O racionamento de água em São Paulo não é culpa de São Pedro, mas, sim, das autoridades, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da falta de investimentos. Quem faz o alerta é a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à água, a portuguesa Catarina Albuquerque, que apresentou nesta terça-feira, 9, diante da entidade, um informe em que acusa o governo brasileiro de não estar cumprindo seu dever de garantir o acesso à água à totalidade da população. "O culpado parece ser sempre São Pedro", ironizou em declarações ao jornal O Estado de S. Paulo. "Concordo que a seca pode ser importante. Mas o racionamento de água precisa ser previsto e os investimentos necessários precisam ser feitos", disse. "A responsabilidade é do Estado, que precisa garantir investimentos em momentos de abundância", insistiu.Segundo ela, o racionamento de fato pode ser necessário em algumas situações. "Mas apenas como última opção e depois que as demais opções tenham sido esgotadas", alertou.Para a relatora da ONU, não faz sentido a Sabesp ter suas ações comercializadas na Bolsa de Nova York e na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), enquanto a cidade convive com problemas. "Antes de repartir lucros, a empresa precisa investir para garantir que todos tenham acesso à água", declarou. "O número de pessoas vivendo sem acesso à água e saneamento às sombras de uma sociedade que se desenvolve rapidamente ainda é enorme", declarou a relatora em seu discurso na ONU, nesta tarde em Genebra. Segundo seu informe, um abastecimento de água regular e de qualidade ainda é uma realidade distante para 77 milhões de brasileiros, uma população equivalente a todos os habitantes da Alemanha.A ONU ainda aponta que 60% da população - 114 milhões de pessoas - "não tem uma solução sanitária apropriada". Os dados ainda revelam que 8 milhões de brasileiros ainda precisam fazer suas necessidades ao ar livre todos os dias. O Estadão revelou em junho de 2013 que a representante das Nações Unidas teve sua primeira inspeção para realizar o levantamento vetada pelo governo. A visita estava programada para ocorrer em julho do ano passado. "O governo apenas explicou que, por motivos imprevistos, a missão não poderia mais ocorrer", declarou à época Catarina de Albuquerque. Internamente, a ONU considerou que o veto tinha uma relação direta com os protestos que, em 2013, marcaram as cidades brasileiras. A viagem só aconteceria em dezembro de 2013, o que impediria que o informe produzido fosse apresentado aos demais governos da ONU e à sociedade civil antes da Copa do Mundo. Agora, o raio X reflete uma crise que vive o País no que se refere ao acesso a água e saneamento. "Milhões de pessoas continuam vivendo em ambientes insalubres, sem acesso à água e ao saneamento", indicou o informe, apontando que o maior problema estaria nas favelas e nas zonas rurais. RespostaO governo brasileiro indicou que o acesso à água e ao saneamento é "uma prioridade", que a população mais pobre recebe uma atenção especial e que o governo tem "aumentado de forma significativa os investimentos em saneamento ao transferir recursos para Estados e municípios". "Houve um aumento nos orçamentos de fundos especiais para promover investimentos em infraestrutura de água e saneamento", indicou a embaixadora do Brasil na ONU, Regina Dunlop. "Temos um compromisso com a eliminação de desigualdades, dando prioridades para os mais vulneráveis", insistiu a diplomata, indicando que as populações das favelas não são esquecidas. Entre as medidas, a diplomata aponta investimentos de R$ 21,5 bilhões pelo governo em moradia, acesso à água, serviços de esgoto e revitalização urbana. O governo também sugere que a relatora fizesse uma viagem mais ampla ao Brasil e alerta para a dimensão do território nacional.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.