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Assimetria de informação na reforma tributária

Enquanto grupos de trabalho fingiam se dedicar à regulamentação da reforma, os debates mais relevantes sobre o tema ocorriam a portas fechadas, sem a participação dos contribuintes

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Por Notas & Informações
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Os grupos de trabalho que discutem a regulamentação da reforma tributária preveem apresentar o parecer final no dia 3 de julho. Falta, portanto, uma semana para que a sociedade saiba os detalhes sobre o funcionamento dos futuros impostos que incidirão sobre bens e serviços e do Comitê Gestor que fará a distribuição das receitas arrecadadas entre Estados e municípios.

O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), havia se comprometido a apreciar os textos em plenário até o fim do primeiro semestre. Depois do dia 17 de julho, o Congresso entrará formalmente em recesso e, a partir de agosto, os deputados deverão se dedicar às eleições municipais.

A boa notícia é que o prazo para concluir a discussão das propostas na Câmara será cumprido, o que é essencial para que a reforma possa entrar na fase de transição, que começa em 2026. A ruim é que isso ocorrerá sem que tenha havido o mínimo de transparência sobre o conteúdo das propostas.

Os grupos de trabalho formados para debater os textos o fizeram de maneira pro forma. Nada de relevante aconteceu por lá. Eles foram formalmente instalados em maio, mas a fase de audiências públicas já está praticamente encerrada. Nesta semana, os parlamentares foram dispensados de comparecer em Brasília para não perderem as festividades de São João em seus municípios e participar da já tradicional feira anual do turismo institucional promovida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em Lisboa.

Lira não definiu relatores. A previsão é que os 14 membros dos dois grupos de trabalho devam assinar e ler os pareceres de maneira conjunta. Convenientemente, ninguém deixará sua digital na proposta. Não que os debates sobre os textos não tenham ocorrido. As discussões mais relevantes foram feitas em reuniões pretensamente técnicas – portanto, fechadas – entre os deputados, o governo e as partes interessadas, cujo teor certamente era de conhecimento dos líderes partidários.

Só quem não sabe o que virá na próxima semana é o contribuinte, que não foi convidado a participar das conversas. O pouco que se sabe se deve à imprensa. Nesta semana, por exemplo, o Estadão revelou que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) defende taxar carros elétricos com o chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre produtos e atividades que causem danos à saúde e ao meio ambiente.

Já se sabia que a ideia do governo era sobretaxar automóveis leves, vans e veículos de carga com o Imposto Seletivo, mas o detalhe é que, diferentemente deles, os carros elétricos não emitem poluentes, o que – em tese – os isentaria desse imposto. O Mdic, no entanto, pensa diferente, e alega que as baterias dos veículos elétricos são fabricadas na China, a partir de fontes de energia suja.

Para o coordenador do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, Francisco Mata Machado Tavares, a lógica do governo de sobretaxar as atividades, e não a emissão de carbono em si, é ultrapassada. “Parece que criamos um tributo dos anos 1970 para enfrentar problemas do século 21″, afirmou, no que tem toda a razão. Para o vice-presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, a medida parece ter fim meramente arrecadatório, no que também tem toda a razão.

Muitas outras discussões estranhas ocorreram nos grupos de trabalho. Reportagens deste jornal revelaram uma silenciosa investida de Estados e municípios para tentar reforçar a arrecadação por meio de mudanças em impostos como IPVA, IPTU, ITBI e ITCMD e de taxas como a Cosip, que nada tinham a ver com a reforma sobre bens e serviços.

Enquanto os grupos de trabalho fingiam trabalhar, a Câmara se dedicava a acelerar todo tipo de assunto neste mês, da anistia às multas aplicadas aos partidos pela Justiça Eleitoral à proibição de delações premiadas por presos, passando pela lei que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em caso de gestação resultante de estupro.

Não deixa de ser simbólico que um tema que afetará o dia a dia das empresas e do consumidor e, por óbvio, o próprio crescimento da economia tenha sido tratado de forma tão opaca pelos deputados.