Edifícios sob censura, 1º prédio comercial de SP e gráfica na vitrine: conheça as sedes do Estadão

Jornal ocupou oito prédios em 150 anos de história, acompanhando o dinamismo da cidade de São Paulo

Foto do author Gonçalo Junior

O Estadão ocupou oito sedes ao longo de seus 150 anos de história, a maioria na região central da cidade de São Paulo. Entre elas estão casarões de esquina e sobrados da época em que a cidade tinha jeitão de vila, o primeiro prédio estritamente comercial e edifícios que fazem parte do imaginário e da memória afetiva da cidade.

Prédio na rua Major Quedinho, onde hoje funciona o Hotel Nacional Inn Jaraguá, foi uma das sedes mais famosas do Estadão  Foto: Taba Benedicto / Estadão

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O professor e arquiteto Valter Caldana associa os diferentes endereços do jornal ao dinamismo dos negócios da metrópole. “O jornal sempre esteve junto aos pontos de maior dinamismo, primeiro na região central e depois quando o desenvolvimento se espraiou pela cidade”, diz o especialista da Universidade Mackenzie.

Os documentos preservados no Acervo do Estadão que contam as histórias dessas sedes ganham novos significados para quem se aventura a fazer um passeio pelas ruas de São Paulo e conhecê-las de perto – ou descobrir o que aconteceu com aqueles espaços no vertiginoso crescimento da metrópole.

A história das sedes do jornal e de dezenas de colaboradores que se tornaram figuras importantes da sociedade brasileira também pode ser lida no especial “O Estadão nas ruas de São Paulo”, que mostra os lugares da cidade diretamente ligados à nossa história.

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Primeira sede - Rua do Tesouro – 1875 a 1877

O ponto de partida – da história e da caminhada - é a Rua do Tesouro. A primeira sede do jornal A Província de São Paulo, antigo nome do Estadão, ficava aqui, encostada no Pátio do Colégio. É uma das ruas mais antigas de São Paulo com registros desde o século 17. O jornal ficou neste primeiro endereço de 1875 a 1877.

Nesse período, ela foi a movimentada Rua das Casinhas, quando a Câmara decidiu construir seis casebres para que os comerciantes vendessem “toucinhos e outros mantimentos” em 1773. Também foi Rua de Palácio, referência ao Palácio do Governo da Província que funcionava no antigo prédio dos Jesuítas, no Pátio do Colégio.

No dia 4 de janeiro de 1875, segunda-feira, a Província de S. Paulo distribuiu, pela primeira vez, suas quatro páginas. “Instalada num sobrado na esquina da rua do Palácio (futura rua do Tesouro) com a do Comércio (hoje Álvares Penteado), a empresa contava com um prelo manual, acionado por negros libertos no qual se imprimiam páginas compostas à luz de vela”, diz o livro História da Imprensa Paulista.

Ilustração da primeira sede do Estadão, um sobrado da rua do Palácio, atual rua do Tesouro, no centro de São Paulo Foto: Estadão

Hoje, o berço do jornal é uma ruazinha acanhada, continuação da Rua XV de Novembro. Não há vestígios do sobrado que ficava na esquina da Álvares Penteado. Prédios ocupados por órgãos da prefeitura disputam espaço com lojas de roupas femininas e infantis que parecem estar há muito na vitrine.

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O esvaziamento da rua espelha a situação de alguns pontos do centro com placas de “aluga-se” que fincaram pé para não dar sair mais.

Segunda sede - Rua 15 de Novembro – 1877 a 1881

Saindo da Rua do Tesouro, só é preciso atravessar a calçada para chegar à segunda sede histórica. No século 16, a rua 15 de Novembro foi aberta para facilitar o acesso entre o Pátio do Colégio e o Largo de São Bento.

E a via também foi mudando de nome. Quando São Paulo recebeu a visita da família imperial brasileira em 1846, ela virou Rua da Imperatriz para homenagear d. Teresa Cristina, mulher de d. Pedro II. Com a Proclamação da República, em 1889, a Câmara de São Paulo escolheu o nome atual. Considerando que jornal foi criado para defender os ideais republicanos, não poderia ter havido melhor coincidência. A segunda sede do jornal, ainda como A Província de São Paulo, ocupou o número 44 de 1877 a 1881.

Nas lojas do centro, vendia-se de tudo: charutos importados, destilarias, tecidos ingleses, roupas com corte francês, especiarias do Oriente. A rua mais importante do centro antecipava sinais do futuro que se esgueirava nas calçadas.

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  • “Não é fato acidental que na principal rua do Centro de São Paulo, a 15 de Novembro, onde estavam localizadas as sedes do London River Plate Bank, do Banco Alemão (...) funcionavam as redações dos principais jornais paulistanos: o Correio Paulistano e a Província de S. Paulo”, analisa a historiadora Lilia Schwarcz no artigo Entre scientistas, confeitarias, bondes e muita garoa: um passeio pelo centro de São Paulo na virada do Século XIX.

A 15 de novembro de hoje se agarra à imponência do passado, com bancos de diversas nacionalidades, secretarias e autarquias municipais e estaduais. Ainda se ouvem ecos da rua que foi a mais importante da América do Sul, nas palavras da historiadora e consultora de turismo Shirley Damy que promove regularmente passeios guiados Giro in Sampa. “Era como se fosse a Rua Oscar de Freire hoje. Mas com mais glamour”, compara.

Terceira sede - Rua João Brícola (esq. 15 de Novembro) – 1881 a 1906

Ainda no mesmo miolo, a esquina da Rua do Rosário com a Rua da Imperatriz era um ponto nobre no fim do século 19 (hoje elas são a João Brícola e 15 de Novembro, respectivamente). Cafés, restaurantes e casas comerciais da cidade estavam todos ali. E O Estadão esteve aqui, de 1881 a 1906, em sua primeira sede própria. Nessa redação, portanto, foi escrita a última edição sob o nome A Província de São Paulo e a primeira sob o nome atual.

O antigo prédio estava inserido no contexto de modernização acelerada. A arquiteta e urbanista Adriane Baldin lembra que as casas, capelas, igrejas e edifícios públicos eram feitos em terra crua, as conhecidas taipas, pau a pique, sopapo ou taipa de sebe.

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  • “Foi só a partir de 1855 que a técnica de construção em alvenaria começou a ser introduzida”, diz a autora de “Tijolo sobre Tijolo: os Alemães que Construíram São Paulo”.

Mas não adianta procurar o número 53, onde esteve a sede do jornal, na rua de hoje.

  • “Houve grande mudança na numeração das casas e edifícios na região central a partir de 1936″, diz o guia turístico e escritor Laércio Cardoso de Carvalho, autor do livro “Quando começou em SP?”

Por isso, a principal referência histórica da localização da terceira sede é a esquina com a Rua 15 de Novembro.

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Quarta sede – Palacete Martinico Prado – 1906 a 1929

A cidade crescia de braços dados com a vocação paulistana para os negócios. “Foi o café, sobretudo na década de setenta, que transformou o vilarejo em uma ‘metrópole do café’”, escreveu Schwarcz.

O prefeito Antônio da Silva Prado encomendou ao escritório do arquiteto Ramos de Azevedo um projeto para o primeiro prédio estritamente comercial de São Paulo: o Palacete Martinico Prado. Batizado em homenagem ao irmão do prefeito, o espaço nobre foi erguido na Praça Antônio Prado, em 1906.

Palacete Martinico Prado, quarta sede do Estadão, abriga hoje B3, Bolsa de Valores de São Paulo Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Em 13 de junho, o jornal trouxe o novo endereço, “Redacção Dr.Antonio Prado Palacete”, onde funcionou neste endereço de 1906 a 1929. No dia 11 de novembro de 1927, o jornal descreveu a modernização da gráfica.

  • “Com as novas machinas de impressão, a tiragem atual do Estado se efetua no insignificante prazo de sessenta minutos. Ficará assim garantida a distribuição de nosso diario, na Capital, às primeiras horas da manhan, sua pontual remessa por todos os trens do interior e rapida entrega a domicilio aos assignantes desta cidade”.

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Praça Antonio Prado, com destaque para a sede da BM&F, na década de 1980 (Centro de Referência do MUB3 - Museu da Bolsa do Brasil) Foto: LUIZ CASIMIRO

Quinta sede - Rua Boa Vista – 1929 a 1947

Depois de 25 anos na Praça Antonio Prado, a quinta sede da redação foi no número 30 da Rua Boa Vista, na esquina com a Ladeira Porto Geral. É possível percorrer os endereços a pé. São caminhadas de 10 minutos, mas sempre esbarrando no fluxo avança em direção à região da Rua 25 de Março para as compras de Natal.

Quem trabalhou na Rua Boa Vista sofreu com a censura imposta pelo Estado Novo (1937-1945). Era esta a redação quando jornalistas foram presos durante intervenção do governo de Getúlio Vargas, de março de 1940, com invasão da polícia ao prédio do Estadão, até dezembro de 1945.

  • “Um dos mais importantes órgãos da imprensa brasileira, o Estado de S. Paulo, foi assaltado pela ditadura, que se apoderou dele, expulsou os donos, lá colocando gente sua, para que o jornal continuasse a sair com orientação ditatorial”, escreveu o jornalista, escritor e antropólogo Paulo Duarte no livro Prisão, Exílio, Luta...

A quinta sede também foi marcada foi uma novidade tecnológica. Como as oficinas ficavam em outro local, na Rua Barão de Duprat, um sistema garantia a comunicação rápida. As laudas originais eram colocadas dentro de cilindros subterrâneos e enviadas por tubos pneumáticos.

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  • “Havia entre os dois endereços um tubo pneumático. As matérias eram ‘catapultadas’ da redação pelo tubo, a vários quilômetros de distância”, contou Hélio Damante no livro Jornalistas, 1937 a 1997, de José Hamilton Ribeiro.

Sexta sede - Rua Barão de Duprat – 1947 a 1951

O prédio da Rua Boa Vista foi vendido para a construção de uma nova e mais moderna sede. Enquanto a edificação não ficava pronta, a redação e administração foram para junto da gráfica, na Rua Barão de Duprat. Este foi o endereço do jornal por quatro anos, de 1947 a 1951.

A sede do Estadão entre 1947 e 1951 foi a Rua Barão de Duprat, paralela à Rua 25 de Março Foto: Estadão

As mudanças de endereço repetem as circunstâncias das anteriores. A Província de São Paulo e depois o Estadão sempre precisavam de instalações mais amplas, máquinas mais velozes e de maior capacidade para acomodar o crescimento do jornal.

  • “A edição de hoje é a última que se faz nas velhas oficinas desta folha à rua Barão de Duprat”, anunciava a edição do dia 30 de dezembro de 1951.

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Hoje, a rua vive a atmosfera do comércio popular da Rua 25 de Março. A distância para o centro histórico é um pouco maior: foram 18 minutos de caminhada que pareceram mais por causa do calor de 28 graus de acordo com o termômetro.

Sétima sede - Rua Major Quedinho – 1951 a 1976

Uma das sedes mais famosas do jornal é um símbolo da arquitetura modernista. Projetada pelos arquitetos Franz Heep e Jacques Pilon e construída entre 1947 e 1951, a sede da Rua Major Quedinho foi parcialmente tombada pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DHP) e Condephaat em 1998. Entre as áreas protegidas está um mural externo feito de pastilhas de vidro por Emiliano Di Cavalcanti que mostra as etapas de produção de um jornal.

O Estadão ocupou os primeiros oito andares com a redação e a Rádio Eldorado. Desde 1954, o hotel Jaraguá oferecia 226 apartamentos do 9º ao 21º andar.

Embora tenha marcado uma fase importante de integração com a cidade, o período da Major Quedinho também foi difícil. De agosto de 1972 a janeiro de 1975, o jornal esteve submetido à censura diária das forças repressoras da ditadura militar. O Estadão decidiu publicar trechos de Os Lusíadas, de Luís de Camões, no lugar das reportagens censuradas. A ideia era causar estranhamento no leitor e, assim, mostrar que alguma coisa estava errada.

Prédio na rua Major Quedinho, onde hoje funciona o Hotel Nacional Inn Jaraguá, foi uma das sedes mais famosas do Estadão  Foto: Taba Benedicto / Estadão

O prédio faz parte da memória coletiva da cidade. A historiadora e professora da UNESP, Tania Regina de Luca, conta que uma das suas lembranças da adolescência era visitar o prédio para acompanhar a impressão dos jornais.

As oficinas de produção podiam ser apreciadas, como se fossem grandes vitrines. Quem a levava era o avô Arthur de Luca, funcionário da área gráfica do jornal. Até hoje ela guarda uma reportagem especial publicada quando ele completou 30 anos de trabalho no Estadão.

Ficou na memória de Laércio Carvalho o letreiro luminoso que informava as notícias mais importantes. O painel, outra novidade da época, era chamado de “rainbow” (arco-íris), como na edição de 26 de fevereiro de 1957.

No ano passado, a rede brasileira de hotéis Nacional Inn assumiu a operação do empreendimento. Um dos projetos da rede para 2025 é restaurar as áreas tombadas e promover mudanças que resgatem a passagem do jornal pelo hotel, como explica o gerente Francisco Melo.

Entre as inovações está abertura da área onde se encontra o mural de Clóvis Graciano, outra obra tombada, para visitação pública. “O restauro representa um resgate do patrimônio arquitetônico da cidade”, diz Melo.

Oitava sede - Av. Eng. Caetano Álvares - 1976 até hoje

“Os dois prédios da Major Quedinho se tornaram insuficientes para o crescimento do jornal”. Foi assim que uma das edições do jornal em 1975 anunciava a nova sede.

Depois de cinco anos de obras, as redações do Grupo Estado foram transferidas do centro para o bairro do Limão, na Marginal do Rio Tietê. O edifício, com suas linhas retas representando a solidez da informação exata e precisa, foi desenhado pelo escritório do arquiteto Rino Levi.

No dia D da mudança, o sábado de 12 de junho de 1976, as operações no prédio antigo - redação, arquivo, fotografia e gráfica - deveriam continuar funcionando até o fechamento do jornal. E as novas instalações começariam a funcionar já na manhã seguinte, para o primeiro dia do jornal centenário na nova casa.

O repórter Valdir Sanches relatou na edição de segunda-feira do extinto Jornal da Tarde as minúcias daquele fim de semana histórico para o jornalismo brasileiro.

  • “Apesar do vulto do trabalho, na verdade não se mudava toda uma empresa jornalística. É que a maior parte dos equipamentos da nova sede foi comprada nova. Das mesas nas redações a sofisticadas máquinas de composição e impressão, fora tudo planejado para equipar o novo prédio com o que há de mais moderno”, escreveu Sanches.

Em outro trecho, Sanches relata o desafio na área de comunicações. “À tarde, no sábado, foram sendo desligados os oito aparelhos de telefones de recepção de noticiário, vindo de sucursais e correspondentes. Só um foi mantido na rua Major Quedinho até o fechamento de O Estado; os outros iam sendo instalados na sede nova”.

Construção do prédio da sede atual do Estadão, na marginal do Tietê, no bairro do Limão, em foto de 1974 Foto: Acervo/Estadão

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