Invernos mais quentes: como a moda brasileira muda para driblar os efeitos do calorão nos negócios

Nos últimos anos, margens das companhias de varejo estavam em queda pelo calor acima do esperado, mas números foram melhores neste ano com mudança de estratégia

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Foto do author Talita Nascimento

Invernos quentes já derrubaram os resultados de muitas varejistas de moda. Um ano atrás, por exemplo, a Lojas Renner viu sua margem bruta cair 2,2 pontos porcentuais, para 53,9% no segundo trimestre. O desempenho fraco foi causado por uma coleção mais cara em um inverno mais quente do que o esperado na época. Mas, de abril a junho deste ano, a empresa conseguiu elevar sua margem para 56,2%, mesmo com um inverno ainda quente e outras questões relevantes como o processo de adaptação do novo centro de distribuição e a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, onde fica a sede da companhia. Essa recuperação se deve a coleções mais leves e a uma produção acelerada, impulsionada pela concorrência com varejistas chineses.

Desde a metade de 2023, a Renner passou a produzir 40% das peças durante o próprio inverno, garantindo que suas lojas estivessem alinhadas às tendências do momento. Embora tenham se intensificado recentemente e gerado bons resultados no último trimestre, as mudanças no processo produtivo da companhia não ocorreram em 12 meses.

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Desde os anos 2000, as empresas do setor têm buscado encurtar os ciclos de produção, para chegar com coleções mais jovens nas lojas. Uma lógica bem diferente do que essas companhias viveram até os anos 1990, quando o jogo era planejar com maior antecedência as coleções.

“Quando cheguei na Renner, produzíamos as coleções com um ano de antecedência. Olhávamos para empresas que produziam com dois anos de antecedência e achávamos eles melhores do que nós. O objetivo era conseguir negociar maiores volumes. Só que, de 2007 para frente, começamos a perceber que, na moda, muito mais importante do que a escala é ter o produto certo”, conta o CEO da Renner, Fabio Faccio, na companhia desde 1999.

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Renner passou a produzir 40% das peças durante o próprio inverno Foto: Brun Filmes/Divulgação


A mudança que Faccio narra coincide com o período de ascensão do modelo de produção da Inditex, que fazia testes antes de escalar produtos e fabricava uma parte importante das coleções nas próprias estações do ano em que seriam vendidas. O mercado que já tinha mudado naquela época teve recentemente mais um gatilho de aceleração: a chegada da Shein e outras empresas de moda digital, que se guiam completamente por dados, capturam as tendências de consumo na internet e testam lotes pequenos que podem ser escalados com grande velocidade. É o que se chama de ultra fast fashion.

De fato, Faccio diz que nos últimos dois anos o modelo de produção de coleções e compras dos fornecedores deu um salto. O CEO confirma que a chegada de novos competidores acelerou as mudanças. “São modelos de negócios diferentes, mas lógico que sempre olhamos para todos os players do mercado, seja do nosso setor, seja de outras indústrias, de outros setores, para aprender. Alguns players trouxeram modelos mais rápidos e, sim, também aprendemos com esses modelos”, afirma.

O sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino, diz que as varejistas de moda têm convivido com cada vez mais com a imprevisibilidade do clima. “O inverno hoje é uma estação de alto risco. Uma parte grande do País já não tem inverno. Trata-se de uma temporada cada vez mais curta e mais errática, porque há apenas picos de frio”, diz.

Ele diz que entre as soluções que o setor tem encontrado estão coleções com mais peças voltadas para o calor ou calor moderado. “São menos apostas de risco em produtos muito pesados para frio intenso, com estoques muito rasos para não sobrar e para não correr o risco de, se o frio não vier ou vier na hora errada, ficar com estoque excedente”, afirma.

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Mudança de estratégia garantiu que as lojas estivessem adequadas às tendências do momento Foto: Brun Filmes/Divulgação

Nesse processo, a Renner buscou ainda ter maior participação de produtores nacionais. O inverno ainda é a estação com maior participação de importados, mas hoje, tecidos como moletom e malha retilínea já tem fornecedores brasileiros. Assim, com a rede fornecedora mais próxima, é possível produzir mais durante a própria estação.

“Neste ano, como o outono e o início do inverno foram muito quentes, fomos comprando o volume adequado para o que estava acontecendo”, disse Faccio. Segundo dados da Nottus, consultoria meteorológica para negócios, a temperatura mínima média do mês de junho do ano passado foi de 13,8ºC e a máxima média foi de 23,4ºC. Já em 2024, as médias de mínimas e máximas ficaram em 16ºC e 26,2ªC no mesmo período.

Tendência

A Renner não é a única companhia a conseguir esses resultados. O CEO da C&A, Paulo Correa, disse que a capacidade de reação da companhia a um inverno com temperaturas mais altas do que o esperado foi decisiva para um crescimento de 13,1% na receita de vestuário no segundo trimestre de 2024 em relação ao mesmo período de um ano atrás. Essa alta levou a números melhores de rentabilidade, uma vez que ela aconteceu com despesas controladas.

“Todas as fotos da campanha do Dia das Mães estavam montadas com casacos e peças de inverno. Mudamos as fotos e as frentes das lojas. Começamos a dar destaques para shorts, camisas, produtos que vendem o ano todo”, conta Correa.

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Para ele, o relacionamento que a companhia tem construído ao longo dos anos com seus fornecedores permitiu uma resposta rápida às temperaturas inesperadas e as lojas ficaram abastecidas com peças mais adequadas ao clima.

“O movimento não é de agora, mas nesse trimestre foi além dos fornecedores, conseguimos mudar nossa comunicação e a organização das lojas. Nesse trimestre, a variação climática foi maior”, explica.

Toda essa mudança de direção tinha um objetivo na C&A: vender mais, fazendo menos liquidações. Com a alta expressiva de vendas e despesas que subiram proporcionalmente, a companhia conseguiu melhorar suas margens. No período, a margem bruta da companhia ficou em 56%, com avanço de 2,5 pontos porcentuais (p.p.). Em vestuário, o patamar foi de 57,7%, com alta de 1,3 ponto. A margem Ebitda ajustada, que mede eficiência operacional, avançou 2,6%, chegando a 19,6%.

Na Riachuelo, também se verificou o mesmo movimento. A margem bruta de vestuário cresceu 1,9 ponto e alcançou 55,4% segundo trimestre de 2024. “O desempenho da margem bruta é resultado da utilização da capacidade operacional da fábrica de maneira mais eficiente e responsiva, aliado à sequência da otimização dos estoques, com melhor equilíbrio entre qualidade e volume”, diz a companhia em seu documento de balanço.

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