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A consequência do rearmamento

Aumento de roubos e furtos de armas de CACs é fruto da irresponsabilidade de Bolsonaro

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Por Notas & Informações
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Para surpresa de rigorosamente ninguém, o número de roubos e furtos de armas de fogo adquiridas legalmente por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) triplicou entre 2018 e este ano, segundo um balanço do Exército, instituição responsável por registrar e fiscalizar os armamentos em poder dos CACs no País. Em 2018, de acordo com o relatório da Força Terrestre, foi registrada uma média mensal de 62,5 ocorrências desse tipo. Até 9 de outubro de 2024, a média havia saltado para 180,7 roubos e furtos por mês.

É incontornável associar esse terrível indicador à política de afrouxamento das exigências para a aquisição de armas de fogo por CACs durante o trevoso mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República, entre 2019 e 2022. Entre os não poucos desdobramentos infaustos da obsessão de Bolsonaro em armar a população brasileira até os dentes, o desvio de armas de fogo adquiridas legalmente pelos CACs para as mais perigosas organizações criminosas em atividade no País é seguramente o pior.

Não demorou para que facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), entre outras, vissem na ascensão dos CACs um potencial mercado fornecedor de armas de fogo para suas atividades delitivas, sobretudo as armas de grosso calibre, muito utilizadas na guerra pelo controle de rotas do tráfico de drogas e em ações do chamado “novo cangaço”.

Por meio de laranjas, que falsificam documentos para obtenção do certificado CAC, as facções passaram a pagar preços significativamente menores do que os praticados no mercado ilegal de armas. Para os bandos, CAC se tornou sinônimo de bons negócios, pois a aquisição de fuzis, carabinas e pistolas automáticas antes restritas às Forças Armadas e às polícias representa uma economia de até 70% em relação aos preços cobrados por contrabandistas.

Às fraudes para obtenção dos certificados, que também cresceram exponencialmente dada a incapacidade material e humana do Exército para exercer a devida fiscalização sob a pressão de uma demanda que não parou de crescer, somam-se esses roubos e furtos de armamento, tanto de lojas autorizadas a vendê-lo como dos cidadãos que o adquiriram legalmente.

O Estadão apurou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública trabalha com o Exército na formulação de uma nova política para os CACs, a vigorar a partir de 2025. Entre as mudanças cogitadas está a transferência da competência para registro e fiscalização para a Polícia Federal (PF). Pode ser um caminho, embora as mesmas limitações que o Exército alega ter para cumprir bem a sua atribuição decerto serão apresentadas pela PF caso eventualmente assuma o encargo.

O que interessa para a sociedade, a vítima maior desse combo perigosíssimo que inclui grande circulação de armas de fogo nas ruas e descontrole de sua origem, é que a fiscalização e o rastreio dessas armas sejam mais bem feitos – se pelo Exército, pela PF ou por qualquer outra instituição, pouco importa.