Vídeo na pausa, ‘textão’ no fim de semana: como o consumo de notícias se adapta à rotina do público

Estudo da Box1824 indica que demanda por informação replica lógica das redes e requer conteúdo ‘objetivo’, com capacidade de síntese e interativo

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Foto do author Juliano  Galisi

A cada quatro consumidores de notícias, quase três as acessam mais de uma vez ao dia. Entre esses, há um uso médio de três dispositivos diferentes durante a rotina. Com a convivência de diferentes meios e fontes de informações, não há, hoje, um formato predileto para o consumo de notícias. Ao longo de um dia, diferentes tipos de conteúdo ganham relevo, conforme a conveniência do público.

A pedido do Estadão, a consultoria Box1824 analisou de que forma o hábito de consumo de mídias sofreu impacto da lógica das redes. “As pessoas aprenderam a consumir com o jeito que as plataformas distribuem”, disse Januza Lemos, diretora da Box1824 e coordenadora do estudo. Ainda que a tendência das redes seja o predomínio de formatos curtos, há, por outro lado, uma demanda crescente por conteúdos longos e aprofundados.

Demanda por informação replica lógica das redes e requer conteúdo ‘objetivo’, com capacidade de síntese e interativo Foto: Adobe Stock

Consumo multiformato varia ao longo do dia

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A consultoria foi realizada com base em 1.263 entrevistas online com consumidores de notícias, assinantes ou não de veículos de mídia, de 18 anos ou mais. A amostra é composta por perfis de classes A e B. O cruzamento dos dados mostrou que formatos distintos de conteúdo ganham relevo em diferentes momentos do dia, cada qual ligado a um contexto da rotina do consumidor de notícias.

Enquanto vídeos se destacam nos momentos de pausa, como o café da manhã e o almoço, podcasts sobressaem em períodos de deslocamento. O texto de formato “curto e objetivo” demonstrou índices resilientes em todos os momentos do dia, enquanto textos “longos e detalhados” performam melhor nos fins de semana.

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Segundo Januza Lemos, as plataformas transformaram a demanda por conteúdo, entre os quais o jornalístico, na medida em que possibilitaram a personalização. “É poder consumir o que eu quiser, na hora que eu quiser, no formato que eu quiser”, afirmou a diretora da Box1824.

Demanda por notícias ainda mais ‘rápidas’ e ‘contextualizadas’

Atributos como atualização rápida e capacidade de síntese são inatas ao material jornalístico. Segundo o estudo, em um contexto de “conveniência como premissa”, essas qualidades estão ainda mais relevantes ao público.

Das principais expectativas quanto ao jornalismo, a “rapidez na atualização” é citada por 31% da base, enquanto a “contextualização dos fatos” é mencionada por 17%. Para os entrevistados também é relevante a possibilidade de interação com o conteúdo. O compartilhamento por aplicativos de mensagem é a opção de 49% dos entrevistados, enquanto a retransmissão pelas redes é a de 39%.

‘Tiktokzação’ e o fim das redes sociais

A demanda por conteúdo “rápido” pode ser explicada pelo “acirramento” da economia da atenção nas redes sociais. É o que explica Patrícia Paixão, jornalista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não surgiram muitas redes de 2018 para cá, mas as poucas que surgiram, dentre elas o TikTok, já foram suficientes para acirrar o que estava acontecendo”, afirma Patrícia. “A lógica dele acelerou muito a demanda por informação rápida.”

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O formato de vídeos curtos, popularizado pelo TikTok, foi incorporado a outras plataformas, como o Instagram, por meio da seção Reels, e o YouTube, com a aba Shorts.

Além disso, para Pedro Burgos, jornalista e professor do Insper, o modo de interação do público com as plataformas modificou-se de tal maneira que passa a ser contestado, nos meios acadêmicos, o uso do termo “redes sociais” para descrevê-las. Isso porque, por “redes”, entendia-se uma dinâmica de interação entre os usuários que, nos últimos anos, vem perdendo espaço.

“O TikTok é um Netflix de curta duração. Você não segue nenhum amigo, não tem uma conversa de igual para igual. A rede social, como existia o Facebook de lá atrás, na qual você era exposto a determinadas ideias, notícias etc, não existe mais. Os influenciadores que as pessoas seguem no Instagram são veículos, mas com outro nome”, disse o professor.

Ainda que formatos curtos ganhem espaço, a “tiktokzação” não é um fenômeno absoluto, e há, por outro lado, demanda por conteúdo aprofundado. “A gente nunca teve tanto conteúdo audiovisual profundo e longo”, afirmou Burgos. Como exemplos, destacam-se a profusão de minidocumentários e minisséries no YouTube, plataforma que vem aumentando sua base de usuários conectados à TV.

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Novos meios de conversão do usuário

Para Patrícia Paixão, o apetite da audiência por conteúdo multiformato emerge como potencial para a criação de conteúdo “transmídia”, termo do professor de jornalismo Henry Jenkins para cunhar narrativas que se valem de diferentes mídias, como textos, vídeos e áudios, para contar uma história. Nesse quesito, também despontam as reportagens “gamificadas”, com novas possibilidades de interação da audiência.

São potencialidades a serem exploradas pois, entre os ouvidos pelo estudo, 73% afirmam acessar notícias mais de uma vez ao dia - um porcentual que, no entanto, vai de encontro a outro dado auferido pela pesquisa, segundo o qual somente 18% dos entrevistados diz pagar por acesso a notícias.

Segundo a Box1824, o público interpreta que o acesso à maior parte das informações deveria ser gratuito. Há os que pensam dessa forma por uma questão de princípios, mas o motivo predominante é pragmático, ao se constatar que o conteúdo relevante circula de qualquer forma, dispensando a necessidade de pagar para acessá-lo. A audiência, contudo, está disposta a pagar por conteúdo exclusivo, sobretudo por material aprofundado sobre um assunto de interesse.

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