Belchior andava por terras paulistas em maio de 1988, muito antes de desaparecer sem deixar rastros. Trinta anos atrás ele estava em Campinas quando recebeu para uma entrevista o jornalista Ronaldo Farias e o fotógrafo Waldemar Padovani. Estava se preparando para uma série de shows em São Paulo e em duas semanas entraria no estúdio da Polygram - Rio de Janeiro – para gravar seu novo disco. O 'disco sem nome' era o LP “Elogio da Loucura” seu décimo primeiro ao longo dos seus onze anos de carreira, até então.
No final dos anos 1980 Belchior seguia o curso de uma carreira normal de artista e o cantor fazia em torno de doze shows por mês. Sem tempo para encontrar seus pares de composição acabou optando por trabalhar sozinho nas canções que iriam entrar no próximo disco. Os temas centrais eram paixão e o “questionamento constante da vida”.
Sobre a pecha de romântico, Belchior concordou fazendo suas observações e críticas: “Sou um romântico, acima de tudo. Mas não como o pessoal define romantismo no Brasil: geralmente um cara brega e de emoção barata. Continuo romântico, na essência definida pela literatura de Lord Byron, Álvares de Azevedo, Goetche e os poetas franceses: o individualismo, a aventura, a contestação do estabelecido e a descoberta da vida... a paixão.”
Veja a sequência de fotos inéditas feitas durante a entrevista pelo fotógrafo Waldemar Padovani.
Na entrevista ainda falou sobre sua popularidade, ou a ausência dela, e atrelando a isto às vendagens dos discos – para a comercialização dos seus LP's ele dizia não estar preocupado “cada um tem que ter o sucesso que tem que ter” - considerou-se um marginal da MPB e achou graça por ter sido considerado, e relembrado pelo repórter, um “misto de Bob Dylan com Waldick Soriano”.
Com sucessos do rock na praça, em 1988 discos como 'Cabeça Dinossauro' dos Titãs, 'Rádio Pirata ao Vivo' do RPM, discos do Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e do Barão Vermelho fase Cazuza e sem, além do próprio em seus discos solo – Ideologia é de 1988 – ecoavam na cabeça dos jovens e no dial do rádio há bastante tempo. Belchior considerava o rock como algo passageiro diferentemente do que ele entendia por MPB, esse ponto de vista indica a densidade sempre vista em suas letras mesmo quando falando de paixão, algo que a previsão é não durar muito. Então ele dizia “Não vejo nada demais em grupos surgirem e sumirem, por isto faz parte do ideário do rock, que lida com o mito da permanência, trabalha com o precário e é efêmero. Só que não vejo nenhum grupo, hoje, ter absorvido a essência do rock, que é o inconformismo, da apropriação da delinquência e a violência da estética.”
Belchior correu por fora durante sua carreira para tornar-se um mito perto de sua morte, seu sumiço da vida pública e ausência de contato com as pessoas do meio somados a internet e relançamento de seus discos, então fora de catálogo, ajudaram nos últimos anos as novas gerações a conhecerem aquele cantor vindo do Ceará e que largara a vida religiosa e uma futura carreira na medicina para se dedicar apenas a composição e a música.
Suas opiniões fortes auxiliam na compreensão da visão de mundo que ele tinha e que foram transpostas para suas letras – mesmo quando falava de paixão, o fazia com densidade - que cada vez mais são assimiladas por seus (novos) públicos, sempre em constante renovação.
No final da entrevista de 1988 Belchior faz várias considerações e diz que sua música dificilmente irá mudar: “Pois é a paixão que move o sol e as estrelas e a arte tem de ser contestatória. O que é facilmente resolvido não merece ser cantado. Mas o estranho é termos perdidos o vigor pelo debate político, pelas ideias e ideiais. Afinal, conseguimos a paz e o amor? Houve o desarmamento mundial? O Brasil deixou de ser do Terceiro Mundo? Acabaram a censura e a ditadura? Ganhamos? O chato é que tudo, para minha geração, parece que foi resolvido.”
Belchior sempre esteve no Acervo Estadão
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