De Deodoro a Bolsonaro e Lula: veja como o Estadão acompanhou as crises enfrentadas por presidentes

Cobertura do jornal dos últimos 150 anos revela olhar para o futuro, defesa intransigente da responsabilidade fiscal e o repúdio ao autoritarismo

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Atualização:

Ao longo de seus 150 anos de existência, O Estado de S. Paulo nunca se furtou ao papel de avaliar criticamente os presidentes do Brasil – com os quais conviveu desde o alvorecer da República, em 1889. A análise de algumas dessas avaliações de cada governante, desde Deodoro da Fonseca até os dias atuais, feitas especialmente em momentos de crise ou de grandes inflexões, revela reverência pelas lições da história e um padrão editorial coeso e consistente, alinhado aos princípios republicanos e liberais. Sobressaem o olhar para frente, a defesa intransigente da responsabilidade fiscal, o repúdio ao autoritarismo e ao reacionarismo, a valorização da legalidade, enquanto legítima, um leve aceno à tradição, vista como “a sabedoria viva dos mortos” mas nenhum apego ao tradicionalismo, por ser “a sabedoria morta dos vivos.”

Capa da Província de São Paulo em comemoração à Proclamação da República: lições de história e de coesão editorial Foto: Acervo/Estadão

Este levantamento, longe de ser definitivo, ajuda a identificar e analisar padrões que caracterizam o relacionamento entre o Estadão e os líderes políticos brasileiros no poder, evidenciando uma linha editorial que, sem esconder algumas preferências partidárias pontuais, na somatória dos vetores, sempre se encontra nos valores fundamentais que identifica como essenciais para o desenvolvimento.

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Desde os primeiros anos da República, o jornal se mostrou intolerante com políticas econômicas levianas, criticando Deodoro da Fonseca pela inflação descontrolada gerada pela emissão de moeda sem lastro, enquanto exaltava Campos Sales e seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, por resgatarem a credibilidade financeira do País. Essa postura é consistente no tempo, com avaliações severas da condução econômica de governos que ameaçavam a estabilidade fiscal, independentemente de sua orientação ideológica.

Na cobertura que o jornal fez de governantes mais recentes, como Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, os acertos econômicos, especialmente as reformas duradouras, mereceram apreciação positiva. O governo do atual presidente, Lula, em seu terceiro mandato, vem sendo avaliado por aqueles mesmos critérios, com elogios à aprovação da reforma tributária; com críticas e alertas constantes sobre as consequências inescapáveis do rumo irresponsável da política fiscal.

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A oposição à concentração excessiva de poder em figuras políticas é outra marca da cobertura presidencial do jornal. Getúlio Vargas, tanto na ditadura do Estado Novo quanto em seu período democrático, foi alvo de críticas pela centralização econômica e a constante tentação autoritária. Jânio Quadros foi retratado como um aventureiro errático, enquanto João Goulart era visto como um líder personalista, pronto a comprometer a estabilidade institucional para realizar seu plano de poder.

O jornal manifestou apoio ao movimento de 1964, mas rapidamente se posicionou contra o endurecimento do regime militar, afirmando diversas vezes que a “revolução durou apenas dez dias” – de 31 de março de 1964 até a edição do Ato Institucional de 12 de abril, que deu poderes constituintes a governantes não eleitos. Com o AI-5, em dezembro de 1968, veio a ruptura definitiva, seguida da retaliação contra o jornal, submetido a sete anos de censura prévia.

A discrição com que o Estadão trata aspectos da vida privada dos presidentes, focando sua cobertura nas ações de governo e suas implicações para o País, é uma característica que aproxima o jornal da tradição francesa, onde publicações como Le Monde e Le Figaro historicamente mantêm uma separação rigorosa entre a vida pessoal dos chefes de Estado e sua atuação política. Na França, questões como os relacionamentos extraconjugais de mandatários, casos clássicos de François Mitterrand e François Hollande, foram tratados com reserva até que se tornassem de conhecimento público por outras vias – ou quando afetaram diretamente o exercício do poder.

Essa abordagem contrasta com a de jornais anglo-saxões. No Reino Unido, The Times e The Guardian, embora com diferentes graus de reverência pela instituição governamental, estabelecem limites mais tênues para a cobertura da vida privada dos primeiros-ministros quando esta pode ter implicações políticas. Nos Estados Unidos, acentuadamente depois do caso Watergate, The New York Times e The Washington Post desenvolveram uma relação de escrutínio permanente da vida dos políticos em geral e, de modo ainda mais intrusivo, sobre os candidatos a cargos executivos. Antes mesmo de eleitos, os presidentes dos EUA são tratados como se tivessem renunciado a sua privacidade.

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O Estadão parece ter forjado uma abordagem única que combina elementos destas tradições: o distanciamento francês em relação à vida pessoal, a reverência britânica pelas instituições e o escrutínio norte-americano das ações governamentais. Esses elementos são filtrados por uma visão republicana e democrática da realidade. A defesa da responsabilidade fiscal, da estabilidade institucional e a rejeição tanto ao autoritarismo quanto ao populismo econômico constituem pilares da missão do jornal em uma democracia frágil como a brasileira, tantas vezes desafiada e não raro profanada.

A trajetória do Estadão em sua relação com os presidentes reflete a própria evolução política do Brasil, sendo o jornal um observador crítico e, em muitos momentos, protagonista das grandes decisões nacionais.

Deodoro da Fonseca (1889-1891): Em meio a crise, dissolveu o Congresso e renunciou 20 dias depois

Deodoro proclamou a República e chefiou o governo provisório até janeiro de 1891, quando foi eleito indiretamente presidente Foto: Acervo/Estadão

O que aconteceu: A dois meses de proclamar a República, o general Deodoro da Fonseca (1827-1892) era um admirado herói de guerra, amigo do imperador Pedro II, a quem derrubou. Presidiu sob forte oposição da Marinha e de parlamentares, aceitando a sugestão de seu ministro da Fazenda, Rui Barbosa, emitiu moeda sem lastro e facilitou o crédito. O resultado foi uma inflação estimada de 150%, crise de confiança e quebra de bancos. Em 3 de novembro de 1891, dissolveu o Congresso. Renunciou 20 dias depois.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

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14/9/1889: “Passou ontem por esta cidade, a bordo do Rio de Janeiro, o ilustre general Deodoro da Fonseca. Um dos redatores desta folha procurou-o a bordo e teve ocasião de entreter com s. exc. meia hora de agradável palestra. O general Deodoro é um homem de sessenta anos, alto, muito moreno, com a barba grisalha. Tem fisionomia inteligente e os olhos, muito pretos, são vivíssimos: “Não tenho aspirações. Com dois ou três anos de vida, terei chegado ao mais alto posto do Exército e cantarei no Império como galo de torre.” Veja a página original

24/11/1891: “Viva a República! Viva a legalidade! Eram estes os gritos que ontem soltavam as mil bocas populares ao espalhar-se a notícia de que o marechal Deodoro da Fonseca, coagido pela atitude digníssima e patriótica do marechal Floriano Peixoto, vice-presidente da República, resignara o cargo a que o elevara o Congresso Federal, que ele depois dissolveu por meio de um golpe de Estado sem precedentes na história.” Veja a página original

25/11/1891: “...é necessário que no espírito público não fique execrado o nome do homem cujo braço armado consolidou a fundação da República… Condene-se, portanto, nesta hora de justiça, o político inábil, mas salve-se o soldado heróico, o bravo dos campos inimigos, o ousado general em chefe de 15 de novembro, que o país nunca poderá esquecer e que nenhum erro posterior fará sair da história.” Veja a página original

Floriano Peixoto (1891-1894): ‘Marechal de Ferro’ resistiu a rebelião naval

Floriano Peixoto assumiu a Presidência após a renúncia de Deodoro da Fonseca Foto: Acervo/Estadão

O que aconteceu: Floriano Peixoto (1839-1895) herdou as ondas de choque da crise financeira de Deodoro. A Marinha não aceitava sua liderança. Dois almirantes insurretos, Custódio de Melo (1840-1902) e Saldanha da Gama (1846-1895), lideraram a rebelião naval que bombardeou o Rio de Janeiro. Floriano resistiu. Saldanha da Gama morreu em combate em 1895, quando a revolta ressurgiu já no governo de Prudente de Moraes (1841-1902). Floriano saiu do governo chamado de o “Marechal de Ferro”.

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O que o Estadão falou sobre seu governo:

25/11/1891: “...a pátria não se compreende sem lei e foi a lei que o marechal Floriano veio restabelecer no país. Nós aplaudimos com todo entusiasmo o seu governo, que esperamos correto e fecundo.” Veja a página original

Ilustração mostra bombardeio no Rio durante a Segunda Revolta da Armada, no governo de Floriano Peixoto Foto: Angelo Agostini /Revista Illustrada

2/3/1894: “o marechal Floriano, antes de ser o soldado glorioso e onipotente, era e é a personificação altamente respeitável, mas transitória, de uma ideia sagrada… a República... muito superior e muito mais forte, na sua imaterialidade, ao mais alto e poderoso de todos os homens.“ Veja a página original

Prudente de Morais (1894-1898): Instabilidade política e Canudos marcam governo

Eleição de Prudente de Morais representou primeira transição pacífica e civil da República Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Prudente de Morais (1841-1902) assumiu a Presidência em 15 de novembro de 1894 em meio a uma grave instabilidade política, marcada pela recente repressão da Revolta da Armada (1893-1894) e pela ainda em curso Revolução Federalista no Sul (1893-1895). Economicamente, o Brasil enfrentava os efeitos da crise do Encilhamento, com inflação e desequilíbrio fiscal. Socialmente, havia tensões entre civis e militares, além de conflitos regionais – entre eles, o mais grave, que viria a ser a Guerra de Canudos (1896-1897). Sua eleição representou a primeira transição pacífica e civil da República, sinalizando a tentativa de estabilizar o regime, conter o autoritarismo militar e provar que o Brasil tinha um futuro como nação.

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O que o Estadão falou sobre seu governo:

2/3/1894: “...de acordo com o artigo 47 da constituição federal, o povo brasileiro escolheu livremente os dois mais altos funcionários da Nação, o presidente e o vice-presidente da República. Está, pois, realizada a grande aspiração dos verdadeiros republicanos.” Veja a página original

2/2/1895: “ (O jornal) “O Paiz” não fez mais do que censurar, com justa severidade, alguns lastimáveis excessos dos agentes secretos da polícia, os quais, como sempre acontece pelo zelo estúpido e cruel que revelam no cumprimento das ordens que recebem, mais uma vez fizeram com que justos pagassem por pecadores e muitos republicanos limpos e puros fossem tratados como maltrapilhos barulhentos.”

“No Estado de São Paulo, muito agrícola, muito industrial e muito comercial, essencialmente ordeiro, profundamente conservador… jornais houve e há de cujas colunas… se decreta que o governo do dr. Prudente de Moraes não pode inspirar confiança, porque não é democrático, porque está caindo nos mesmos erros e praticando as mesmíssimas violências do governo do marechal Floriano Peixoto, de “odiosa” recordação! Não compreendemos. E, na realidade, é incompreensível." Veja a página original

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Guerra de Canudos eclodiu durante a Presidência de Prudente de Morais Foto: Flávio de Barros. Acervo Instituto Moreira Salles / © Museu da República

20/11/1898: “O governo do dr. Prudente de Moraes representa o complemento do marechal Floriano. Este resistiu às ambições políticas pela força ativa, aquele resistiu à anarquia política às tendências de dissolução que surgiam de todos os lados, antepondo-lhes a barreira da lei.”

“(Prudente de Moraes) destruiu oligarquias que deturpavam o regime; obstou, de vez, a invasão do personalismo sul-americano, que quase sempre deriva para a caudilhagem guerrilheira e que se ia apoderando do organismo nacional; e, finalmente, abriu uma era de paz de ordem e de reconciliação para todas as classe da sociedade brasileira.” Veja a página original

Campos Sales (1898-1902): Estadão rompeu com o governo

Campos Sales teve o ajuste fiscal como prioridade para tentar recuperar a credibilidade financeira do País no mundo Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Campos Sales (1841-1913) assumiu a Presidência em 15 de novembro de 1898 em meio a grave crise e à moratória internacional declarada pelo antecessor. Tentou estabilizar o País fortalecendo a Federação, atendendo aos pedidos dos governadores e da elite cafeeira. Enfrentou com força policial os movimentos populares aprofundando a marginalização dos trabalhadores urbanos e rurais. Sua prioridade foi o ajuste fiscal na ânsia de recuperar a credibilidade financeira perante o mundo. O Estado de S. Paulo rompeu com o governo.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

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8/9/1901: “Aos republicanos de S. Paulo. Vamos narrar, com escrupuloso respeito à verdade, sem paixão e, principalmente, em perfeita paz de consciência, a história da cisão do partido republicano de S. Paulo.”

“...Em pleno e franco exercício da sua ditadura, o sr. Campos Salles, já tinha designado o seu sucessor na União (Rodrigues Alves)…” Veja a página original

15/11/1902: “O governo da República passa hoje das mãos do dr. Campos Salles para as do dr. Rodrigues Alves. O primeiro sai do poder impopularíssimo; o segundo vai ao poder cercado de geral, quase absoluta, indiferença.”

“O aspecto do conjunto da vida nacional é, a 15 de novembro de 1902, muito mais desolador do que era a 15 de novembro de 1898.”

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“Só as finanças, dirigidas até há poucos meses por um homem de talento e de pulso, se nos apresentam não diremos mais vigorosas, mas incontestavelmente, em estado menos lastimável, porque, se o dr (Joaquim) Murtinho (ministro da Fazenda) não lhes pôde injetar sangue que não existia não existe nas veias do país, em todo caso arrancou-as… ao caos.” Veja a página original

Rodrigues Alves (1902-1906): Enfrentou a Revolta da Vacina e focou na urbanização da capital federal

Rodrigues Alves manteve o domínio das oligarquias regionais Foto: Reprodução

O que aconteceu: Com esperança de recuperação econômica impulsionada pelo café e pelo ajuste fiscal feito a custo pelo antecessor, Rodrigues Alves (1848-1919) manteve o domínio das oligarquias regionais. Seu foco foi transformar a paisagem urbana do Rio de Janeiro. Saneou e urbanizou a capital. Enfrentou a Revolta da Vacina (1904) instigada pelo medo infundado dos imunizantes.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

23/11/1902: “Faça-se o governo forte, insista no seu propósito, (de sanear e modernizar a Capital Federal, então no Rio de Janeiro) leve o sr. Rodrigues Alves a ideia por diante, cumpra essa fagueira proposta e fará mais pela República do que se preencher o quadriênio a discutir medidas sutis e altos planos financeiros.” Veja a página original

Charge de 1904 mostra povo se rebelando contra a vacinação obrigatória Foto: Reprodução/ Revista o Malho

13/12/1903: “O sr. Rodrigues Alves já completou um ano de governo… Teve a seu dispor um Congresso submisso, para não dizer outra coisa. Como aproveitou s. exa. essa circunstância? O plano é transparente. O sr. Rodrigues Alves atirará sobre o Congresso… a responsabilidade pelas omissões e o Congresso atirará sobre ele a culpa da sua esterilidade.” Veja a página original

15/11/1906: “O quadriênio que hoje finda é um dos mais notáveis e benéficos. Faltou-lhe um pensamento coordenador, uma direção harmônica, que combinasse esforços e limitasse despesas ao essencial.” Veja a página original

Afonso Pena (1906–1909): Facilitou a imigração europeia e incentivou a industrialização

Presidente de 1906 a 1909, Afonso Pena pegou a economia em crescimento Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Pegou uma economia em crescimento. Avesso a confrontos, manteve o jogo das oligarquias, respeitando a política Café (São Paulo) com Leite (Minas Gerais). Facilitou a imigração europeia incentivada para atender à demanda de mão de obra nas lavouras. Priorizou a modernização da infraestrutura, com investimentos em ferrovias e portos, além de incentivar a industrialização.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

15/11/1906: “Inspire-se o presidente Afonso Pena nessa valiosa lição do seu antecessor. Não se faça agente de cabos eleitorais: seja o infatigável operário da grandeza nacional. Não se converta em um mandão despótico: seja um juiz imparcial e calmo.” Veja a página original

21/6/1909: “As pessoas, como os bens, só sabemos o que valem quando as perdemos; e porque muito valia o dr. Afonso Pena, a sua morte foi, para as fibras do nosso civismo, um despedaçamento de dor.” Veja a página original

Nilo Peçanha (1909–1910): Estimulou a educação pública

Com a morte de Afonso Pena, assumiu o governo e completou o mandato em meio à campanha sucessória entre SP e Minas Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: A economia mantinha-se dependente da exportação do café, mas começaram as tensões pela inevitável industrialização do País. Estimulou fortemente a educação pública. Apesar do mandato de apenas dois anos, administrou bem as pressões políticas e preparou a transição sem choques.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

15/11/1910: “Com tantas reformas e tantos melhoramentos, o presidente esqueceu-se de anotar à margem e rebater certas acusações muito fundadas ao seu governo. A primeira dessas acusações, a mais séria e mais grave, é que a administração findante consagrou à gestão dos negócios públicos o sistema de fogo de artifício, muito bom para embair crédulos, mas ao cabo, ineficaz, porque a história não se deixará ludibriar.” Veja a página original

Hermes da Fonseca (1910-1914): Gosto amargo de retrocesso institucional e a Revolta da Chibata

Hermes da Fonseca enfrentou a Guerra do Contestado, no Sul do País, com extrema violência Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: O indesejado retorno dos militares ao poder trouxe um gosto amargo de retrocesso institucional. Os adversários do governo nos Estados foram confrontados com intervenções chamadas eufemisticamente de “salvações”. Eclodiu a Revolta da Chibata (1910), liderada por marinheiros revoltados com os castigos corporais. A Guerra do Contestado (1912-1916), conflito social, territorial e messiânico produzido na região de divisa entre Paraná e Santa Catarina pela expulsão de lavradores de suas terras, foi enfrentada com extrema violência.

João Cândido, líder da Revolta da Chibata, posa com repórteres, oficiais e marinheiros em 1910 Foto: Reprodução/ Revista O Malho, 1910

O que o Estadão falou sobre seu governo:

15/11/1914: “O governo do Marechal Hermes da Fonseca morreu como nasceu e viveu, isto é, em completo desacordo com a opinião pública e em conflito permanente e declarado com os maiores e mais sagrados interesses nacionais. Conflito com as liberdades populares no interior e com a dignidade da pátria no exterior. Conflito com o prestígio do exército e da marinha. Conflito com a justiça e com o direito. Conflito com o pudor administrativo. Conflito com o bom senso. Conflito com as finanças. Conflito com a instrução. Conflito com o comércio, com a lavoura, com a indústria, com as várias forças produtoras da riqueza nacional.” Veja a página original

Venceslau Brás (1914-1918): Enfrentou os três “Gs”: Guerra, Greve e Gripe

'Estadão' apoiou Venceslau Brás, que tinha mais chances de vitória, em prejuízo de Rui Barbosa Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Foi o período dos “Três Gs” - Guerra, Greve e Gripe. As dores do nascimento da indústria produziram a primeira greve geral, em São Paulo (1917). No mesmo ano, tardiamente, o governo posicionou o Brasil com os Aliados na Primeira Guerra Mundial. No fim do governo veio o terceiro G – a gripe espanhola, que mataria de 35 mil a 50 mil pessoas no Brasil. O Estadão apoiou a candidatura de Venceslau Brás em prejuízo do candidato mais próximo do jornal e também o mais preparado, Rui Barbosa (1849-1923). Julio Mesquita (1862-1927) viu-se na contingência de explicar a aparente contradição de concordar com um acordo político costurado em Minas Gerais para que Venceslau Brás fosse o candidato. Eram maiores suas chances de vitória.

Enfermaria do hospital provisório da Escola Benjamin Constant, no Rio, no auge da gripe espanhola Foto: Acervo Biblioteca Guita e José Mindlin

O que o Estadão falou sobre seu governo:

11/11/1913: “As democracias sempre se mostraram ingratas para seus homens verdadeiramente superiores (referindo-se ao pouco capital eleitoral de Rui Barbosa)... O acordo com Minas foi um passo acertadíssimo… Para mim, a candidatura do sr. Venceslau Brás foi o desenlace feliz de uma combinação infelicíssima.” – entrevista dada por Julio Mesquita ao seu jornal. Veja a página original

Delfim Moreira (1918-1919): Interino, foi substituído às pressas

Vice sem força, Delfim Moreira assumiu o governo com a doença de Rodrigues Alves Foto: Reprodução

O que aconteceu: Eleito para um segundo mandato, Rodrigues Alves (1848-1919) morreu antes de tomar posse, fulminado pela gripe espanhola. Um vice sem força, Delfim Moreira (1868-1920), tocou enquanto pôde o governo de transição sob a proteção e influência do ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco (1870-1943). Depressivo e sofrendo períodos de confusão mental, foi substituído às pressas por Epitácio Pessoa (1865-1942), escolhido em eleição extraordinária. O Estadão o tratou com extrema generosidade.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

31/7/1919: “O sr. Delfim Moreira tem motivos para deixar o palácio do governo com a consciência tranquila. Seu desejo de andar direito e bem foi sempre grande e por certo sincero, e na interinidade incerta e perigosa que exerceu o posto supremo da administração pública, soube desmentir por fatos inequívocos as versões que o pintavam como um vacilante, um doente, sem energias e sem vontade própria.” Veja a página original

Epitácio Pessoa (1919-1922): Teve apoio do Estadão contra os reacionários

Epitácio Pessoa teve um civil como ministro da Guerra, o primeiro da história Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Eleito enquanto estava na Conferência de Paz de Versalhes, representando o Brasil, Epitácio Pessoa (1865-1942) herdou um país ainda açoitado pela gripe espanhola e tentando entender seu papel no mundo no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Os republicanos, entre eles o Estadão, sempre temerosos de retrocessos institucionais, apoiaram Epitácio Pessoa contra os “reacionários”. Em seu governo o Brasil teve um civil como seu primeiro ministro da Guerra, o engenheiro Pandiá Calógeras (1870-1934).

O que o Estadão falou sobre seu governo:

11/5/1922: “...um pequeno número de descontentes… vive encorajando o chefe da Reacção, a fim de que o mesmo continue na sua faina ingrata e perigosa de anarquizar o governo do destemido e abnegado dr Epitácio Pessoa cujo crime único é o de refrear os negocistas e o de ter colocado civis nas pastas militares, gesto este, hoje, aplaudido pelas patentes de mais responsabilidade no seio das próprias classes armadas.” Veja a página original

Arthur Bernardes (1922-1926): Foi alvo do tenentismo

Desgastado pela corrupção, o governo de Arthur Bernardes recorre a um quase permanente estado de sítio Foto: Arquivo Nacional

O que aconteceu: A Revolta Tenentista teve seu momento mais simbólico no levante dos 18 do Forte de Copacabana (1922) e visava impedir a posse de Arthur Bernardes (1875-1955). Os dirigentes do Estadão apoiavam o “tenentismo”, no que ele tinha de renovador e de enfrentamento das oligarquias. Em 5 de julho de 1924, a revolta, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes (1865-1949), conquista São Paulo. Bernardes reage com bombardeios e expulsa os revoltosos. Desgastado pela corrupção e a concentração de poder, o governo federal recorre a um quase permanente estado de sítio, em nome de preservar a União e as instituições.

Marcha dos '18 do Forte', durante a revolta do Forte de Copacabana, que visava impedir a posse de Bernardes, em 1922 Foto: Zenobio Couto

O que o Estadão falou sobre seu governo:

15/11/1926: “Nestes quatro anos que se passaram, nem por um momento sentiu alguém que estivessem ameaçadas as instituições e a unidade nacional. Por mais forte e prolongado tenha sido o abalo da revolta ou das revoltas do quadriênio, que ora se encerra. O regime não estremeceu, nem houve fato que determinasse leve sobressalto nos melindrosos sentimentos do patriota mais zeloso da harmônica integridade da família brasileira.” Veja a página original

Washington Luís (1926-1930): Estadão apoiou sua derrubada do poder

Ex-governador paulista, Washington Luís foi deposto por militares em 24 de outubro de 1930 Foto: Biblioteca da Presidência da República

O que aconteceu: A Grande Depressão de 1929 (foto abaixo) espalhou-se dos Estados Unidos para o mundo. Ditadores incapazes de enfrentar a crise perderam o poder em 1930 – Miguel Primo de Rivera (1870-1930), na Espanha; Hernando Siles Reyes (1882-1942), na Bolívia; e Augusto Leguía (1863-1932), no Peru. Washington Luís (1869-1957) foi deposto por militares no dia 24 de outubro de 1930. O Estadão apoiou sua derrubada e a interdição da posse de Julio Prestes (1882-1946), presidente eleito. O jornal aplaudiu a indicação para a presidência da República do “chefe civil da revolução”, Getúlio Vargas (1882-1954), que se tornaria mais tarde seu grande nêmesis.

Multidão do lado de fora da Bolsa de Nova York, em 1929; a 'Grande Depressão' derrubou governos mundo afora Foto: Ann Ronan Picture Library / Photo12 via AFP

O que o Estadão falou sobre seu governo:

7/9/1930: “Os ditadores de segunda ordem, como o srs. Rivera, Leguía, Washington Luís etc, nutrem apenas aspirações limitadas ao âmbito nacional, só pretendem atuar dentro dos seus próprios países; os de ”primo cartello”, as estrelas de primeira grandeza, como Lênin, Stálin ou Mussolini, alimentam ambições universalistas.” Veja a página original

29/10/1930: “Com a natural exaltação patriótica determinada pelos acontecimentos que mudaram a feição política do país, várias iniciativas têm sido aventadas para a imediata solução dos mais importantes problemas nacionais. Entre estas, figura a do pagamento da dívida nacional mediante contribuições graciosas de cada cidadão brasileiro… não se pode deixar de objetar que, muito louvável quanto aos intuitos, esses alvitres não procedem quanto ao seu objetivo. As dívidas do país decorrem de compromissos regularmente contratados… e o processo do seu resgate tem de ser feito pelas normas contratuais… Tão elevados intuitos… são um objetivo completamente destituído de caráter prático.” Veja a página original

30/10/1930: “S. Paulo recebe triunfalmente o presidente Getúlio Vargas” – Manchete principal do Estadão, quatro dias antes de Vargas ser nomeado chefe do governo provisório. Veja a página original

Getúlio Vargas (1930-1945): Prendeu e exilou donos do Estadão; intervenção no jornal durou 5 anos

Em 1937, Vargas deu um golpe de Estado, cancelou as eleições diretas e instaurou o Estado Novo Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Getúlio Vargas (1882-1954) manteve-se como chefe do governo provisório até 1934, quando uma Assembleia Constituinte fez algumas concessões aos opositores e o elegeu presidente da República. Em 1937, Vargas deu um golpe de Estado, cancelou as eleições diretas e instaurou uma ditadura com o nome de Estado Novo. Os donos do Estadão romperam com Vargas no bojo da Revolução Constitucionalista de 1932, da qual participaram ativamente. Foram mais tarde presos e exilados. O jornal foi tomado pelo governo. Só o retomaram com a volta da democracia, em 1945.

Combatentes da Revolução de 32 posam com o 'Estadão': donos do jornal participaram ativamente da revolta Foto: Acervo Estadão - julho de 1932

O que o Estadão falou sobre seu governo:

1/2/1931: “O senhor interventor federal ultimou as negociações com o governo da União para a compra de ”stocks” de café... Viram, agora, os que não conhecem bem S. Paulo que não é o sentimento regionalista que nos domina e que não falamos em vão quando afirmamos que o problema do café interessa tanto ao Brasil como a S. Paulo… O sr. interventor foi paulista porque ser paulista é ser brasileiro… não há meio algum de ser bem brasileiro sem ser bem paulista.” Veja a página original

11/7/1932: “Para a frente brasileiros! Passou a hora das negociações e das transigências. Ou a lei se restaura no Brasil ou devemos todos sucumbir. É uma partida de vida e de morte que se trata.” Veja a página original

Páginas do 'Estadão' publicadas durante a Revolução Constitucionalista de 1932 Foto: Acervo Estadâo

30/9/1932: “Armistício entre os exércitos combatentes” – Manchete do Estadão Veja a página original

1º/10/1932: “S. Paulo só aceitará uma paz honrosa” Veja a página original

4/10/1932: “O duelo entre o direito e o arbítrio só termina pela vitória d’aquele. É uma lição de todos os tempos e de todos os povos. Não nos aflijamos. O sangue que se derramou pela Constituição não se perderá. As vidas que as armas da tirania ceifaram não foram desperdiçadas. É um Brasil novo e forte o que surgiu em S. Paulo e o futuro é dos novos e fortes.” Veja a página original

24/3/1940 – Última edição antes da intervenção: “Eleições andam há muito, no Brasil e noutras terras, em descrédito, como antiqualhas fora de moda de que apenas têm saudades espíritos atrasados e rotineiros, incapazes de integrar-se nas modernas concepções.” Veja a página original

7/12/1945 – Primeira edição pós-intervenção; Reportagem assinada por Monteiro Lobato: “A Via Láctea possui em certo ponto uma falha, um negror profundo que recebeu dos astrônomos o nome de “Saco de Carvão”. Na longa e luminosa via láctea do jornal de Julio Mesquita, a fase de 1940 a 1945 aparecerá como um saco de carvão.”

“... Mas tudo tem fim e hoje é com imensa euforia que assistimos ao grande ato da reparação… ponto final na ocupação naziforme da terra bandeirante.” Veja a página original

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951): Estadão chamou seu governo de ‘nitidamente reacionário’

Colocou o Partido Comunista na ilegalidade, rompeu relações com a União Soviética e alinhou o Brasil com os EUA na Guerra Fria Foto: Reprodução

O que aconteceu: Eurico Gastar Dutra (1883-1974) assumiu a Presidência em 1946, após a queda do Estado Novo de Getúlio Vargas e a redemocratização do Brasil. Marechal do Exército, foi eleito com ampla margem de votos, superando os candidatos Eduardo Gomes (1896-1981), da União Democrática Nacional (UDN), e Yedo Fiúza (1894-1975), do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com uma desastrada e breve liberação de exportações, queimou o pouco das reservas cambiais. Moralista, fechou os cassinos. Em maio de 1947, colocou o Partido Comunista na ilegalidade, rompeu relações com a União Soviética e alinhou o Brasil com os Estados Unidos na Guerra Fria (1947-1991). O Estadão criticou Dutra pelo vezo autoritário e por deixar prosperar a ideia de sua reeleição. O jornal, conservador, via em Dutra um animal político bem diferente: um reacionário.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

19/6/1946: “A maior incompatibilidade do sr. Eurico Dutra com a União Democrática Nacional (UDN) está no fato de ser o governo atual nitidamente reacionário. Não se trata de ração no sentido de natureza econômica. Não se cogita… de defender os fundamentos espirituais de nossa sociedade, a sua tradição patriarcal, as conquistas mais nobres e humanas de sua cultura… A reação, segundo a compreendem e praticam certos elementos do governo, é uma simples atitude de força material, um processo retardatário e absolutista de polícia política, um meio brutal de impor restrições à liberdade de pensamento e expressão intelectual no debate das idéias e dos fatos que enchem estes dias de nossa civilização.” Veja a página original

Getúlio Vargas (1951-1954): Enfrentou crises na política e na economia; Estadão fez oposição ao governo

Volta de Vargas ao poder, mesmo pela via democrática, não afastou a ameaça do retorno do autoritarismo Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Getúlio Vargas reassumiu o poder pelo voto em um ambiente de profunda desconfiança dos setores liberais, ressentidos por seus desmandos no período ditatorial do Estado Novo (1937-1945). Tomado de seus donos por Vargas entre 1940 e 1945, o Estadão fez oposição ao governo. Seu retorno, mesmo pela via democrática, não afastou a ameaça da volta do autoritarismo, temor aguçado pelas campanhas para “libertar” Vargas das amarras constitucionais. À crise econômica somou-se em 1954 uma tragédia, o “Crime da Rua Toneleros”, em que o chefe da guarda pessoal de Vargas foi acusado de matar a tiros um oficial da Aeronáutica, o Major Vaz, e ferir um dos mais ferozes adversários do governo e líder da UDN, Carlos Lacerda (1914-1977).

O que o Estadão falou sobre seu governo:

26/6/1951: “Para não malograr, o sr. Getúlio Vargas precisa libertar-se de si mesmo, das suas tendências ditatoriais e das sua habituais capoeiragens; dos tubarões e dos demagogos que o sitiam; da politicagem e das agitações que são a sua absorvente ocupação; do sonho da volta da ditadura em que explorava os pobres e servia aos ricos. Em seguida, escravize-se à lei, respeite a liberdade, sirva à democracia, consagre-se à Nação estimulando a sua riqueza e os seus progressos materiais, culturais, morais e cívicos.” Veja a página original

10/9/1952: “A união nacional estabelecer-se-ia fácil e automaticamente se o sr. presidente a República a quisesse de fato. Nem se exigiria para isso grandes coisas. Bastaria que se firmasse o respeito inflexível à lei e o culto intransigente da moral.” Veja a página original

11/10/1952: “O sr. Getúlio Vargas emergiu na História do Brasil como estrela de primeira grandeza, seria falta de espírito, falta de consciência histórica, de resto inútil, de resto ridícula, tentar discutir ou negar esta verdade elementar.” (Reprodução no jornal do discurso do líder da oposição a Vargas, Afonso Arinos de Melo Franco). Veja a página original

5/8/1953: “Procedeu o Instituto Brasileiro de Opinião Pública (IBOPE) a uma ampla sondagem a respeito do prestígio do chefe da Nação no seio do povo… 67% da população considera que o sr. Vargas falhou, 57,6% (das pessoas) acham que a situação do país é péssima, 44,4% responsabilizam diretamente o chefe do governo pela crise. Por classes sociais, 62,2% do operariado denunciam o malogro do sr. presidente da República.” Veja a página original

Multidão concentrada na frente da antiga sede do 'Estadão', no centro de São Paulo, lamenta a morte de Getúlio Vargas Foto: Oswaldo Luiz Palermo

25/8/1954: “Não estava na previsão de quem quer que seja, nem seria desejado pelos homens de sentimentos cristãos, o trágico desfecho (...) Na manhã de ontem, o sr. presidente da República pôs termo à existência com um tiro no coração. Quando s. exa vivia não poupamos críticas severas a seus atos e às suas palavras que nos pareciam condenáveis. Agora que está morto só nos resta descobrir-nos diante da sepultura em que jaz seu corpo.” Veja a página original

Juscelino Kubitschek (1956-1961): Brasília, inflação e endividamento foram motivo de críticas do Estadão

'O sr. Juscelino Kubitschek é um homem que vive apegado a mitos', dispara o jornal em 1960 Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: João Café Filho (1899-1970), vice de Vargas, assumiu a Presidência e estava conduzindo bem a política rumo a uma sucessão constitucional quando, em novembro de 1955, sofreu um ataque cardíaco. Foi internado e passou o cargo ao presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz (1894-1961), que exerceu a Presidência por apenas três dias, de 8 a 11 de novembro. Foi deposto por um movimento militar liderado pelo General Henrique Teixeira Lott (1894-1984). A justificativa: Luz faria parte de um movimento com o objetivo de impedir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek (1902-1976). O senador Nereu Ramos (1888-1958) completou o quinquênio presidencial com o País sob estado de sítio. O episódio ficou conhecido como “Novembrada”. Foi um momento crítico para garantir a continuidade democrática no Brasil, permitindo que JK assumisse a Presidência em 31 de janeiro de 1956. A mudança da capital do Rio para Brasília, inflação alta (30% ao ano), o endividamento externo e o déficit fiscal foram os motivos principais das implacáveis críticas do jornal ao governo de JK.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

11/3/1960: “O sr. Juscelino Kubitschek é um homem que vive apegado a mitos, com os olhos postos na posteridade. Coisa alguma o preocupa tanto quanto como o juízo que dele farão na posteridade.” Veja a página original

12/11/1960: “A instalação dos poderes da República na cidade artificial implantada nas solidões goianas pelo sr. Juscelino Kubitschek é uma mistificação, uma autêntica farsa.” Veja a página original

JK (no centro) caminha entre grupo com o prédio do Congresso sendo construído ao fundo, em 1959 Foto: Acervo Estadão

17/11/1960: “Sem raízes no passado e sem um conhecimento aprofundado das tradições brasileiras, o sr. Juscelino Kubitschek não poderia senão concluir a obra de destruição iniciada por Getúlio Vargas. O seu quinquênio, assinalado por uma política megalômana e ruinosa, reflete a sua personalidade primária e instável e a herança que se prepara para legar a seu sucessor é das mais pesadas da nossa História.” Veja a página original

Jânio Quadros (1961): Fez governo errático e renunciou

Jânio Quadros durante campanha eleitoral para a Presidência na cidade de Igarapava, no interior de São Paulo, em 1960 Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Jânio Quadros (1917-1992) se elegeu pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional) com forte apoio da UDN (União Democrática Nacional). A legislação eleitoral em 1960 previa eleições distintas para os cargos de presidente e vice. Milton Campos (1900-1972), vice na chapa de Jânio, perdeu para João Goulart (1919-1976), do PTB. Isso criou um governo dividido. Essa configuração política contribuiu para as crises que levaram à renúncia do presidente, em 25 de agosto de 1961, e à resistência militar à posse de Goulart, resultando na adoção do parlamentarismo como solução temporária. Excêntrico, fez um governo errático. Proibiu as rinhas de galo e o lança-perfume no carnaval. Determinou que as misses desfilassem de maiôs, proibindo biquínis nas passarelas, e por pouco não baniu o turfe. Condecorou Che Guevara (1928-1967) e se aproximou da União Soviética e da China de Mao Tsé-Tung (1893-1976). O jornal anteviu o conflito futuro e se opôs à posse de Goulart.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

22/3/1961: “O clima estável, que a maioria dos governantes procura obter, não só não estaria de acordo com o temperamento do sr. Jânio Quadros, como, a seu ver, seria mesmo impossível de ser conseguido na atual fase de evolução do país.” Veja a página original

14/05/1961: “A decepção começou com as tergiversações e ambiguidades do presidente Jânio Quadros no campo da política externa do país (...) Agora é o senado a demonstrar que não concorda que o sr. Jânio Quadros nos conduza a uma aventura esquerdista (...) no momento exato em que redobram de agressividade e de ousadia as atividades comunistas em todo o mundo.” Veja a página original

9/7/1961: “Fecha-se o sr. Jânio Quadros cada vez mais numa torre de marfim, mantendo-se afastado do Congresso e dos Partidos, o mesmo é dizer da Nação.” Veja a página original

24/8/1961: “...a nossa presença no cenário mundial está-se afirmando como elemento de perturbação e tumulto. Abandonamos o papel de agentes conciliadores e de contato que sempre exercemos entre os Estados Unidos e as demais nações latino-americanas para passarmos a liderar aqueles que têm por norma opor-se sistematicamente nos conclaves internacionais à grande República do Norte.” Veja a página original

25/8/1961: “Colocada como foi pelo tribuno carioca (Lacerda) a questão implica uma suspeita (de que Jânio preparava um autogolpe) que não poderá deixar de abalar seriamente a confiança que uma grande parcela do eleitorado que em 3 de outubro último sufragou nas urnas o nome do sr. Jânio Quadros para a Presidência da República.” Veja a página original

27/8/1961: “A posse do sr. João Goulart (vice-presidente do resignatário Jânio Quadros) colocar-nos-ia em face de um conflito irredutível entre ele próprio e a maioria da Nação que a 3 de outubro último elegera o homem que então considerava o legítimo representante da democracia brasileira. Em outras palavras: voltaríamos à situação em que o Brasil se viu quando, numa flagrante deturpação dos princípios que inspiraram a revolução de 19 de outubro de 1945, o ditador Getúlio Vargas, sob a capa constitucional, voltou a subir as escadas do poder.” Veja a página original

João Goulart (1961-1964): Governo decorreu sob forte suspeição do jornal

Jango assumiu governo em setembro de 1961; clima de instabilidade culminou no golpe de 1964 Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: João Goulart (1919-1976) assumiu a Presidência do Brasil em 7 de setembro de 1961. Os militares tentaram impedir sua posse, alegando que Jango, ligado ao trabalhismo e à esquerda, representava a volta ao Varguismo e um passo rumo ao comunismo. Leonel Brizola (1922-2004) liderou a Campanha da Legalidade, mobilizando a população e setores militares em defesa da Constituição. Para evitar um golpe, o Congresso adotou o parlamentarismo, reduzindo os poderes de Jango, que só foram restaurados em janeiro 1963 por um plebiscito. O Estadão considerou o parlamentarismo “a mais trágica das aventuras jamais registrada pela nossa História política.” O governo Goulart decorreu sob forte suspeição do jornal. O clima de instabilidade culminou no golpe militar de março de 1964.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

7/9/1961: “A legalidade venceu. Um pouco desfigurada, é verdade, um pouco ferida, é verdade, sob a imposição de uma alteração fundamental do regime (o parlamentarismo) para que fosse preservada, mas venceu. A mocidade que lutou por ela, pois está de parabéns.” Veja a página original

27/3/1963: “Lutei pela posse do sr. João Goulart. Tenho autorização para dizer que, desde aquela hora infortunada, este país vive no sobressalto, na preocupação da revolução que ele prega, que ele estimula.” – Reprodução de um discurso de Adauto Cardoso, líder da UDN no Congresso. Veja a página original

4/1/1964: “O sr. João Goulart está atormentado em face dos problemas que se tornam cada dia mais graves, sem que possa oferecer à Nação perspectivas de dias melhores.” Veja a página original

14/2/1964: “O tema agora preferido pelo governo federal (...) a volta à legalidade do Partido Comunista (...) visa alcançar seu objetivo constante (do presidente Goulart) de descobrir a maneira de figurar entre os possíveis candidatos ao pleito presidencial de 1965.” Veja a página original

19/3/1964: “A dar ouvidos a s. exa., estaríamos diante de um episódio do próprio curso da história, de uma nação que já não se conforma com a subestrutura jurídica em que vem evoluindo (...) Esse episódio (o comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro) do ”curso da história” assumiu para o sr. João Goulart tais proporções que ou o país se decide a aceitar-lhe o significado ou não haverá forças que evitem a guerra civil.” Veja a página original

26/3/1964: “...o estabelecimento do monopólio estatal da importação e distribuição do papel de imprensa, ideia fixa do sr. João Goulart, se chocaria frontalmente com o dispositivo do art. 146 da Carta Magna (...) O pretendido monopólio desrespeitaria mais de um dispositivo a Constituição vigente, a principiar pela garantia da livre manifestação através da imprensa.” Veja a página original

29/3/1964: “Só o poder verbal de Vieira ou de Rui Barbosa nos poderia dar a impressão exata da hora terrível que o Brasil atravessa. Jamais, na nossa história, houve momento que de algum modo se comparasse àquele que a insânia governamental nos preparou.” Veja a página original

31/3/1964: “...O chefe do Executivo sente-se neste instante em sérias dificuldades em face daqueles que até aqui não cessaram de dar mostras do seu respeito à Constituição através do acatamento às ordens de s. exa (...) Não resta dúvida alguma de que o Exército nacional disse um BASTA categórico e definitivo aos desmando de s. exa.” Veja a página original

Tanque do Exército próximo da casa do presidente deposto, João Goulart, no Rio, em 31 de março de 1964 Foto: Acervo Estadão - 31/3/1964

3/4/1964: “...o movimento que acaba de ter tão feliz epílogo deve ser considerado não só como uma vitória da opinião pública brasileira, não só como uma vitória da democracia neste grande país, mas, sobretudo, como um triunfo da democracia continental, como um revés insanável do comunismo internacional.” Veja a página original

Castelo Branco (1964–1967): Logo ficou claro que não haveria eleições livres; Estadão se afastou de militares

Castelo Branco queria convocar eleições em 1966, mas perdeu a queda de braço com os militares mais radicais Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: O general assumiu a Presidência em 15 de abril de 1964. Aprovou o AI-1, permitindo cassações políticas, e o AI-2, que extinguiu partidos e criou o bipartidarismo (Arena e MDB). Castelo Branco (1897-1967) queria convocar eleições em 1966, mas perdeu a queda de braço com os militares mais radicais. Isso abriu caminho para o endurecimento do regime, que duraria 21 anos. O Estadão apoiou a deposição de João Goulart (1919-1976) por ver risco à institucionalidade e uma aproximação com o socialismo de modelo cubano. No entanto, 12 dias depois, em editorial de 11 de abril de 1964, criticou o AI-1, ao perceber que o regime militar assumia poderes constituintes. O jornal esperava que o ato fosse temporário, mas logo ficou claro que não haveria eleições livres. O novo governo, dizia o editorial, estava ficando parecido com o do “caudilho deposto”. Foi o início do afastamento do Estadão do regime dos generais.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

28/10/1965: “Se excetuarmos o setor econômico e financeiro, onde o governo desenvolveu uma ação realmente admirável e, que deve ter a necessária continuidade, está tudo por fazer. A Revolução, como tal, durou já o dissemos, uns escassos dez dias (até 9 de abril de 1964, quando foi editado o AI-1). Agora, mercê do agravamento alarmante da situação criada pelos seus próprios erros, volta o sr. marechal Castelo Branco a estar investido de poderes excepcionais (com a edição no dia anterior do AI-2).” Veja a página original

15/3/1967: “É olhando para trás e medindo perfeitamente a responsabilidade que neste instante nos cabe que voltaremos a afirmar a nossa absoluta discordância – se excetuarmos o trabalho desenvolvido nas pastas da Viação, de Minas e Energia e mais particularmente da Fazenda e do Planejamento, em suma, no campo dos problemas materiais – com os inqualificáveis processos que lançou mão o sr. castelo Branco para conscientemente deturpar na forma e no fundo a missão moral e política que recebeu do país em 31 de março (...) A Lei de Segurança Nacional por s. exa promulgada (...) será uma marca indelével a indicar ao historiador futuro o que sonhou implantar neste país quem jamais soube perceber o que há de belo e dignificante nos regimes de liberdade.” Veja a página original

Costa e Silva (1967–1969): Rompimento definitivo do Estadão com o regime militar

Costa e Silva prometeu abertura, mas decretou o AI-5 e instaurou a fase mais repressiva da ditadura Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Com a vitória da linha-dura dos militares, assumiu a Presidência em meio a crescentes protestos estudantis, greves operárias e insatisfação popular com o regime. Costa e Silva (1899-1969) prometeu abertura, mas decretou o AI-5 em dezembro de 1968. O AI-5 fechou o Congresso e instaurou a fase mais dura da ditadura militar, marcada por repressão e poucas concessões à oposição. Um acidente vascular cerebral deu fim a seu governo em agosto de 1969, quando foi substituído por uma junta militar. Precedido pelo editorial Instituições em frangalhos, o AI-5 marcou o rompimento definitivo do Estadão com o regime dos generais. O jornal teve a edição apreendida e conviveu com censores na redação.

Policiais reprimem manifestação estudantil no Rio, em 1968; AI-5 é instaurado no mesmo ano Foto: Acervo Estadão

O que o Estadão falou sobre seu governo:

13/12/1968: Instituições em frangalhos – “...vai sua exa. percebendo que governar uma nação de mais de 80 milhões de habitantes e que acaba de dar, com a vitória de 64 - que, embora s. exa. considere como obra das Forças Armadas, se deve ao próprio esforço da coletividade – uma demonstração viva de fé democrática, é coisa muito diferente do comando de uma divisão ou de um exército.” Veja a página original

Emílio Garrastazu Médici (1969–1974): Governou com o AI-5 em mãos e levou ditadura ao ‘auge’

Médici levou a ditadura ao auge, com forte repressão política, censura, perseguições e tortura de opositores Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Depois de uma junta militar afastar Costa e Silva (1899-1969) após um AVC, Médici (1905-1985) assumiu e levou a ditadura militar a seu auge, com forte repressão política, censura, perseguições, tortura a opositores e operações clandestinas no combate a grupos armados. Governou com o AI-5. O período também foi marcado por um acelerado crescimento, o “Milagre Brasileiro”. A concentração de renda, porém, gerou uma crescente insatisfação, preparando o terreno para futuras demandas por mudanças.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

16/3/1974: “Nossas críticas, por vezes veementes, ao Sistema, nunca visaram a pessoa do presidente. Seu comportamento pessoal foi sempre exemplar. Nosso juízo do presidente estadista é mais severo (...) Podemos dizer que s. exa viveu quase sempre longe dos acontecimentos. Tão cedo não será esquecida sua solene promessa do ano 69 sobre a democratização do Sistema antes do término do seu mandato (...) seu desejo real era de ficar para a história como o presidente da abertura democrática, da normalização definitiva de um regime de exceção (...) essa promessa não pôde ser cumprida.” Veja a página original

Ernesto Geisel (1974-1979): Iniciou a ‘distensão lenta e gradual’

Geisel criou os 'senadores biônicos', escolhidos pelo governo, e estendeu o mandato presidencial para 6 anos Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Tomou posse no começo da crise do “Milagre Brasileiro” e a pressão pela abertura política. Centralizador, lançou o II PND, investindo em infraestrutura, energia e no Programa Nuclear e Proálcool. O modelo, dependente de crédito, elevou a dívida externa, o que trouxe de volta a inflação alta. Com o “Pacote de Abril” fechou temporariamente o Congresso, criou os “senadores biônicos”, escolhidos pelo governo, e estendeu o mandato presidencial para seis anos. Iniciou a “distensão lenta e gradual”, deixando o AI-5 caducar em 1978. Ao deixar o cargo, em 1979, a abertura política estava encaminhada, mas os sinais de estagnação econômica podiam ser percebidos em toda parte.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

14/4/1977: “Um cesarismo que não ouse confessar o seu nome jamais pode abrigar a esperança de que o povo o ajude na realização total ou parcial de sua doutrina, mesmo porque ele não se alimenta de uma doutrina. Alimenta-se de um fim – a sua perpetuação.” Veja a página original

13/10/1977: “A Nação não responde pela crise que se abriu no sistema militar (com a demissão por Geisel, em 12 de outubro de 1977, de seu ministro do Exército, Sylvio Frota, leniente com casos de torturas e morte de presos políticos nas prisões militares) pela simples e boa razão de que está afastada das decisões cruciais que dizem respeito a seu futuro.” Veja a página original

11/3/1979: “O descaso por esse princípio fundamental (Nação é diferente de Estado) foi o principal vício e é a maior suspeita que pesa sobre as ”salvaguardas” que o presidente Geisel introduziu na Constituição: ao encaminhar para o Congresso uma mensagem de reforma da Constituição com a rubrica tácita de intocável, recusou-se (...) o presidente à condição de mediador entre Nação e Estado.” Veja a página original

João Figueiredo (1979-1985): Enfrentou greves, hiperinflação e protestos

Figueiredo aprovou a Lei da Anistia, em 1979, e restaurou o pluripartidarismo no País Foto: Acervo Estadão

O que aconteceu: Com a missão de concluir a abertura política, Figueiredo (1918-1999) aprovou a Lei da Anistia (1979) e restaurou o pluripartidarismo. Enfrentou forte resistência da ala linha-dura dos militares. A crise do atentado do Riocentro (1981), em que militares tentaram explodir uma bomba para culpar a oposição, teve sua farsa revelada. Figueiredo, porém, ficou com a patética versão oficial. Enfrentou greves, hiperinflação e protestos. Manteve a transição democrática, permitindo a eleição indireta de Tancredo Neves (1910-1985). Ao deixar o poder, em 15 de março de 1985, encerrou a ditadura militar.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

13/5/1981: “...o Estado parece ter perdido poder e não consegue afirmar sua vontade sobre as milícias que promoveram o atentado do Riocentro (...) Nada será apurado em termos de responsabilidade e culpa sobre o atentado no Riocentro, nem será preciso especular por quê.” Veja a página original

Atentado do Riocentro, em que militares tentaram explodir bomba em ato civil para culpar a oposição: crise do governo Figueiredo Foto: Carlos Chicarino/Estadão -

9/3/1984: “Surpresa alguma nos causa o resultado da pesquisa realizada pelo Instituto Gallup que confere ao presidente João Figueiredo o mais baixo índice de popularidade desde posse – a saber 41 pontos abaixo de zero, numa escala que vai de mais cem a menos cem.” Veja a página original

27/2/1985: “Pode parecer fantástico, porém verdadeiro: quem governa já é o governo Tancredo Neves. Apático, o governo João Figueiredo faz muito que apenas contava tempo para ser esquecido, mas, nas duas últimas semanas acabou mesmo.” Veja a página original

José Sarney (1985–1990): Instabilidade econômica e denúncias de corrupção mantiveram sua popularidade em baixa

Sarney enfrentou hiperinflação e lançou planos econômicos heterodoxos ineficientes, como o Cruzado Foto: Joveci C. de Freitas/Estadão - 8/10/1985

O que aconteceu: Vice de Tancredo Neves (1910-1985), que morreu antes de tomar posse, seu governo consolidou a redemocratização do Brasil, com a convocação da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1988. Enfrentou graves crises econômicas, com hiperinflação (2.400% ao ano) e planos econômicos heterodoxos ineficientes, como o Plano Cruzado. A instabilidade econômica e denúncias de corrupção mantiveram sua popularidade em baixa. (Entre 2009 e 2018, Fernando Sarney, filho do então ex-presidente, conseguiu manter o Estadão sob censura judicial de modo a nada divulgar sobre a operação de crimes financeiros batizada pela Polícia Federal de “Boi Barrica”).

O que o Estadão falou sobre seu governo:

18/9/1985: “Embora o sr. José Sarney não seja um filho de oligarquias tradicionais do Nordeste ou mesmo do Norte, parece que aprecia sobremodo a ajuda de Deus – que pelo visto não deve estar muito satisfeito com a orientação que está imprimindo à política econômica.” Veja a página original

10/10/1986: “Helicópteros da FAB fazendo muito barulho, policiais federais armados até com metralhadoras tocando boiadas, fiscais da Sunab espalhados pelo campo – o governo armou uma ‘guerra’ para o primeiro dia de desapropriação de bois gordos nas fazendas, sua mais ousada tentativa de normalizar o abastecimento de carnes no país.” Veja a página original

Funcionário de supermercado remarca preços de alimentos; hiperinflação no governo Sarney chegou a 2.400% ao ano Foto: Acervo Estadão

“Palhaçada eleitoral” – Título do editorial do mesmo dia sobre o confisco de boi no pasto. Veja a página original

Fernando Collor (1990–1992): Hiperinflação, corrupção, impeachment e renúncia

Plano Collor confiscou a poupança dos brasileiros e congelou depósitos à vista nos bancos Foto: José Varella/Estadão - 10/7/1991

O que aconteceu: Primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura. Prometeu modernizar a economia e combater a corrupção. Com o Plano Collor tentou derrubar a hiperinflação, confiscando a poupança dos brasileiros e congelando até depósitos à vista nos bancos. A inflação voltou pior. Sofreu impeachment por corrupção em 29 de dezembro de 1992 e renunciou antes da votação final no Senado.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

12/1/1991: “Mais depressa do que se imaginava, o governo Fernando Collor começa a assemelhar-se ao governo Sarney.” Veja a página original

13/4/1992: “...um retumbante fracasso é a primeira impressão deixada pela radical reforma ministerial concluída pelo presidente Fernando Collor.” Veja a página original

Parlamentares votam impeachment de Collor durante sessão na Câmara; ele renuncia antes da decisão no Senado Foto: Andre Dusek/Estadão

23/7/1992: “A nós não preocupava e não preocupa o sr. Fernando Collor de Mello, mas sim a majestade da Presidência da República. Por isso víamos como hipótese recomendável a renúncia de Sua exa.” Veja a página original

Itamar Franco (1992-1994): Nacionalismo tosco e Plano Real

Itamar nomeou FHC para a Fazenda e ganhou estatura ao lançar o Plano Real, que conseguiu estabilizar a economia Foto: José Paulo Lacerda/Estadão - 10/11/1993

O que aconteceu: Chegou à Presidência em 29 de dezembro de 1992 em virtude do impeachment de Fernando Collor. Herdou um país em crise econômica e política. Sem a menor ideia do que fazer, recorreu a um nacionalismo tosco e ao experimentalismo na economia. Nomeou Fernando Henrique Cardoso para a Fazenda e ganhou estatura ao lançar o Plano Real (1994), que conseguiu controlar a hiperinflação e estabilizar a economia. Itamar Franco (1930-2011) deixou o cargo em 1º de janeiro de 1995, passando a Presidência para FHC, eleito em primeiro turno.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

31/12/1994: “Será difícil julgar o governo Itamar Franco, que fez o Plano Real e atrasou a privatização. O triunfo do Plano Real e a vitória de Fernando Henrique Cardoso levaram a que se passassem a segundo plano aspectos negativos do governo Itamar Franco. É necessário relembrá-los para que o juízo que sobre ele venha a fazer um dia seja, pelo menos, sereno.” Veja a página original

Fernando Henrique Cardoso (1995–2002): Economia estabilizada e reeleição

FHC privatizou estatais, modernizou a economia e tornou o País atraente para investimentos estrangeiros Foto: Dida Sampaio/Estadão - 17/8/1995

O que aconteceu: O governo de Fernando Henrique Cardoso consolidou a vitória contra a inflação. Privatizou empresas estatais, modernizou a economia e tornou o País atraente para investimentos estrangeiros. Em 1997, o Congresso aprovou a reeleição para presidente e FHC se reelegeu no ano seguinte. O segundo mandato foi atingido pela crise financeira internacional. Deixou o governo em 1.º de janeiro de 2003, com a economia estabilizada sobre o tripé formado pela meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Passou o cargo para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

30/1/1997: “Não é cedo, porém, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso comece a recompor a sua imagem austera, desgastada nas negociações que desembocaram no resultado acachapante para a oposição: 336 votos a favor da reelegibilidade contra 17.” Veja a página original

2/11/1998: “Tudo considerado, eis a conclusão importante: o presidente Fernando Henrique Cardoso recuperou a possibilidade de deixar reformas que desenharão a imagem do país por muitas gerações.”

“Instituir um regime fiscal austero, no qual os administradores públicos sejam limitados por critérios rigorosos de gasto público e sejam punidos se não os respeitarem, eis uma revolução permanente que está de novo ao alcance do país.” Veja a página original

Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010): Com crescimento econômico, sobreviveu ao escândalo do Mensalão

Lula garantiu estabilidade com o tripé macroeconômico câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário Foto: Celso Junior/Estadão - 10/3/2005

O que aconteceu: Com um discurso de mudança e combate à desigualdade, Lula assumiu sob a desconfiança do mercado. Manteve o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário), garantindo estabilidade. Ampliou programas sociais, como o Bolsa Família. Com crescimento econômico e redução da pobreza, sobreviveu ao escândalo do Mensalão. Saiu com alta popularidade em 1.º de janeiro de 2011, passando o cargo para sua ex-ministra Dilma Rousseff.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

30/12/2005: “Mensalão foi ‘facada nas costas’, diz Lula” – Manchete do Estadão. Veja a página original

Roberto Jefferson (foto) delatou esquema do Mensalão, dando origem ao escândalo que abateu os petistas José Dirceu e José Genoino Foto: Ed Ferreira/Estadão

17/3/2008: “É bom ouvir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esconjurar os demônios da inflação. A economia brasileira, segundo o presidente, pode continuar crescendo até 6% ao ano, se o consumo não ultrapassar a oferta.” Veja a página original

25/10/2009: “De acordo com a sua descrição, neste país estranho, ‘uma pessoa de quarto escalão resolve e tem mais poder que o presidente da República’. A frase é muito importante porque denuncia com perfeita clareza a forma como o presidente Lula percebe o mundo da administração e das normas. O importante para ele é o status do agente, não o valor da regra.” Veja a página original

31/12/2010: “A era Lula – que pode, ou não ter chegado ao fim neste 31 de dezembro – foi um período único na história da República (...) o ciclo de oito anos que se encerra formalmente hoje se distingue por entrelaçar o melhor e o pior que um governo eleito pelo voto popular já proporcionou ao país.” Veja a página original

1º/5/2011: “A diplomacia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou para liquidar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas seu terceiro-mundismo – ou antiamericanismo – não contaminou os governos mais pragmáticos da região.” Veja a página original

Dilma Rousseff (2011-2016): Lava Jato, pedaladas, manifestações e impeachment

Primeiro governo Dilma foi marcado pelo crescimento baixo; o segundo, pelo 'Petrolão' e por manifestações nas ruas Foto: Dida Sampaio/Estadão

O que aconteceu: Primeira mulher a assumir a Presidência, sucedeu Luiz Inácio Lula da Silva em 2011, em meio a grandes dúvidas sobre sua capacidade política e administrativa – mas também com grandes expectativas por causa da alta popularidade do presidente anterior e da esperança de continuidade das políticas sociais. Seu primeiro governo foi marcado pelo crescimento baixo, intolerância com a corrupção e pelo distanciamento de Lula, a quem resistiu, pois pretendia ser ele próprio o candidato do PT à presidência em 2014. O segundo, pela desaceleração da economia e o desastre de reanimá-la por meio de mecanismos heterodoxos como controle de preços administrados e injeção de liquidez exagerada na economia. A Operação Lava Jato desnudou as relações incestuosas das empreiteiras com os partidos de apoio ao governo no escândalo do “Petrolão”. Imensas manifestações populares e as “pedaladas fiscais” – operações ilegais de crédito em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal – culminaram com seu impeachment em 31 de agosto de 2016, a dois anos do fim do segundo mandato.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

11/12/2014: “Diante das sobejas evidências que se acumulam em torno do escândalo da Petrobrás, é – mais que compreensível – perfeitamente adequado que em ato público relativo ao Dia Internacional de Combate à Corrupção (...) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tenha feito um duro pronunciamento. Lamentou ele que ‘o Brasil ainda seja um país extremamente corrupto’.” Veja a página original

2/1/2015: “Dilma afirma que vai defender Petrobrás de inimigos externos” – Manchete do jornal. Veja a página original

10/3/2015: “Dilma afirma que não há razão para impeachment” – Manchete do jornal. Veja a página original

Protesto na Avenida Paulista pelo impeachment de Dilma, em 13 de março de 2016, reuniu mais de 1 milhão de pessoas Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/3/2016

16/9/2015: “No ponto a que chegamos qual a credibilidade da estroina Dilma Rousseff para propor sacrifícios ao povo brasileiro?” Veja a página original

22/12/2015: “Há um consenso nacional de que é indispensável pacificar urgentemente o campo político e que duas questões vitais precisam ser resolvidas: o impeachment de Dilma e a controvérsia criada na Câmara pela delicada situação de seu presidente, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).” Veja a página original

1º/9/2016: “Impeachment, promessas e suspeita de acordão” – Manchete do jornal. Veja a página original

“Malgrado o fato de que a petista finalmente teve seu mandato cassado, levando alívio ao país, tão maltratado pela incúria administrativa e pelo desleixo moral da agora ex-presidente e de seu partido, um punhado de notórios personagens da vida política – desses que não se consegue identificar bem na escala biológica, porque são ao mesmo tempo animais de pluma, couro e escama – aproveitou para urdir uma maracutaia digna de uma república bananeira.” Referência à cassação do mandato de Dilma, mas com a manutenção de seus direitos políticos. Veja a página original

Michel Temer (2016–2018): Apoio no Congresso e impopularidade recorde

Temer aprovou reformas econômicas significativas, como a PEC do Teto de Gastos e a reforma trabalhista Foto: Dida Sampaio/Estadão

O que aconteceu: O governo Temer aprovou reformas econômicas significativas, como a PEC do Teto de Gastos e a reforma trabalhista. Estabilizou a economia em meio à profunda recessão herdada do governo anterior. Hábil, conseguiu amplo apoio no Congresso, mas mesmo assim seu governo enfrentou impopularidade recorde – chegando a abismos de aprovação de apenas 3%. Foi acusado de ilegitimidade por ter assumido a Presidência depois do impeachment de Dilma Rousseff, visto como golpe por seus eleitores.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

27/6/2017: “Procurador denuncia Temer ao Supremo por corrupção passiva” - Manchete do jornal sobre mais um passo no processo movido contra Temer depois de ter sido gravado clandestinamente pelo empresário Joesley Batista, da J&F, dizendo uma frase interpretada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, como sendo crime ao incentivar o empresário à “manutenção de pagamentos ilegítimos” a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que estava preso. O processo chegou ao STF, mas foi arquivado em 2021. Veja a página original

Temer atingiu impopularidade recorde, com apenas 3% de aprovação; na foto, vigília de opositores ao governo na Avenida Paulista Foto: Nilton Fukuda/Estadão

1º/1/2019: “Temer demonstrou consciência de que seu papel na Presidência, em meio à grave crise política e econômica causada pela passagem do PT no poder, era sobretudo ser avalista de medidas duras destinadas a reequilibrar as contas públicas – cujo estado deplorável estava na essência da crise que derrubou (sua antecessora ) Dilma Rousseff.” Veja a página original

Jair Bolsonaro (2019-2023): Fruto da polarização e de maciça presença digital

Bolsonaro: políticas econômicas liberais, conservadorismo em questões sociais e crise durante a pandemia Foto: Wilton Junior/Estadão - 4/5/2022

O que aconteceu: A ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência foi resultado da forte insatisfação popular com a política tradicional, impulsionada pela Operação Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff. O domínio da narrativa nas redes sociais fez dele o primeiro presidente eleito no Brasil pela maciça presença digital e o agravamento da polarização política. Sua presidência caracterizou-se por políticas econômicas liberais, conservadorismo em questões sociais, desastres na gestão ambiental e por aprofundar a crise durante a pandemia de covid-19 – quando fez propaganda de tratamentos alternativos sem eficiência comprovada e foi adversário vocal das medidas sanitárias quase universalmente adotadas, como vacinas e uso de máscaras. Bolsonaro foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva em uma acirrada disputa de segundo turno, tornando-se o primeiro presidente brasileiro a não conseguir a reeleição desde a redemocratização.

O que o Estadão falou sobre seu governo:

1º/6/2020: “Decano do STF vê momento igual ao da ascensão do nazismo” – Manchete do jornal sobre comentário do ex-ministro do STF Celso de Mello a respeito de um ato de bolsonaristas contra a Suprema Corte em que Jair Bolsonaro sobrevoou a multidão de apoiadores a bordo de um helicóptero camuflado do Exército. Veja a página original

19/12/2020: “(Jair Bolsonaro) tornou a fazer terrorismo em relação à vacina (contra a covid-19) advertindo que, ao tomá-la, o cidadão pode ‘virar jacaré’, entre outras barbaridades – que não causariam espanto na boca de uma criança de sete anos, mas, ditas por um chefe de Estado em meio à catástrofe da pandemia, antecipam tempos ainda mais sombrios à frente.” Veja a página original

Bolsonaro combateu vacinas e uso de máscaras; número de mortos por covid passou de 700 mil no País. Na foto, sepultamento no cemitério de Vila Formosa Foto: Werther Santana/Estadão - 9/4/2020

8/9/2022: “Bolsonaro faz comício para multidões, fustiga pesquisas e ignora o bicentenário” - Manchete do jornal. Veja a página original

31/7/2022: “Todavia, se houve quem comprasse de boa-fé a falácia de Bolsonaro em 2018, agora, ao final de seu mandato, já não há mais dúvida de que o presidente não é liberal nem, muito menos, conservador. Bolsonaro é apenas oportunista reacionário com evidente inclinação para o autoritarismo.” Veja a página original / EDIÇÃO DE FOTOS: LIZ BATISTA