Em 2023, pesquisa Edelman Trust Barometer apontou que o Brasil era o sétimo país mais polarizado entre os 28 pesquisados. Na ocasião, o cenário brasileiro colocava o País entre os “moderadamente polarizados”, mas com “risco de polarização severa”, categoria em que já se encontravam Argentina e Estados Unidos, por exemplo. Segundo o levantamento, 78% dos brasileiros acreditavam que o País estava mais fragmentado e dividido ideologicamente do que no passado, ante 53% da média global. Além disso, a falta de civilidade e respeito mútuo era a pior já vista para 80% dos entrevistados no Brasil - no mundo, esse número ficou em 65%.
A polarização política não é necessariamente ruim para a democracia. Ela pode estimular o debate a partir de diferentes visões. O problema acontece quando ela divide a sociedade em dois grupos incompatíveis, antagônicos - e inimigos.
Mas o que causa a polarização? Ela sempre existiu ou é um fenômeno impulsionado pelas redes sociais? E, mais importante, há um caminho para sair dela? Algum país já conseguiu? Fizemos essas e outras perguntas para especialistas que se debruçam sobre o tema. Veja abaixo o que eles disseram:
Tire suas dúvidas sobre polarização política
Como definir a polarização política?
A polarização é parte da vida política. Se você entende polarização como a diferenciação de propostas e de visões em relação à sociedade, com respeito pela diferença, pelo ponto de vista, pela visão de um e de outro, ela faz parte da democracia. É uma polarização construtiva, porque a política perderia o sentido se todos fossem iguais. Entretanto, ela se torna destrutiva quando no lugar do confronto de ideias e programas surgem a demonização do opositor e a negação da legitimidade de sua existência.

O que causa a polarização? São apenas ideias divergentes? Ela sempre existiu?
As explicações são muitas e mudam de país para país. Um certo nível de intolerância sempre existiu na população. Porém, havia certo autocontrole e respeito às normas de convivência, que funcionavam como barreiras, como limites. Hoje essas barreiras não existem mais. A polarização mobiliza valores, visões e sobretudo trabalha com os sentimentos de medo e de raiva, em busca de inimigos.

Como superar a polarização?
A superação da polarização depende menos de reformas institucionais e mais da postura das principais lideranças. No caso do momento atual no Brasil, especialmente do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para Sergio Fausto, diretor-geral da Fundação FHC, a polarização não surge espontaneamente, mas resulta de uma estratégia deliberada dos políticos. Embora fatores como o descontentamento com a política e o impacto das redes sociais ampliem o fenômeno, a ação intencional dos líderes é determinante. Assim, tanto o presidente da República quanto o futuro candidato da direita em 2026 terão papel central na definição do tom do debate público. Reduzir os conflitos exige, acima de tudo, uma mudança na conduta política.

Algum país conseguiu sair da armadilha da polarização?
O Uruguai é citado como um exemplo. Oliver Stuenkel, analista político, professor de Relações Internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão, escreveu sobre o “case”. Ele observa que nem o vencedor da eleição disputada no fim do ano passado, Yamandú Orsi, nem o candidato derrotado, Álvaro Delgado, adotaram discursos radicais, não se viam como inimigos, mas como oponentes políticos, e não representavam uma ameaça à democracia. Também o eleitorado uruguaio teve papel importante. Eles não tiveram dificuldade de aceitar o resultado das urnas e não houve incitação à violência, diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. “O Uruguai apresenta baixos níveis de polarização tanto na dimensão ideológica – caso de grupos (líderes ou eleitores) se movendo para posições extremas – quanto na dimensão emocional — sentimentos negativos em relação a grupos opositores”, escreveu Stuenkel.

A polarização atinge toda uma sociedade de forma equânime ou é possível ficar distante dela? As instituições democráticas podem ajudar nisso?
Quando ela se torna extrema, unânime, dividindo a sociedade em dois grupos antagônicos, que veem um ao outro como uma ameaça existencial, passa a ser perniciosa, prejudica a governabilidade e pode levar à erosão da própria democracia. Foi o que aconteceu no Brasil no 8 de Janeiro. As instituições democráticas (Legislativo e Judiciário) foram essenciais na oposição ao movimento golpista e na manutenção da democracia.

A polarização, o incentivo aos extremos, é usada de forma igual por esquerda e direita?
A característica básica da polarização é a necessidade de um lado eliminar o outro. O caso dos Estados Unidos é muito nítido e, na opinião de muitos pesquisadores, não é simétrico. Eles acreditam que é muito mais a extrema direita do que a extrema esquerda quem estimula a polarização. Esses mesmos pesquisadores consideram que a extrema esquerda é muito pouco expressiva e importante no mundo de hoje e se tornou marginal como força política.

Quais sentimentos são mais comuns em um ambiente polarizado?
A polarização mobiliza valores, visões. Mas, sobretudo, trabalha com sentimentos, e o sentimento fundamental da polarização é a sensação de ameaça, o medo. E, diante do medo você precisa produzir raiva. É a raiva que dá a força e o impulso político para que você ataque seu inimigo. Você precisa encontrar um culpado, um inimigo. E se você quer eliminar esse inimigo, no fundo o que você quer é destruir a democracia.

Qual é o papel das redes sociais na polarização?
Os meios de comunicação virtuais, em particular as redes sociais, destruíram os filtros. Os jornais, por exemplo, sempre tiveram posturas políticas, simpatias, vieses. Mas, de toda forma, havia uma certa responsabilidade profissional, uma linguagem de comunicação que limitava esses vieses, para que não se transformassem em agressão pura e simples. Com a preponderância dos novos meios, tudo isso passou a ser destruído. Qual é a característica desses meios? Que não há uma separação clara entre o privado e o público. Você manda um e-mail para uma pessoa, é o equivalente a uma carta, e é só para essa pessoa. Quando você manda um e-mail para 500 pessoas, ou um WhatsApp, ou um TikTok, um post no Instagram, isso está chegando a milhares de pessoas que podem reproduzir sua mensagem de ódio ou simplesmente inventar informações, produzir fake news.

As mídias sociais estimulam o ódio e turbinam a polarização?
Estimulam muito, porque é quase impossível ter um debate, uma discussão na internet sem componentes emocionais. Além disso, a rapidez da comunicação limita ou quase elimina a reflexão. E ainda surgiu uma novidade que é um novo tipo de comunicador profissional, que domina essas técnicas, sendo capaz de mobilizar as emoções, os sentimentos, e de despertar mais atenção para aquilo que já é chamativo. Qualquer mensagem que xinga, ofende, denuncia alguém é imediatamente aceita e retransmitida, ampliada, aumentando a polarização entre os que estão contra os outros./ COLABOROU ZECA FERREIRA

As perguntas foram respondidas pelos especialistas:
Bernardo Sorj: professor titular aposentado de Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e do Projeto Plataforma Democrática.
Sergio Fausto: Cientista político, é diretor-executivo da Fundação FHC e codiretor do projeto Plataforma Democrática e da Coleção “O Estado da Democracia na América”.
Carlos Pereira: Cientista político, doutor em Ciência Política pela New School University-New York, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV-EBAPE), sênior fellow do CEBRI e colunista do Estadão.
E citações do artigo “Como o Uruguai resistiu à onda global de polarização”, escrito e publicado no Estadão (17.11.2024) pelo professor de Relações Internacionais da FGV-SP e colunista do jornal, Oliver Stuenkel.