A visita ao Japão do presidente Lula da Silva, à frente de uma ampla comitiva com lideranças políticas e empresariais, celebrou 130 anos de relação bilateral com o Brasil. Um encontro com caráter de visita de Estado não é algo trivial no Japão e comporta, entre outras honrarias, uma recepção da família imperial. Para dar uma ideia, o último presidente brasileiro prestigiado numa cerimônia desse tipo foi Fernando Henrique Cardoso em 1996, e o último líder em todo o mundo foi o presidente dos EUA, Donald Trump, em 2019. Mas, além das coreografias diplomáticas, a viagem coroou anos de tratativas entre as Chancelarias, produzindo efetivamente avanços concretos num momento de incertezas globais.
O Japão, a segunda maior economia da Ásia e a quarta maior do mundo, é o 11.º maior destino das exportações brasileiras, em especial de carnes aviárias, minérios e cereais, e a 10.ª maior origem das importações brasileiras, em especial de maquinário industrial, veículos e peças automotivas, totalizando um fluxo comercial de US$ 11 bilhões, com ligeiro superávit para o Brasil.
Os dois países assinaram 10 acordos bilaterais e 80 instrumentos de cooperação em áreas estratégicas como energias renováveis, proteção ambiental e pesquisa e desenvolvimento. Lula e o premiê Shigeru Ishiba concordaram em realizar reuniões de cúpula a cada dois anos e estabeleceram a meta de elevar o comércio bilateral para US$ 17 bilhões. Uma das conquistas imediatas foi a venda de 15 jatos da Embraer para a All Nippon Airways, um negócio de aproximadamente R$ 10 bilhões.
A pauta mais importante do ponto de vista brasileiro, a abertura do mercado japonês para a importação de carnes vermelhas e biodiesel, não chegou, como já se previa, a ter um desfecho, mas avançou significativamente. Após décadas de negociações, Ishiba deu o primeiro e mais importante passo, anunciando o envio de equipes de técnicos japoneses ao Brasil para avaliações sanitárias. Houve também sinalizações em relação a um acordo comercial com o Mercosul, ainda que essa seja uma pauta mais incipiente e incerta.
O estreitamento dos laços diplomáticos e a construção de pontes comerciais interessam a ambos os países num momento de tensões geopolíticas e incertezas econômicas acentuadas pelo governo errático de Donald Trump nos EUA. Ao Japão, por exemplo, interessa competir com a China na América Latina. Sem mencionar diretamente Trump, Lula criticou as ameaças ao multilateralismo e ao livre comércio. “Não queremos mais muros. Não queremos mais guerra fria”, disse Lula ao lado de Ishiba.
Mais do que ironia, há uma certa justiça poética quando o líder do partido de esquerda que conquistou cinco dos últimos seis mandatos presidenciais no Brasil, um dos países mais fechados do mundo, recrimina o protecionismo de um presidente de direita dos EUA. Lula fingindo ser paladino do livre comércio é um sinal desses tempos caóticos.
A necessidade é a mãe da invenção, e o Brasil realmente necessita de novos fluxos comerciais, como os que se desenharam no Japão. A questão é até que ponto as palavras de Lula exprimem uma real convicção ou são mero contraponto oportunista a Trump.
Uma sinalização concreta do anseio de integração do presidente, por exemplo, seria a adesão do Brasil à OCDE, o fórum das democracias liberais, mas essa pauta foi jogada em alguma geladeira do Planalto. Se Lula está incomodado com as barreiras protecionistas que se erguem no exterior, não faltam muros ao livre comércio para serem derrubados aqui – regimes alfandegários complicados, restrições a importações, exigências de conteúdo local, custos sobre exportações –, isso sem falar de um Estado balofo e endividado, que impõe impostos altos, juros pesados e um ambiente de negócios inóspito, que afasta investimentos, prejudica a produtividade e impede que os produtos brasileiros sejam mais competitivos aqui e no exterior.
É muito positivo ver Lula combatendo o protecionismo em países desenvolvidos. Mas seria muito mais positivo para o desenvolvimento do Brasil se ele fizesse seriamente a lição de casa aqui.