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Bolsonaro fora do páreo provoca reviravolta política e ‘herança’ eleitoral é incógnita

Centrão dá sinais de que vai abandonar o ex-presidente sem expectativa de poder à própria sorte, mas cúpula do PL confia no seu potencial de transferência de votos

Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – A saída compulsória de Jair Bolsonaro da disputa eleitoral até 2030 tira do páreo o principal personagem da extrema-direita e provoca uma reviravolta no cenário político. Ao tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, nesta sexta-feira, 30, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não puniu apenas o abuso de poder de um chefe do Executivo que reuniu embaixadores para atacar o sistema de votação, em julho do ano passado. Na prática, a Corte reprovou a conduta antidemocrática que marcou todo o mandato do ex-presidente.

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Embora o discurso oficial do PL, partido de Bolsonaro, seja o de que ele assume agora o papel de forte cabo eleitoral, ungindo qualquer candidato que apoiar, há muitas variáveis no horizonte. Nas eleições para prefeito, no ano que vem, fatores locais tendem a pesar muito mais do que a ideologia. E até 2026 o quadro pode ser muito diferente, dependendo, em grande parte, do resultado da economia no governo Lula.

Bolsonaro queria desafiar novamente o PT, mas está fora do jogo e não tem um “herdeiro” natural para a campanha de 2026. Na direita despontam nomes como os dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Junior (Paraná).

Nenhum deles, no entanto, é bolsonarista raiz. Uma ala do PL cita Michelle Bolsonaro, apesar de a ex-primeira-dama ser mais cotada para concorrer ao Senado, e a base do agronegócio se apressa em “lançar” a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. Todos, porém, estão à espera do rearranjo de forças no pós-Bolsonaro.

Jair Bolsonaro concede entrevista em Belo Horizonte nesta sexta-feira, 30; ex-presidente está inelegível, decide TSE  Foto: João Guilherme Arenazio/EFE

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estiver bem avaliado pela população e conseguir aglutinar o centro, pode ser candidato a novo mandato ou transferir votos para quem indicar como candidato à sua sucessão. Até agora, o favorito na lista é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Nesse xadrez em que ninguém arrisca prever os próximos passos, uma coisa, porém, é certa: o Centrão, comandado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não vai jogar água no moinho de quem não tiver caneta nem expectativa de poder. Conhecido por suas práticas de ‘toma lá-dá cá’, o grupo atua para ser governo em qualquer circunstância e já dá sinais de que vai abandonar Bolsonaro.

“A vida prossegue. A política tem horror a vácuo. Ela substitui as peças com muita rapidez e organiza uma fuga para frente”, resumiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

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O próprio julgamento do TSE mostrou que o ex-presidente foi largado à própria sorte por seu círculo de ex-auxiliares. Em depoimento ao tribunal, o senador Ciro Nogueira (PI) disse ter discordado da reunião de Bolsonaro com embaixadores, na qual ele investiu contra as urnas eletrônicas.

Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro é presidente do PP, mesmo partido de Lira, e um dos expoentes do Centrão. O ex-chanceler Carlos França e o almirante Flávio Rocha, ex-secretário de Assuntos Estratégicos, também se desvincularam da conspiração de Bolsonaro, que, nas palavras do ministro do TSE Benedito Gonçalves, relator da ação, “flertou com o golpismo”.

Anistia

Um grupo de aliados bolsonaristas promete agora apresentar um projeto de lei na Câmara, na tentativa de anistiar o capitão. A proposta é do deputado Sanderson (PL-RS), ligado a Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho ‘03′ do ex-presidente.

“Não fosse Jair Bolsonaro o réu, dariam no máximo uma multa. Mas, como é ele, querem decepá-lo politicamente. Sua condenação foi uma heresia jurídica”, protestou Sanderson.

Bolsonaro vê aliados prepararem projeto de lei para beneficiá-lo, com anistia a crimes eleitorais  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O projeto que poderia beneficiar Bolsonaro e até o deputado cassado Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, anistia políticos condenados por crimes eleitorais ocorridos desde 2016. Em abril, deputados do PL e do Republicanos também lançaram uma proposta que isenta de punição os participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes.

“Nada disso tem chance de prosperar no Congresso, mas eles querem fazer agitação”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “É claro que Lula nunca sancionaria uma lei assim.”

Nem mesmo a cúpula do PL aprova a estratégia de insistir na anistia para Bolsonaro. Em conversas reservadas, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, argumenta que o político que agora se intitula “cabo eleitoral de luxo” do partido pode sofrer mais um revés se confrontar uma decisão do TSE. Não sem motivo: além da condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, o ex-presidente também é alvo de outras 15 investigações no tribunal e ainda corre o risco de ser preso.

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“Bolsonaro cometeu erros de comunicação na pandemia e perdeu a eleição de 2022 para ele mesmo, mas não merecia essa inelegibilidade”, minimizou Valdemar. “Podem acreditar que a injustiça de hoje será capaz de revelar o eleitor mais forte da nação.” No seu diagnóstico, o ex-presidente tem potencial para transferir de 15% a 20% dos votos a quem apoiar porque, nesse caso, a rejeição dele “não cola” no candidato.

“Não acho que Bolsonaro seja o grande cabo eleitoral de 2026, mas também não será alguém irrelevante por não conseguir disputar a eleição”, afirmou o cientista político Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da FGV. “De qualquer forma, embora ele não seja uma figura habilidosa para construir e manter alianças, não se pode subestimar a força da oposição ao PT, mesmo com a política econômica do Haddad dando certo.”

Gabinete do ódio

Em quatro anos de governo, Bolsonaro manteve no Palácio do Planalto um núcleo de assessores especiais, conhecido como “gabinete do ódio”, lembrado até hoje em inquéritos que tramitam no STF. Orientados pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o filho “02″, esses auxiliares davam as cartas e voz de comando à bolha bolsonarista para “fuzilar” adversários nas redes sociais.

Mesmo depois da abertura do inquérito das fake news no STF, Bolsonaro xingou Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, de “imbecil e idiota”, Alexandre de Moraes de “canalha” e mandou magistrados e jornalistas calarem a boca.

Não foram poucas as vezes que o então inquilino do Planalto também elogiou a ditadura militar e incentivou manifestações antidemocráticas, muito antes dos atos que depredaram os prédios do Planalto, do Congresso e do STF, em 8 de janeiro.

O Exército que Bolsonaro tanto citou na crise também o vê agora como um problema a menos. “Ele manipulou as Forças Armadas, que foram chamuscadas”, avaliou o general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo de Michel Temer.

Durante a pandemia, Bolsonaro chamou a covid-19 de “gripezinha” e comprou mais uma briga, desta vez para barrar medidas de isolamento social. “O meu Exército não vai às ruas para fazer cumprir decretos de governadores ou prefeitos”, anunciou ele numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, em abril de 2021.

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Avestruz e terra plana

Ao se manifestar favorável à inelegibilidade do ex-presidente, Alexandre de Moraes afirmou que liberdade de expressão não significa ataque à democracia nem à independência do Judiciário.

“A Justiça é cega, mas não é tola. Não podemos criar agora o precedente do avestruz: todo mundo sabe o que ocorreu, todo mundo sabe o mecanismo utilizado para obtenção de voto, mas todo mundo esconde a cabeça embaixo da terra”, destacou o atual presidente do TSE.

Primeira a votar na sessão desta sexta-feira, 30, a ministra Cármen Lúcia se referiu ao comportamento de Bolsonaro como “consciência de perverter”. Para Cármen, esse modus operandi pôs em risco “a legitimidade do processo eleitoral e, portanto, da própria democracia”.

Até mesmo a teoria da terra plana foi resgatada pelo ministro do TSE Floriano de Azevedo Marques. Na quinta-feira, 29, no terceiro dia de julgamento, Marques mencionou essa teoria para se referir às sucessivas inverdades veiculadas por Bolsonaro.

“Alguém pode acreditar que a Terra é plana, mesmo contra todas as evidências científicas. (...) Porém, se é um professor da rede pública, não lhe é permitido ficar a lecionar inverdades científicas aos seus alunos, pois isso seria desviar as finalidades educacionais que correspondem à sua competência de servidor docente”, assinalou o magistrado.

Na campanha de 2024, o comando do PL quer contar com Bolsonaro para quadruplicar o número de prefeitos e chegar à marca de 1.300. Se topar a empreitada, o ex-presidente percorrerá o País como antagonista do PT, munido do discurso da “perseguição” política.

“Há no País um movimento conservador de direita, maior do que Bolsonaro, que veio para ficar e vê nele seu principal líder”, avaliou o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica. “Agora, então, ele sai como vítima da história e vai fortalecer ainda mais a direita.”

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Nos bastidores, porém, até aliados do ex-presidente admitem que o maior problema de Bolsonaro inelegível é o próprio Bolsonaro. O capitão que se apresentou como representante da antipolítica após passar três décadas na política fala o que bem entende, xinga, ameaça. E ninguém acredita que um dia ele seja capaz de vestir outro figurino.

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