Com 3 anos, Tathiana Piancastelli entrou numa escola de circo em São Paulo, onde nasceu. Lá, deixou sua primeira manifestação de desenvoltura na arte corporal e paixão pelo palco. Depois disso, atuou em uma série de peças amadoras em Campinas e em outras partes do mundo até dois anos atrás, quando estreou numa peça profissional. Menina dos Meus Olhos fez sucesso em Nova York em 2013 e agora chega ao sul da Flórida para apresentação dias 17-19 de julho, como parte do 30º Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami.
Pela primeira vez, o festival, que vai de 9 a 26 de julho, vai homenagear o Brasil pela sua contribuição à cultura ibero-americana. Também pela primeira vez, uma peça profissional é escrita e protagonizada por uma escritora e atriz com síndrome de Down.
Tathi, como é conhecida, fará sua primeira apresentação em Miami, onde mora com a família há quatro meses, e de onde está saindo para uma turnê mundial da peça. "Juntei meu sonho com minha inspiração", diz Tathiana, com convicção, às vésperas de completar 31 anos, em 14 de julho. "Aqui é o meu lugar."
E "aqui" não é só Miami, mas principalmente a realização de seu sonho desde jovem: ser atriz. O que ela não imaginava é que a peça teria uma repercussão tão positiva, quebrando novas barreiras na sua vida e na de outros que sofrem discriminação por serem "diferentes".“Uma coisa que quero muito é diminuir o preconceito”, diz Tathi, que é uma das “embaixadoras” da campanha “Ser Diferente É Normal”, uma iniciativa da ONG Instituto MetaSocial, co-fundada há 23 anos pelos seus pais, Patricia e Fernando Heiderich. "Estou cumprindo minha parte."
De acordo com os dados mais recentes, 300 mil pessoas vivem com síndrome de Down no Brasil e 400 mil, nos Estados Unidos. A peça, uma produção da companhia de teatro de Nova York Nettles Artists Collective, conta a história de Bella, uma adolescente tratada como escrava pelo marido escolhido pelos pais, e que vive preconceitos por causa da síndrome de Down, buscando amor e aceitação.
Uma das fundadoras da Nettles Artists, a curitibana Débora Balardini, atriz e diretora atuante em diversos países, dirige o espetáculo. "Quando a Tathiana veio trabalhar comigo, a primeira coisa que falei é que não ia mudar meu jeito de trabalhar porque ela tinha síndrome de Down - não existe nenhum motivo para eu me adaptar", diz ela. "O que gostei do texto da Tathiana e dela é que ela é uma pessoa que não tem filtros, não faz julgamento. O trabalho que eu faço é sem filtro, sem julgamento - ela se encaixou na mentalidade da companhia."
Fernando Heiderich, pai da Tathiana, foi grande executivo de multinacionais como a Merck, e se mudava com certa frequência com a mulher Patricia e as três filhas, Tathi, Ana Cibele, mais velha, e Debora, a caçula, conforme a necessidade da empresa.
Depois de três anos na Holanda, em 2012, ele foi transferido para Nova York. Lá, Tathiana se encantou com os shows da Broadway e começou a buscar um curso de teatro. "Estava procurando no iPad, computador. Foram dois, três meses para achar", conta. "De repente, achei a Débora [Balardini]."
E sua inspiração foi crescendo a cada show que assistia. "Eu me achei, me deu mais vontade de ser atriz." Assim, pensou: "por que não escrever uma peça de teatro?", conta. "Foi aí que surgiu [a ideia da peça] - dei para ela [Débora] ler, e ela gostou."
Depois de Miami, a peça segue em turnê para Inglaterra e Holanda, programas já agendados no inicio do próximo ano, e outros destinos ainda em negociação.
Patricia, coordenadora de projetos do Instituto MetaSocial, acha importante levar a peça para várias entidades, como as Nações Unidas, onde Tathiana representou o Brasil e fez uma palestra na celebração do Dia Internacional da Síndrome de Down em 21 de março de 2012. Mas ainda mais vital para ela, diz, é levar o espetáculo teatral ao grande público.
"É uma peça de teatro, de entretenimento", diz. "É profissional. A gente quer ver a peça na rua, nos grandes teatros." Fernando, que acaba de se aposentar para se dedicar integralmente à causa da inclusão social na área de empregabilidade, concorda e vai mais longe. "Meu sonho é levar a peça para o Sesi-SP, ir para Rua Augusta, para a Paulista", diz o pai.
"Estamos buscando parceiros para que a peça tenha sua turnê no Brasil como qualquer peça de teatro." Ele diz que a empregabilidade não é mais só questão de conscientização social, segundo um novo estudo da McKinsey & Company, uma das maiores empresas de pesquisa e consultoria do mundo.
"Agora está provado que, quando se contrata uma pessoa com deficiência intelectual na sua empresa, a efetividade operacional aumenta - e isso vem principalmente do aumento da inteligência emocional na área onde trabalha uma pessoa com deficiência intelectual", diz. "É uma boa prática de gestão. A produtividade é simplesmente uma consequência."Já para Tathi, o mais importante é seguir em frente, com confiança. "Eu posso fazer. Eu sei que posso fazer", diz, segura. E foi com essa atitude sempre positiva que fez Ser Diferente, um dos projetos do Instituto MetaSocial. É um programa de entrevistas e dicas, lançado em 2010, na internet e na TV comunitária em Campinas. No início deste ano, saiu do ar por estar em negociação com uma TV comercial no Brasil.
"Nunca se sabe o que vem por aí. Estou aqui esperando as oportunidades - e estarei lá”, diz Tathi, que brinca que, aconteça o que acontecer, “não sou ‘ta se’, e nem quero ser ‘tá se achando’”.O objetivo principal da família desde que Tathi nasceu tem sido a conscientização e inclusão social para diminuir o preconceito do que e quem é aparentemente “diferente”. Viva as Diferenças foi a primeira revistinha do cartunista Mauricio de Souza sobre a Tati, seu personagem inspirado na Tathi.Hoje, Tati faz parte integral, incluída nas historinhas da Turma da Mônica, como a Dorinha, que é cega, e outros com alguma deficiência.
"O que me entristece é o preconceito - não gosto. É muito triste", diz Tathi. "Minha inspiração veio para poder combater isso. Tem uma turminha, em uma das entrevistas, que escreveu que sou ‘portadora’ da síndrome de Down. Não tem portadora - apaga isso - tenho síndrome de Down."
Mas Tathi sabe que ninguém muda de um dia para o outro e sua luta é constante. "Não é o que eu faço que vai mudar uma pessoa, de repente, de uma hora para outra", diz. "É a pessoa que tem que mudar."
No vídeo, a atriz Tathiana Piancastelli conta o segredo de seu sucesso e deixa mensagem para jovens com síndrome de Down: "Você pode!"
A atriz Tathiana Piancastelli deixa mensagem para jovens com síndrome de Down. Por Chris Delboni. from Chris Delboni on Vimeo.
Serviço:
Menina dos Meus Olhos - história da Bella, uma adolescente em busca de amor e aceitação social.Por ter síndrome de Down, ela é tratada como escrava pelo marido escolhido pelos pais. A peça tem um elenco de 10 atores, com direção de Débora Balardini, da companhia de teatro Nettles Artists Collective . A peça é em português com legenda em inglês projetada em um telão.
Apresentação em Miami
30º Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami, com apoio do Consulado do Brasil em Miami
Dias 17 - 19 de julho, 2015
Teatro Koubek Center - 2705 SW 3rd St., Miami, FL 33135 Ingressos: http://www.koubekcenter.org/events.aspx ou http://www.brownpapertickets.com/event/1585487
Para doar e apoiar a peça: https://www.indiegogo.com/projects/apple-of-my-eye- menina-dos-meus-olhos-tour-run#/story
Para mais informações de Tathiana Piancastelli - www.tathianapiancastelli.com
Para mais informações da ONG Instituto MetaSocial - www.metasocial.org.br
Twitter: @chrisdelboni
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