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Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Melhor não parir o monstrengo tributário

É preferível gastar mais tempo para gestar uma reforma que resolva, para valer, os problemas estruturais do ICMS: guerra fiscal e tributação concentrada na origem

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Para salvar a proposta de reforma tributária, será preciso resolver os problemas cabeludos do texto. Não é à toa que o cronograma está atrasado. Aliás, é melhor caminhar devagar ou vamos fazer grandes e custosas bobagens. O lema dos ideólogos da PEC 45 é um só: nada pode ser pior do que o quadro atual. Ledo engano. O pecado mortal, de apostar numa reforma megalômana, não foi ainda expurgado. Tenta-se superá-lo com penduricalhos, cedendo a múltiplas pressões. O resultado é um monstrengo tributário. Eu avisei.

No segundo governo do presidente Lula, tentou-se avançar com uma reforma similar à atual. São Paulo exerceu papel importante, à época, para barrar aquela aventura, com o governador José Serra e o secretário da Fazenda Mauro Ricardo Costa. Na etapa de tramitação na Câmara dos Deputados, o governador Tarcísio de Freitas apresentou uma alternativa ao chamado Conselho Federativo, órgão que comandará o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), baseada em sistema de compensações entre os Estados. Essa discussão precisa ser feita.

A teimosia de quem nunca experimentou as dificuldades dos Estados na pele fundamenta-se numa aposta cega no conhecimento teórico da matéria. Questões como o sistema de créditos e débitos do novo tributo subnacional; a dissolução de conflitos entre Fisco e contribuinte; a garantia da autonomia federativa; o cálculo das alíquotas; a gestão dos novos impostos criados; a lógica do chamado Imposto Seletivo (IS); o número de exceções à alíquota de referência; o desenho dos regimes específicos; o desdobramento das exceções do artigo 9.º da PEC; o custo impeditivo dos fundos; entre outras, ficarão todas para lei complementar.

Há um risco enorme de dar besteira. Cada discussão, no bojo dos futuros projetos de lei complementar, vai ensejar a abertura de mais e mais trincheiras. As intermináveis negociações só poderão redundar, prevejo, numa conformação pior do que a atual. Já falei neste espaço: trata-se do Teorema da Impossibilidade de Arrow, segundo o qual o resultado do atendimento de demandas individuais resulta num equilíbrio ruim para a coletividade.

Nas democracias consolidadas, as reformas são incrementais. Foi assim com as questões previdenciária e trabalhista, por exemplo. Na tributária, não deveria ser diferente. Ao optar por uma revolução no capítulo tributário da Constituição, a PEC 45 vai conseguir a proeza de piorar o sistema vigente. Por isso, melhor atrasar a tramitação a colocar em risco a economia e o equilíbrio federativo.

A reforma tributária deveria resolver a guerra fiscal entre os Estados e a concentração do ICMS na origem das operações interestaduais. A migração para o destino depende de uma mudança na Resolução do Senado Federal n.º 22, de 1989. Por meio de um projeto de resolução, teríamos um cronograma de redução das alíquotas interestaduais a zero, acordando-se a devida compensação. Na PEC 45, essa compensação existe e é gigantesca, mas sem a garantia do destino. A guerra fiscal persistirá e a promessa de transição, a partir de 2029, até 2032, tende a morrer na praia.

Para ter claro, as alíquotas do ICMS só começarão a ser reduzidas em 2029, por quatro anos, à razão de 10% ao ano. Isto é, em dezembro de 2032, às vésperas da extinção completa do ICMS e da fixação do IBS no destino, as alíquotas do primeiro ainda figurarão em 60% das atuais! É evidente que não se vai reduzir coisa alguma a zero, ainda mais partindo-se de 60%. O mais provável será a proposição de uma prorrogação de prazos. Vamos tomar esse risco?

Sem dissolver a guerra fiscal, a reforma será um tiro n’água. Os incentivos já circundam os R$ 210 bilhões, pelas minhas contas. Ilude-se quem imagina um cenário de novo sistema tributário justo e simples se essa questão não for devidamente endereçada.

Os equívocos da Lei Complementar n.º 160/2017 não foram corrigidos. Ao contrário, o que hoje mobiliza corações e mentes é a ampliação do fundo regional previsto na PEC. Já o outro fundo, para compensar a redução de incentivos, vai vigorar desde 2025, repleto de recursos públicos, mesmo a transição ocorrendo só a partir de 2029. A soma dessa brincadeira vai representar, até 2033, centenas de bilhões de reais. Imagine, caro leitor, se tem cabimento a aprovação de uma reforma com um custo explícito dessa magnitude e, pior, para não se conseguir avançar na simplificação. Em 2026, vamos conviver com: IBS, CBS, ICMS, ISS, PIS, Cofins, IPI e IS.

Ainda há tempo para corrigir a rota. Este clima de “agora ou nunca”, de “não se pode perder a oportunidade”, de “pior do que está não fica” poderá nos levar diretamente para o precipício. Se virou moda falar em “manicômio tributário”, então como classificaríamos o novo sistema, com um Conselhão em Brasília para a todos governar?

Devagar com o andor, porque o santo é de barro puro. Melhor não parir este monstrengo tributário. É preferível gastar mais tempo para gestar uma reforma que resolva, para valer, os problemas estruturais do ICMS: guerra fiscal e tributação concentrada na origem.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR EXECUTIVO DA IFI

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

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