Nas sete décadas em que escreveu para o Estadão, Gilles Lapouge foi capaz de comunicar eventos históricos com uma precisão jornalística sem deixar de lado o refinado estilo literário. Informativos, analíticos, certeiros e elegantes, seus textos sobrevivem ao tempo e mais, à História. Ao tempo porque constituem fontes documentais que narram os acontecimentos políticos e sociais que moldaram nossa realidade - do pós-guerra à sociedade em rede do século 21. À História porque suas análises e impressões sobrevivem ao teste do tempo. O que foi escrito por Lapouge, no calor de uma cobertura jornalística, é hoje consenso entre historiadores, sociólogos, cientistas políticos e outros estudiosos que buscam compreender o passado.> Estadão - 01/7/1962
Na sua primeira grande cobertura, a da Guerra da Argélia - um conflito que dilacerou a França e pôs fim ao seu império colonial ao custo da morte de 30 mil soldados franceses e 500 mil argelinos - Lapouge percebeu a faceta trágica daquela guerra marcada por ataques terrorismo e pela tortura sistemática: “não será inquietante verificar que o vigor do ímpeto dos rebeldes não deixa de crescer, à medida que aumentam suas baixas? É como se tivessem uma reserva de homens inesgotáveis e que a violência da replica francesa, abrindo uma brecha maior entre muçulmanos e europeus, tivesse como resultado recrutar incessantemente novos rebeldes”, escreveu em texto de 1958. A cobertura crítica do conflito lhe valeu a cassação de suas credenciais pelo governo francês, em 19 de agosto de 1958, sob a alegação que dava, em seus artigos, “uma visão deformada da realidade política francesa em geral e, em especial, do que se passa na Argélia.”
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O ato de censura desencadeou uma enorme campanha pela restauração da sua habilitação profissional. O caso se transformou numa bandeira pela liberdade de imprensa efoi denunciado por Julio de Mesquita Neto à Associação Interamericana de Imprensa. Lapouge recuperou suas credenciais e, em 1962, foi o enviado especial do jornal à festa de independência da Argélia. Testemunhou a reconciliação entre árabes e europeus, celebrada nas ruas com efusivos abraços e concluiu: “Todas as guerras são absurdas, mas o epílogo patético de uma das maiores tragédias do pós-guerra demonstrou-o com uma rara clareza.” > Estadão- 11/11/1970
Em 1970, foi ele que informou aos leitores do Estadão o impacto monumental que a morte de Charles De Gaulle representou para os franceses: “um monstro acabava de desaparecer, uma dessas criaturas inclassificáveis, um campeão fora de série que chegou a ser detestado mais do que qualquer outro, mas que jamais deixou de ser admirado como pessoa. Repentinamente, esta manhã, terminou um dos grandes capítulos da história francesa.”> Estadão 28/01/1973
Quando todos os olhos voltavam-se para Paris, em 1973, para acompanhar a assinatura dos Acordos de Paz que colocariam fim à Guerra do Vietnã, ele descreveu o estranhamento daquela reunião: "Nunca uma paz foi tão desejada no mundo inteiro e jamais uma cerimônia esteve tão distante de um verdadeiro sentimento de reconciliação (...) O país (Vietnã) encontra-se numa situação indecifrável, uma pele de leopardo sobre a qual os dois adversários continuarão a lutar. Esse é um mau presságio para a verdadeira paz." O conflito só chegou ao fim em 1975. Em setembro de 1989, ao tratar da crise enfrentada pela União Soviética para manter o bloco unido, falou sobre a tensão desencadeada pela fuga de refugiados da Alemanha Oriental através das fronteiras abertas da Hungria e afirmou que naquela momento “as rachaduras entre as diversas zonas do império do Leste tornaram-se patentes e irremediáveis.” Em novembro daquele ano o muro de Berlim foi derrubado e em 1991 a União Soviética foi dissolvida.>Estadão - 01/01/1993
Quando a União Europeia era formada em 1993, apontou os conflitos que se faziam (e até hoje se fazem) presentes, apesar da unificação monetária, das extinções de fronteiras e de um certo alinhamento político. “A imagem é clara, mas simplista. O grande mercado europeu não vai suprimir como que por encanto rivalidades, conflitos de interesses, guerras comerciais”, disse em sua análise.> Estadão - 01/9/1997
Em 1997, quando o mundo chorava a morte da carismática princesa Diana, num acidente de trânsito envolvendo paparazzi que tentavam fotografá-la, Lapouge questionou o contraditório comportamento da sociedade contemporânea. No texto intitulado "Todos Culpados!", escreveu: "Assim, o que vimos era um espetáculo contraditório: os consumidores dessas fotos - fanáticos sem os quais os paparazzi não existiriam - foram os primeiros a vir para a beira do túnel, para declarar em alto e bom som o seu ódio aos paparazzi."> Estadão -16/9/2001
Em seu texto sobre os impactos dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, expressou o profundo abalo imposta pela tragédia: “Nada será como antes, nossos sistemas de segurança, nossa solidariedade, nossos projetos políticos, nossas visões da história, nossas maneiras de pensar, de nos divertirmos, de amar, tudo mudou devido aos Boeings suicidas”. Foi assim que o jornalista francês abriu a matéria ,que seguia analisando a caçada aos culpados iniciada pelos Estados Unidos na sua guerra ao terror. Com o conhecimento de quem cobriu outras guerras, escreveu: “(...) mesmo que o saudita Osama bin Laden seja um dos patronos do crime, seria ingênua acreditar que a possível prisão desse homem seria suficiente para livrar o mundo da peste. Não se fica livre de um formigueiro, matando sua rainha. Uma outra rainha a substitui e o fervilhamento continua. Bin Laden criou uma federação da morte.”
Outras coberturas:
> Rebeliões nos subúrbios de Paris (2005)
> <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> Primavera Árabe (2010 -2012)
> <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> Massacre do Charlie Hebdo (2015)
> <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> Atentados terroristas coordenados em Paris (2015)
Veja também:
> Todas as edições > Censuradas > Tópicos > Pessoas > Lugares > Capas históricas
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