Símbolo do Estadão: cavaleiro que ilustra a marca ganha nova versão nos 150 anos; veja sua história

Jornaleiro francês Bernard Gregoire, que percorria cidade a cavalo, tocando corneta para promover o jornal em 1876, tem versão renovada para o logo comemorativo

Foto do author Gonçalo Junior
Foto do author Edmundo Leite

Para aumentar a tiragem de 2.025 exemplares no início de 1876, o Estadão, que se chamava A Província de São Paulo à época, adotou uma postura inovadora na venda avulsa dos jornais. O imigrante francês Bernard Gregoire saía às ruas do centro da cidade de São Paulo, montado num cavalo, com uma corneta na mão e uma sacola de jornais debaixo do braço, anunciando aos gritos a edição do dia. Fazia um ano do início da circulação do jornal.

Não existiam jornaleiros ou bancas de jornal naquela época. Os exemplares eram comprados na porta das empresas ou enviados à casa dos assinantes. A cena revolucionária marcou a história da cidade e da imprensa brasileira.

Logomarca especial do Estadão elaborada pela agência Africa Creative para celebrar os 150 anos do jornal  Foto: Africa Creative/Estadão

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“Foi uma inovação, não era uma prática comum em São Paulo. Não existia um processo de distribuição dos jornais na cidade”, afirma a historiadora Tania Regina de Luca, professora do departamento de História da Unesp e organizadora do livro História da imprensa no Brasil.

O jornalista Oscar Pilagallo, no livro História da imprensa paulista, faz constatação semelhante. “Ele (Gregoire) causou um impacto na cidade e, num segundo momento, no aumento das receitas do jornal”, diz o escritor.

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Gregoire se tornou um personagem tão marcante que foi retratado por outra figura inovadora do século 19, o fotógrafo Militão Augusto de Azevedo. A pedido do Estadão, o pintor e artista plástico José Wasth Rodrigues fez, em algum momento da década de 1930, uma ilustração do francês a partir das fotografias de Militão. A cena se transformou no símbolo oficial do jornal.

Bernard Gregoire em foto de Militão Augusto de Azevedo e no ex-libris do Estadão Foto: Reprodução

Depois de 150 anos, as cavalgadas de Gregoire (pronuncia-se Gregôár) ganham novos impulsos. A agência de publicidade Africa Creative, uma das maiores do Brasil e nova responsável pelas ações publicitárias do jornal, decidiu dar uma “turbinada” na imagem do histórico cavaleiro e associá-la à logomarca especial dos 150 anos do Estadão.

Gregoire aproxima assim duas pontas da história, passado e futuro. O novo “cavalinho do Estadão”, como passou ser chamado popularmente, será usado ao longo de todo o ano de 2025.

“Para olhar em direção ao futuro, é preciso resgatar o passado. A retomada da figura do cavaleiro que distribuía os jornais antes de 1900 traz uma mensagem atual sobre a importância do jornalismo sério e confiável que o Estadão pratica há 150 anos”, afirma Marcio Santoro, CEO e cofundador da Africa.

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A figura do cavaleiro terá traços mais simples e legíveis, como explica o diretor de Criação da Africa Creative, Sérgio Gordilho. O objetivo é sua circulação nos meios digitais. “Adotamos traços minimalistas, trazendo simplicidade e maior legibilidade à imagem, o que permite visualização nos meios digitais, inclusive em menores formatos”.

Cavaleiro teve ‘entrada triunfal’ na província de São Paulo

De volta a 1876. Foi o francês quem bateu na sede do jornal, um sobrado branco com janelas e sacadas de madeira pintadas de verde na esquina da rua do Palácio (hoje rua do Tesouro) com a do Comércio (atual Álvares Penteado), no centro da cidade.

O francês exibia medalhas de honra e certificados de serviços prestados a outros veículos de imprensa em Paris e no Rio de Janeiro, capital durante as sete décadas do Império (1822 a 1889). Ele reclamava de calotes na venda de assinaturas de jornais nos trens de subúrbios cariocas.

No dia 23 de janeiro, no primeiro dia de vendas avulsas, A Província publicou a nota ‘Venda de jornaes nas ruas’ informando que o veículo fora escolhido pelo estrangeiro recentemente chegado a esta capital para exercer “a profissão de vender jornaes pelas ruas”.

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Os impactos da iniciativa de Gregoire ecoaram nos anos seguintes. Cinco décadas depois do início da venda avulsa, um artigo de publicado na primeira página do jornal dá a dimensão da reação do público paulistano. Sob o título de duas colunas com o nome do francês em destaque no alto da capa, o jornalista e escritor Affonso Schimidt descreveu como foi a “entrada triunfal na cidade” de Bernard Gregoire:

  • “(...) quando o comércio abria suas portas e os caldeireiros da Rua de S. Bento entravam de martelar nos tachos, monsieur Bernard Gregoire fizera a sua entrada triunfal na cidade. A Paulicéia sonolenta daquela manhã viu-o como ele, um dia, há de comparecer ao chamado da história: rechonchudo, de touca branca com folhos, engarfado no lombo de uma pileca, soprando numa buzi
  • na e com um pacote de jornais debaixo do braço. O povo rodeara-o. Ele, no passo lerdo da alimária, vendia para a direita e para a esquerda exemplares de A Provincia de S. Paulo”.

Pilagallo revela que as primeiras reações foram negativas. Parte da população viu na prática sinais da “mercantilização da imprensa”, como se dizia à época. A concorrência ridicularizou a prática. “Uma das hipóteses para essas críticas é a ligação da imprensa aos homens de negócio e empresários. A venda a

vulsa poderia representar a popularização de uma prática restrita à elite”, explica Pilagallo.

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A resistência, no entanto, foi temporária. Em pouco tempo, leitores e concorrentes se renderam à ideia. A venda de jornais nas ruas passou a fazer parte da cena urbana.

Evolução do ex-libris do Estadão a partir do desenho original de José Wasth Rodrigues Foto: Acervo/Estadão

Jornaleiro contribuiu com criação das bancas de jornal, diz historiadora

Tania conta que Gregoire também contribuiu com os esboços das bancas de jornal na estação da Luz, região central. A inauguração foi registrada na edição de 25 de março de 1876 do jornal. “Bernard Gregoire abre hoje na estação da Luz sua biblioteca onde venderá jornais, folhetos, romances, etc. É uma novidade que deve agradar ao público”.

A abertura da primeira ferrovia em São Paulo, a São Paulo Railway Company, em 1867, introduziu novos hábitos. A historiadora conta que os viajantes buscavam algo para ler e se distrair durante as viagens, como jornais, revistas e folhetos. “Ainda não havia uma expressão para aquele tipo de comércio que surgia, com a venda de jornais e livros no mesmo lugar. Por isso, o jornal usa o termo ‘biblioteca’”.

A presença do francês nas ruas do centro e outros arrabaldes, como eram chamados os bairros, não ficou restrita aos registros dos jornais. Personagem conhecido da cidade, Gregoire foi retratado por outra figura inovadora da São Paulo do século 19, o fotógrafo Militão Augusto de Azevedo.

  • Considerado o primeiro fotógrafo a retratar paisagens urbanas em São Paulo, Militão retratou Gregoire em seu estúdio, exatamente como havia feito com outras figuras relevantes da época. A pedido do Estadão, o pintor e artista plástico José Wasth Rodrigues fez, em a
  • lgum momento da década de 1930, uma ilustração do francês a partir das fotografias de Militão.
  • A imagem se transformou no ex-libris do Estadão a partir dos anos 1930. Ex-libris, do latim “dos livros de” é uma etiqueta com desenhos e palavras que identifica a biblioteca de origem de alguns livros.
  • Na década de 1950, a direção do jornal decidiu transformar o cavaleiro francês no símbolo oficial da empresa. Em 1971 o símbolo passaria a aparecer diariamente na a página 3 e, a partir de 1990, como selo do artigo principal da seção Notas & Informações, onde são publicados os editoriais do jornal.

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Como era a cidade por onde cavalgava Gregoire

No artigo Entre scientistas, confeitarias, bondes e muita garoa: um passeio pelo centro de São Paulo na virada do Século XIX, a historiadora Lilia Schwarcz explica que a cidade era uma “vila sem graça, uma cidade de barro, ponto de entroncamento de tropas; local de partida, não de chegada”. As ruas eram escassamente iluminadas pelos lampiões a gás, foscas de neblina. As pessoas dormiam cedo. Esse era o cenário cerca de três séculos depois da fundação de São Paulo.

Para compor esse retrato, Wasth Rodrigues, também autor do brasão da cidade de São Paulo, junto com o poeta Guilherme de Almeida, usou antigas fotos da cidade feitas por Militão e seus próprios quadros feitos a partir de cenas captadas pelo fotógrafo.

O lugar escolhido pelo artista foi o Largo central da cidade, com as antigas igrejas da Sé e de São Pedro dos Clérigos, ambas demolidas no constante processo de transformação da cidade. A vista desenhada pelo artista retrata o ponto em que a atual rua XV de Novembro desemboca na Praça da Sé.

Outro detalhe que retrata o cotidiano da cidade em 1876 é o cachorro junto às pernas traseiras da montaria de Gregoire. Wasth Rodrigues transmite o alvoroço da cachorrada, que ficava livre nas ruas, diante da passagem do cavaleiro.

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