Bento em Auschwits e Birkenau: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que ele se manteve em silêncio?’

Líder da igreja católica visitou em 2006 os campos de concentração onde milhares de judeus foram mortos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial

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Por Acervo Estadão
Atualização:

Um dos momentos mais marcantes do pontificado de Bento XVI, que morreu aos 95 anos, aconteceu quando o papa foi visitar a Polônia, país do seu antecessor João Paulo II. A viagem de quatro dias foi encerrada com uma visita do religioso aos campos de concentração nazistas de Auschwitz e Birkenau.

Papa Bento XVI em Auschwits Foto: Acervo Estadão

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O simbolismo da visita foi gigantesco por causa da omissão e cumplicidade da Igreja Católica com o regime nazista e por Joseph Ratzinger ser alemão e na juventude ter lutado no exército nazista, depois de ser obrigado a se alistar na Juventude Hitlerista, na Baviera.

“É estarrecedor para um cristão e para um papa alemão, mas eu não poderia deixar de vir aqui”, disse Bento XVI em 28 de maio de 2006. “O objetivo de minha presença aqui hoje é implorar a graça da reconciliação com Deus, com os homens que sofreram e com todos aqueles que, nesta hora da história, sofrem mais uma vez sob o poder do ódio e da violência fomentada pelo ódio”, disse o papa. “Onde estava Deus naqueles dias? Por que ele se manteve em silêncio? Como ele permitiu essa opressão sem fim, esse triunfo do mal?”, perguntou o papa.

Joseph Ratzinger fez questão de assumir sua identidade, salientando que, se o papa João Paulo II foi a Auschwitz como filho do povo polonês, ele ali estava como filho do povo alemão. ”Sou filho daquele povo no qual um grupo de criminosos chegou ao poder mediante falsas promessas, em nome de perspectivas de grandeza e de recuperação da honra da nação e de sua relevância”, disse o papa, acrescentando que, com a força do terror e da intimidação, o povo alemão ”foi usado como instrumento na loucura de destruição e de domínio”.

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Papa Bento XVI em Auschwits Foto: Acervo Estadão

Leia a íntegra do texto de José Maria Mayrink publicado no Estadão em 2006:

Papa em Auschwitz: ‘É estarrecedor

Bento XVI encerrou sua viagem à Polônia em local que abrigou maior campo de concentração nazista

Uma visita aos campos de concentração nazistas de Auschwitz e Birkenau – duas horas de silêncio e oração, de tensão e lágrimas – encerrou, ontem, a viagem de quatro dias de Bento XVI à Polônia, pátria de seu antecessor e amigo João Paulo II. “É estarrecedor para um cristão e para um papa alemão, mas eu não poderia deixar de vir aqui”, disse Bento XVI, de 79 anos, o Joseph Ratzinger que na 2ª Guerra Mundial lutou no exército nazista, depois de ser obrigado a sealistar na Juventude Hitlerista, na Baviera.

Com voz pausada e semblante comovido, Bento XVI falou em italiano, durante 23 minutos, para cerca de 200 pessoas, no Monumento Internacional das Vítimas do Nazismo, em Birkenau. Foram mais de 1,5 milhão os condenados – namaioria judeus, mas também ciganos, patriotas poloneses e prisioneiros deguerra soviéticos. “O objetivo de minha presença aqui hoje é implorar agraça da reconciliação com Deus, com os homens que sofreram e com todos aqueles que, nesta hora da história, sofrem mais uma vez sob o poder do ódio e da violência fomentada pelo ódio”, disse o papa.

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Bento XVI, o chefe de uma igreja de 1,1 bilhão de fiéis, fez questão de assumir sua identidade, salientando que, se o papa João Paulo II foi a Auschwitz como filho do povo polonês, ele ali estava como filho do povo alemão. “Sou filho daquele povo no qual um grupo de criminosos chegou ao poder mediante falsas promessas, em nome de perspectivas de grandeza e de recuperação da honra da nação e de sua relevância”, disse o papa, acrescentando que, com a força do terror e da intimidação, o povo alemão “foi usado como instrumento na loucura de destruição e de domínio”.

Um rabino e dois cantores recitaram preces judaicas e entoaram um salmo pungente, depois de um bispo ortodoxo e um pastor luterano também terem lembrado as vítimas do Holocausto. Foi o momento mais emocionante da visita.

“Onde estava Deus naqueles dias? Por que ele se manteve em silêncio? Como ele permitiu essa opressão sem fim, esse triunfo do mal?”, perguntou Ratzinger, teólogo respeitado, para logo acrescentar que é impossível adivinhar o plano de Deus. Uma orquestra de violinos e harpa tocava em surdina entre as ruínas de Birkenau.

Bento XVI chegou a Auschwitz, a cidade de Oswiecim, a 60 km de Cracóvia, às17h15. Ao atravessar o portão da entrada principal, onde um letreiro escritoem alemão – Arbeit match frei (O trabalho os torna livres) – saudava prisioneiros, a comitiva do papa segurou o passo e ele foi caminhando sozinho entre pavilhões de tijolos aparentes.

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A primeira parada foi no Muro das Execuções, o paredão dos fuzilamentos. Uma fileira de sobreviventes, homens e mulheres sexagenários de rostos sofridos,aguardava o papa junto ao bloco 11, o Bloco da Morte. Lá dentro, Bento XVI rezou por um minuto na cela de São Maximiliano Kolbe, o frade franciscano que morreu executado em lugar de um guerrilheiro polonês.

Com um lenço azul e branco do uniforme de prisioneiro, por coincidência as cores da bandeira de Israel, o judeu Henryk Mandelbaum beijou o alemão Bento XVI nas duas faces. Jurek Bilieewski, polonês de Cracóvia, contou ao papa como conseguiu fugir de Auschwitz, com um uniforme de nazista.

Na missa que celebrou, de manhã, em Cracóvia, o papa reuniu no Parque Blonieo maior público desses quatro dias – cerca de 2 milhões de fiéis vindos detodas as partes da Polônia e de países vizinhos.

“Cracóvia, a cidade deKarol Wojtyla e de João Paulo II, é também a minha Cracóvia”, disse Bento XVI na homilia. [ Com AP, AFP e EFE]

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