A arrecadação do governo federal teve um aumento real de 9,62% no ano passado e alcançou o valor recorde de R$ 2,65 trilhões, segundo a Receita Federal. O resultado “espetacular”, nas palavras do secretário Robinson Barreirinhas, foi atribuído às medidas para recuperar receitas e ao crescimento da economia, mas a inflação também contribuiu para reforçar o caixa.
O governo comemorou o sucesso de iniciativas apresentadas logo que Lula da Silva tomou posse e que renderam recursos extras no ano passado. Foram R$ 13 bilhões decorrentes da taxação dos fundos exclusivos dos super-ricos e R$ 7,670 bilhões com a tributação sobre ganhos de fundos offshore, além de R$ 18,3 bilhões em ações de conformidade entre Fisco e contribuintes.
O uso de créditos tributários para abater outros impostos, que vinha reduzindo a arrecadação federal há anos, caiu para R$ 236,85 bilhões em 2024, ante R$ 248 bilhões no ano anterior. O motivo foi o limite ao uso desses direitos decorrentes de decisões judiciais, proposto pelo governo por meio de medida provisória e aprovado pelo Congresso após o julgamento da chamada “tese do século”.
Em contrapartida, o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) gerou enorme frustração ao governo. Quem esperava receber R$ 55 bilhões teve de se contentar com 0,5% disso, ou R$ 307 milhões. O governo, enfim, reconheceu que a metodologia da Fazenda não se mostrou crível, o que exigirá um ajuste e tanto na projeção de receitas deste ano, de R$ 28,5 bilhões.
Excluídos os fatores não recorrentes, a arrecadação aumentou 7,64% em termos reais no ano passado, o que ainda é um resultado muito positivo. Comparando o desempenho de dezembro ao do mesmo mês de 2023, a arrecadação subiu 7,78% em termos reais e resultou no melhor desempenho para o mês de toda a série histórica, iniciada em 1995.
Se o crescimento econômico ajudou as receitas, o problema é que ele veio acompanhado de inflação, que também turbina a arrecadação. E nem mesmo esse desempenho foi suficiente para equilibrar as contas públicas. O País encerrou o ano de 2024 com um déficit de R$ 43 bilhões. Excluídos os gastos com as enchentes no Rio Grande do Sul e o combate a queimadas no Norte e Centro-Oeste, o rombo cai a R$ 11 bilhões – dentro, portanto, da meta fiscal, que permitia um déficit de até R$ 28,8 bilhões.
O resultado é uma evolução e tanto em relação ao enorme saldo negativo de R$ 228,5 bilhões registrado em 2023. Parte desse rombo se deve à antecipação de despesas como o pagamento dos precatórios, represados durante o governo de Jair Bolsonaro, bem como à postergação de receitas que poderiam ter entrado antes no caixa do Tesouro. Em poucas palavras, o governo Lula da Silva fez a escolha de piorar o resultado de 2023 para melhorar o de 2024.
Nada indica que o comportamento das receitas será o mesmo em 2025. Fatores não recorrentes, como a taxação do estoque dos fundos exclusivos, não se repetirão, e a projeção para o crescimento da economia deste ano é bem mais modesta que a do ano passado, o que tende a desacelerar a arrecadação. O Congresso, ademais, já mostrou que a política de recuperação de receitas atingiu seu limite.
As despesas, por outro lado, têm tido um comportamento bem mais previsível e crescido ano a ano, muitas delas acima da inflação, a despeito do arcabouço fiscal. Sobre elas pouco se fala, e, após a decepção causada pelo esvaziado pacote de corte de gastos no fim do ano passado, Lula da Silva deixou claro que novas medidas, a depender dele, não virão. Qualquer ajuste, se vier, somente em 2027; até lá, o governo empurrará o problema fiscal com a barriga.
O maior risco é que a perda de popularidade de Lula da Silva incentive medidas populistas que ampliem ainda mais as despesas e que impulsionem a trajetória da dívida bruta. Não faltará no governo quem aposte que o recorde de arrecadação poderá se repetir infinitamente e quem veja nesse resultado a prova de que a política econômica do governo tem dado certo – ilusões que custarão caro ao País.