O consumidor de notícias está disposto a pagar por conteúdo jornalístico, mas entende que o acesso a certas informações deveria ser gratuito – seja por princípio, seja porque, na prática, os fatos de relevante interesse público já estão disponíveis, sem restrições, em portais ou redes sociais. A predisposição em pagar aumenta na medida que a audiência se sente identificada com um veículo, sobretudo por ideologia ou por interesse temático.
Os dados são da consultoria Box1824, que, a pedido do Estadão, pesquisou hábitos de consumo de mídia e perspectivas para o mercado de jornalismo. O estudo partiu do princípio de que, para compreender em quais circunstâncias o público está disposto a pagar por conteúdo jornalístico, é preciso entender, antes, por qual razão opta por não fazê-lo.
A pesquisa foi feita de forma online com 1.263 consumidores de notícias, assinantes ou não de veículos de mídia, de 18 anos ou mais. A amostra é composta por perfis de classes A e B. Entre os entrevistados, 82% disseram não pagar por conteúdo jornalístico.
As principais justificativas para não assinar nenhum serviço do gênero estão relacionadas à disponibilidade das mesmas informações em meios de acesso gratuito. São 36% os entrevistados que preferem “buscar informações em sites e portais jornalísticos gratuitos”, enquanto 36% respondem que “as notícias importantes acabam circulando gratuitamente”. Para 34%, a questão é de princípios e “o acesso à informação deve ser gratuito e universal”.
‘Informação tweet’ é de graça
A Box1824 denomina o tipo de conteúdo pelo qual a audiência não está disposta a pagar como “informações tweet”. São notícias e fatos que, pelo relevante interesse público, repercutem de modo geral.
O nome alude tanto à natureza da informação - simples, rápida e instantânea - quanto a um dos meios de maior relevo para o consumo de notícias. Tanto é que, para 28% dos entrevistados, a opção de não pagar por conteúdo jornalístico se explica, diretamente, pela preferência em se informar em redes sociais ou plataformas gratuitas, como portais de notícias.
“O primeiro nível da informação, hoje, é grátis”, disse Januza Lemos, diretora da Box1824 e coordenadora do estudo. “Antes, os dois estavam juntos. Esse primeiro nível era a capa, basicamente, as manchetes do jornal impresso, e o aprofundamento mais para o meio da mesma edição”.
Conversão da audiência
O estudo identifica que as empresas jornalísticas atendem a duas demandas principais: a de “abrangência geral”, na qual residem fatos e notícias rápidas, comunicados de forma objetiva, e a de “conteúdo aprofundado”, terreno da análise, da opinião e de conteúdos exclusivos e mais elaborados. O dilema da monetização no jornalismo, segundo a pesquisa, reside na disposição do público em pagar por este, mas não por aquele, criando um entrave para a conversão do usuário.
Para a Box1824, dois filtros emergem como os principais conectores entre as “informações tweet” e o conteúdo aprofundado: a afinidade ideológica e os interesses temáticos. Segundo a pesquisa, a predisposição da audiência em pagar por material exclusivo aumenta por meio desses vetores.
A adesão aos filtros, porém, deve ser avaliada com ressalvas. Quanto à ideologia, por exemplo, há o risco de que veículos passem a estar suscetíveis à opinião de um determinado público, enfraquecendo princípios editoriais. “Apesar de, aparentemente, estar respondendo a uma demanda dos assinantes, você pode acabar virando refém” , alertou Pedro Burgos, jornalista e professor do Insper.
Potencial do conteúdo aprofundado
Para Patrícia Paixão, professora de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o interesse temático, por outro lado, é “uma linha de informação que educa para além de informar” e para a qual a audiência avalia “fazer a diferença”.
É o terreno, por exemplo, das editorias de saúde. Segundo Pedro Burgos, a profusão de conteúdos relacionados à saúde nos meios digitais é ascendente por diversos fatores. “A gente nunca teve tanta oferta de produtos e tratamentos. A população está envelhecendo, além de que há uma preocupação maior com saúde mental. Existe uma demanda grande”, disse o professor.
Segundo a Box1824, para além de saúde, há demanda por conteúdo especializado em áreas como entretenimento, tecnologia, gastronomia e recomendações de consumo. Para Patrícia Paixão, ao explorar “nichos pouco trabalhados”, o conteúdo aprofundado possui um potencial não só de mercado, como também o de formar um ecossistema de informações que enriqueça a esfera pública.
“Nas redes sociais e em resultados da pesquisa, a informação é, muitas vezes, superficial. Se você quer realmente mergulhar naquilo, talvez seja legal ler uma reportagem num jornal, numa revista, ou ouvir um podcast sobre aquele tema. E que tenha, ali, um especialista que entende muito daquilo. Essa é a hiper especialização. Aí, você vai entender aquilo de uma forma muito mais aprofundada e complexa, além de sair da bolha do algoritmo”, disse a professora.
Além do conteúdo, forma também se altera na lógica de redes
A demanda por conteúdo jornalístico não é a única a se modificar com o predomínio das redes. De acordo com a Box1824, a forma como a informação é apresentada também se alterou com a “plataformização”.
Entre os usuários que consomem notícias mais de uma vez ao dia, o uso médio é de três dispositivos, além de seis fontes de conteúdo. Nesse cenário, diferentes formatos ganham relevo conforme o momento do dia. Enquanto vídeos se destacam nos momentos de pausa, como o café da manhã e o almoço, podcasts sobressaem em períodos de deslocamento.
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