O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, acaba de criar uma tese inovadora para resolver a infindável crise fiscal de seu Estado. Não quer mais pagar os juros correspondentes aos empréstimos que o Estado tomou nos últimos anos, todos avalizados pela União. O argumento? A União não é um banco e, por isso, não pode cobrar juros, apenas mora. “Um ente público não tem que ganhar dinheiro em cima do outro”, disse.
Há que reconhecer: não falta audácia ao governador, que promete apresentar essa proposta indecorosa ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Isso praticamente zera nossa dívida, já que ela é basicamente juros”, afirmou. “Já conversei com cinco ministros do Supremo e todos concordaram”, acrescentou.
Espera-se que o STF não dê guarida à mais nova investida de Castro. A tese, além de infantil, não esconde a má-fé. O Rio de Janeiro, afinal, sempre foi um dos maiores beneficiários do programa. Foi o primeiro Estado a aderir ao regime, em 2017. Obteve o alongamento de suas dívidas, mas nunca cumpriu as condicionantes à risca, que incluíam contenção de despesas, redução de benefícios fiscais e privatização de estatais, entre outras.
No caso mais escandaloso, o Rio de Janeiro chegou a tomar um empréstimo para pagar salários atrasados e deu como garantia os recursos da venda da privatização da Cedae. Não pagou a dívida e, naturalmente, coube à União quitá-la.
Ainda assim, em 2022, à revelia da orientação dos técnicos do Ministério da Economia, Castro conseguiu aval do governo de Jair Bolsonaro para renegociar seu plano de recuperação fiscal. Já se sabia que as receitas do Estado iriam minguar – e não crescer, como o plano prometia – com a mudança na lei de ICMS sobre combustíveis, mas o governador era aliado do ex-presidente. De forma oportunista, ele só se insurgiu contra a legislação depois de reeleito, sem apontar culpados ou reconhecer o custo de sua própria omissão.
Por mais ridícula que a investida de Castro seja, não é prudente ignorá-la. Embora foque nos juros, seu verdadeiro alvo são as contrapartidas do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que cobram dos Estados uma atuação mínima que os conduza ao reequilíbrio fiscal. O programa, por óbvio, sempre pode ser melhorado, mas aprimorá-lo passa longe das intenções do governador.
O que Castro quer é autorização para gastar sem qualquer compromisso de redução de despesas. São as mesmas contrapartidas que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tem sido incapaz de cumprir por resistências políticas, e que têm impedido o Estado de entrar no programa.
Ora, se estar no RRF fosse realmente tão ruim, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, não teria pedido ao Ministério da Fazenda para continuar nele, a despeito da melhoria de seus indicadores fiscais. Certo é que a União não pode compactuar com essas atitudes, não apenas por uma questão moral, mas, sobretudo, porque é ela, a União, quem arca com o custo da imprudência alheia.