A vida como um flagelado

Série de reportagens do 'Estado' levou o Prêmio Esso de Jornalismo de 1959

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Por Liz Batista

Para compreender e expor o problema das secas que de tempos em tempos castigam o Nordeste do País, o repórter do Estado Rubens Rodrigues dos Santos decidiu viver o drama de um flagelado, para então narrá-lo. Em "Diário de um Flagelado das Secas", uma série de 11 reportagens, escritas há pouco mais de meio século, o jornalista viveu uma saga euclidiana para denunciar a exploração dos retirantes, a venda de votos, o descaso das autoridades e a economia corrupta que se desenvolveu em torno do drama de milhares de brasileiros. O trabalho lhe rendeu o Prêmio Esso de Jornalismo.  O Estado de S. Paulo - 20/7/1958

Rubens partiu para o sertão durante a grande estiagem de 1958, uma das maiores da história do semiárido nordestino. Percorreu as regiões mais atingidas pela seca, acompanhou obras de contingência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e partilhou do dia a dia de pequenos proprietários de terras que tinham a fome "a entrar-lhe pelas portas". Alistou-se como cassaco, como eram conhecidos os integrantes das frentes de trabalho mantidas pelo DNOCS. Partilhou com os 480 mil homens inscritos nos serviços de emergência do governo o trabalho árduo e a pouca comida. De uma dessas refeições, vem um dos relatos mais eloquentes dos diários: "O cassaco come pouco, come mal, come indiferentemente. Come para viver, sem nunca ter podido comer para sentir. Come porque precisa, porque senão o estômago se lhe revolveria em cãibras, porque necessita de forças para trabalhar. E, se alguém indaga por que não usa tempero, por que não melhora o sabor doque prepara, ele sentencia: "Tempero de pobre é fome!"

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Em 1958 sertão viveu uma das piores secas da sua história. Acervo/Estadão

Com os que encontraram trabalho na construção do açude General Dutra, ao pagamento de 32 cruzeiros por dia, passou dias, trabalhando para erguer uma obra tão antiga quanto o próprio DNOCS. O açude, foi projetado em 1908, mas as obras só começaram em 1913. A partir de então, como conta o repórter, "uma trágica sucessão de interferências político-partidárias e de atividades fraudulentas de empreiteiras fizeram com que os trabalhos se arrastassem morosamente, interrompendo-se e recomeçando muitas vezes”. Sua experiência ali levou-o a cunhar um termo que permeou toda a série: "o mito das obras contra as secas". Usando o açude como exemplo, explicou como a obra representava os "três dos maiores entraves que a incúria de homens públicos tem oposto à amenização dos efeitos das estiagens: falta de planejamento, descontinuidade de esforços e má aplicação de recursos." E perguntou, sem ser aproveitada para a irrigação, "que benefícios trará para a solução dos problemas nordestinos a água armazenada a montante?" Incluindo esta entre as obras que traziam alívio aos flagelados mas não os tirava dessa condição, respondeu: "será uma obra destinada apenas a matar a sede de alguns rebanhos a dar de beber a magotes de retirantes acampados em suas margens, a sustentar a vaidade dos que ordenaram sua construção."

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Veja abaixo a série completa do

"Diário de um flagelado das secas" Parte 1 - 20/7/1958

Parte 2 - 24/7/1958 Parte 3 - 27/7/1958Parte 4 - 31/ 7/1958

Parte 5 - 3/8/1958Parte 6 - 7/8/1958

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