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Os duros recados do BC

Política fiscal impede que juros caiam mais cedo, mas, para Lula, tudo é culpa do mercado

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Por Notas & Informações
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A ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) acertou ao enfatizar a coesão do colegiado na decisão de manter os juros em 10,5% ao ano. Em meio a tantas incertezas, tudo que a autoridade monetária precisava demonstrar era convicção no diagnóstico do cenário econômico, sobretudo depois da desabrida pressão do presidente Lula da Silva sobre a instituição.

As expectativas de inflação, que guiam as decisões do Copom, já estavam desancoradas desde a reunião anterior, na qual os diretores divergiram sobre a magnitude do corte. Agora, no entanto, apresentaram “desancoragem adicional”. A despeito da perspectiva de juros mais elevados, as projeções do mercado para a inflação de médio prazo continuam a subir.

Boa parte dessa piora se deve à política fiscal do governo, que trabalha na direção oposta à política monetária. Como a ata menciona, no lugar da desaceleração gradual que o BC esperava, dados mais recentes da atividade econômica têm surpreendido, sustentados pelo mercado de trabalho, mas também pelo pagamento de benefícios sociais e de precatórios.

Políticas fiscal e monetária sincronizadas, destaca o documento, “contribuem para assegurar a estabilidade de preços e, sem prejuízo de seu objetivo fundamental, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. O Copom reiterou que perseguirá a ancoragem das expectativas “independentemente de quais sejam as fontes por trás da desancoragem ora observada”.

Após a divulgação da ata, a maioria dos analistas descartou a possibilidade de que a taxa de juros volte a cair neste ano. Parte desses observadores, inclusive, já considera mais factível um aumento do que uma redução da Selic no curto prazo.

Nome mais cotado para assumir a presidência do BC no ano que vem, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, reforçou a unidade do Copom. Galípolo disse que as próximas decisões do comitê estão em aberto e afirmou que a autoridade monetária precisa ter segurança de que os juros estão em patamar suficiente para a convergência da inflação às metas.

Era, portanto, para ser uma semana de boas notícias. Além da coesão demonstrada pelo Copom, o governo finalmente publicou o decreto presidencial que formaliza a meta contínua de inflação a partir de 2025 e estabelece uma antecedência mínima de 36 meses para que o objetivo seja alterado. Mas a retórica lulopetista, como sempre, não ajudou.

O dólar chegou a bater em R$ 5,52 depois que Lula, ignorando a realidade, relativizou, em entrevista ao UOL, a necessidade de o governo cortar gastos. “O problema não é que tem que cortar. O problema é saber se precisa efetivamente cortar, ou se a gente precisa aumentar a arrecadação. Temos que fazer essa discussão”, declarou.

Como se ainda houvesse dúvidas sobre o desequilíbrio fiscal, o Tesouro divulgou que o déficit primário atingiu 2,36% do PIB nos 12 meses encerrados em maio, ainda muito distantes da meta deste ano. Para Lula, no entanto, a culpa é do mercado que torce contra o governo, o que talvez indique que o BC precisa ser ainda mais duro em seus recados.