganhar vida própria, está se reconciliando com o alto conceito que tem de si e, com isso, alimenta esperanças crescentes de que possa tirar ele próprio e o PT da beira do abismo em que se encontram.
Ocorre que as manobras em curso para a reconfiguração da cena política, destinadas a proporcionar maior sobrevida a um governo desmoralizado, são contraditórias entre si mesmas.
Dilma já sabe que, para não ser definitivamente engolfada pela crise – pois aprendeu depois de apanhar muito –, precisa, primeiro, colocar as contas do governo em ordem, para depois, a partir de bases minimamente sólidas, partir para o enorme desafio da retomada do crescimento e da ampliação dos programas sociais.
A austeridade necessariamente implícita nas medidas do ajuste fiscal, no entanto, conflitam claramente com os interesses das forças partidárias ditas aliadas – inclusive, é claro, o PMDB –, que por cálculo eleitoral tenderão a não apoiar propostas impopulares. O próprio PT jamais disfarçou sua oposição ao ajuste fiscal e à “política econômica” que alega estar em vigor. Agora, com Dilma cedendo pontos a Lula, o partido estará muito mais à vontade para “defender os interesses dos trabalhadores”.
Isso quer dizer que Dilma, entregando os anéis para salvar os dedos, não tem a menor garantia de que doravante contará com apoio no Parlamento. Como afirmou recentemente Fernando Henrique Cardoso, ela “não governará, será governada”.
Ao PMDB, a ampliação de seus domínios na Esplanada dos Ministérios pode significar apenas um ensaio para o pós-Dilma. Para Lula e o PT, a ampliação da influência do PMDB no governo pode propiciar, no limite, um bom pretexto para sair da defensiva e partir para o ataque, o que é sempre a melhor tática, em termos eleitorais. Em qualquer caso, Dilma permanece num beco sem saída.
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