É um jogo ‘franco e descarado’. Foi assim que o cronista José Martins Pinheiro Junior descreveu a quantidade de jogatina espalhada pelo centro da cidade em 1929. Muitas casas lotéricas, jogo do bicho e os vendedores de bilhetes gritando a plenos pulmões é uma fotografia da época em que os jogos de loteria eram organizados por vários estados brasileiros e vendidos nas ruas de São Paulo. Para ‘P.’, como assinava Martins Pinheiro, o governo federal deveria tomar a fiscalização do jogo. Coisa que só aconteceria em 1961 quando as loterias passaram a ser monopólio do governo federal através da Caixa Econômica Federal.
Mais do que a falta de regulamentação, Martins Pinheiro o que mais afetava o cronista era ter os ouvidos atordoados diariamente pelos gritos dos bilheteiros e com a ausência da polícia na fiscalização. Incluindo aí o jogo do bicho, que ‘levava a capa de loteria’, segundo ele.
Leia abaixo a íntegra do texto com a grafia original da época.
COISAS DA CIDADE
O JOGO
Um traço muito caracteristico de São Paulo -e, digamos logo, nada lisonjeiro para o nosso bom nome de povo trabalhador - é a quantidade extraordinaria de casas de loterias e sobretudo de vendedores de bilhetes de loterias, que enxameiam por essas ruas. Não ha no mundo, de certo, outra cidade onde tanto se tente o publico com a sorte grande, mediante uma ninharia.
E’ o jogo franco e escancarado nas ruas, apregoado por uma legião de sujeitos de pulmões possantes, que perseguem com os seus berros e as suas importunações os transeuntes mais pacatos e mais avessos á jogatina. Ora, se não ha por emquanto remedio contra esse mal da loteria, no menos deve haver algum recurso contra os bilheteiros incommodos.
Voltem os vereadores as suas vistas para elles e procurem um meio que nos liberte de taes mercadores. Um imposto bem pesado, por exemplo, um imposto quasi proibitivo, em favor da Santa Casa ou de outras casas beneficentes. Como quer que seja, a cidade não pode continuar á merce dos bilheteiros, cuja funcção social e perfeitamente nulla, e não podem os transeuntes continuar com e supplicio diario a que nos referimos.
Além disso, depôe muito contra nós essa legião de bilheteiros que nos atordoam os ouvidos no centro, e se espalham pelos bairros, onde penetram desembaraçadamente nas casas modestas, levando sob a capa da loteria, o jogo do bicho.
Uma população laboriosa não tem asssim tão grande numero de desoccupados a propagar o jogo pela cidade. Se a policia já desistiu de se occupar com elles, notadamente com os que fazem o jogo do bicho, valia a pena que voltasse á sua actividade de ha annos, que só applausos ha de receber. Providencia tanto mais necessaria e opportuna quanto é notorio que o governo federal se tornou agora muito severo com o Jogo. P.
Estadão - 14 de fevereiro de 1929
‘P’: Um cronista da cidade de São Paulo
José Martins Pinheiro Junior, ou ‘P’, como assinava, nasceu em 12 de abril de 1884 em Silveiras (SP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907. Dois anos depois, entrou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ como redator, cargo que exerceu durante 35 anos. No jornal, além de redigir a seção ‘Coisas da Cidade’ ocupou-se da também da coluna “Revista das Revistas”. Também foi um dos fundadores da ‘Revista do Brasil’ (1916) e do Diário da Noite (1926).
Como advogado foi nomeado, em 1931, para o cargo de Curador Fiscal das Massas Falidas da cidade de São Paulo, que ocupou até 1954 quando se aposentou. Pinheiro Junior faleceu em 2 de outubro de 1958. No Acervo Estadão estão registrados 3.311 textos publicados por ele entre os anos 1910 e 1945.
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