O sistema tributário brasileiro é muito complexo e constrange as decisões dos agentes econômicos. Os tributos são muitos, as administrações tributárias são conflitantes, as bases de cálculo sobrepõem impostos diferentes e a guerra fiscal correu solta por muitos anos.
Sim, o sistema é ruim. No entanto, não podemos usar o velho jargão “pior do que está não fica”. Infelizmente, reformar um sistema que acumulou décadas de desequilíbrios, conflitos e remendos envolve grandes riscos.
Faz parte da dinâmica da política que os autores da ideia a defendam. Mas eles não podem deixar de ter o contraponto da crítica sobre as teses sustentadas, sob pena de perder a chance de aprimorar propostas e reduzir o custo social e econômico envolvido num processo que, por si só, é imensamente turbulento. Por isso, quero chamar a atenção para quatro aspectos que merecem o cuidado do Congresso Nacional, nestas próximas semanas de negociação.
O primeiro aspecto é o risco de que a reforma tributária hoje em discussão promova uma crise financeira nas áreas metropolitanas, que poderá se desdobrar na desorganização das políticas sociais. As capitais e grandes cidades perderão o ISS em troca de uma participação na receita do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser gerido por um Conselho Federativo. A mudança na operacionalidade dos tributos, no entanto, é tão profunda que ninguém pode prever a reação dos contribuintes às novas regras, muito menos como os municípios poderão gerir uma espécie de adicional sobre um tributo que não administram.
Para piorar, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara sepultou o critério de participação dos municípios na cota-parte do atual ICMS pelo valor adicionado em cada município. No novo IBS, o critério de rateio estará vinculado ao número de habitantes. Infelizmente, os recursos de quem dá suporte de infraestrutura à produção estão sendo transferidos para inúmeros municípios cujo sentido de existir é abocanhar fatias do Fundo de Participação – sobre o Imposto de Renda e o IPI – e da cota-parte do ICMS.
A crise das administrações das áreas metropolitanas também será uma crise das políticas sociais. Afinal, Saúde e Educação têm sido financiadas primordialmente com recursos dos municípios e sua eficiência depende da qualidade das gestões municipais. A perda de verbas das capitais e grandes cidades é, sem mediações, a evaporação dos recursos que dão amparo às políticas sociais. No caso da saúde é pior, as cidades maiores são polos naturais do atendimento regional.
O segundo aspecto é uma questão conceitual. A reforma proposta foca a incidência tributária no valor adicionado. Ela despreza quatro décadas de enfrentamento entre o Fisco e os contribuintes, que acabaram por construir uma oneração tributária setorialmente aceitável pela realidade do mercado e do consumidor, para buscar um padrão de igualdade pela alíquota geral de 25%. Assim, a reforma tributária proposta abre um dramático reordenamento de preços relativos e mexe no valor de mercado de todas as empresas instaladas no País.
O terceiro aspecto é a penalização do trabalho formal, justamente quando todas as previsões indicam a dificuldade de gerar emprego no contexto da economia digital que vai se espraiando por todos os setores da vida econômica e social.
Valor agregado é salário e lucro. A reforma não distingue entre os dois, mas os tributa igualmente. Só que a folha salarial no Brasil, ressalte-se, já é onerada ao extremo para financiar a Previdência Social. Não é por outro motivo que os setores empregadores têm se constituído nos principais entraves ao rolo compressor da reforma.
Os segmentos empregadores tentarão fugir da explicitação da parcela de salários em seus custos, para diminuir o valor adicionado aferido e reduzir o pagamento de IBS/CBS. A reforma induzirá, assim, a troca de um vínculo trabalhista por um contrato da empresa com uma pessoa jurídica. Não por eficiência, mas porque o primeiro não gera crédito de IBS/CBS e engorda o tributo a pagar. Já o segundo, embora espúrio, gera crédito e reduz o imposto.
O quarto aspecto diz respeito à sustentabilidade fiscal. A leitura da PEC chega a ser cômica. A cada trecho, uma necessidade de recursos para compensar perdas ou para validar benefícios fiscais que deveriam onerar o Fisco que os proporcionou. Na transição do IPI para o Imposto Seletivo, que já ninguém sabe o que será, as perdas dos municípios serão garantidas com recursos federais. A cada segmento prejudicado, um novo fundo com aportes federais. Pergunto-me de qual orçamento o governo federal poderá tirar tantos recursos.
A pérola maior, no entanto, ainda pode estar sendo desenhada. Como a alíquota já parece insuficiente e ninguém tem certeza dos cálculos, há quem fale em estabelecer uma alíquota máxima na própria Constituição federal. A proposta é grotesca, mas, se aprovada, poderá indicar uma alíquota insuficiente para a geração dos valores de receita semelhantes aos atuais, levando o País a uma crise fiscal sem precedentes.
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ECONOMISTA
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