O cronista da cidade do começo do século 20, José Martins Pinheiro Junior, viveu em uma época, assim como nós, repleta de mudanças tecnológicas, ele viu os automóveis substituírem as carroças, a chegada dos telefones e a popularização do rádio.
E como sabemos, as tecnologias trazem consigo não somente resultados positivos. No caso do rádio, 'P.', como assinava seus textos, testemunhou em algumas colunas como o rádio podia atrapalhar o sossego público.
Na coluna de 7 de junho de 1932, ele publica a carta de leitor reclamando que as aulas de ginástica transmitidas pelo rádio às 7h30 da manhã atrapalham “somno, para os que se recolhem tarde”.
Pinheiro Junior, com sua inseparável ironia, pede aos ‘gymnastas madrugadores’ alguns cuidados para não atrapalhar aqueles que tentam dormir.
Leia abaixo a íntegra da coluna.
O Estado de S. Paulo - 21/3/1932

ABUSOS DO RADIO
Foi uma boa iniciativa, ao que parece, a da Radio Educadora, offerecendo aos seus ouvintes, todas as manhans, uma aula de gymnastica.
- Gymnastica pelo radio?...
Essa mesma estranheza tivemos nós tambem, ao ler as primeiras linhas de um leitor, que nos escreveu a respeito. Mas elle proprio se encarregou de nos esclarecer. sustentando que a lição é tão bem dada, de forma tão comprehensivel que, se houver disposição favoravel por parte do alumno ouvinte, muito lhe servirão as aulas de gymnastica.Acontece, porém e é esta a causa da carta, agora mesmo recebida - que taes aulas são dadas ás 7 e meia, excellente hora para os que podem se levantar cedo, mas que é ainda de somno, para os que se recolhem tarde. E, no enthusiasmo de gymnastas madrugadores, muitos ouvintes abrem quanto possivel o seu radio, sem a menor consideração pela vizinhança. E', então, uma barulheira ensurdecedora, com o alto-falante a resoar atroadoramente a musica que o radio fornece para o banho frio dos seus gymnastas...
Quer-nos parecer que o nosso correspondente tem motivos ponderosos para pedir mais moderação nessa orgia de musica logo pela manhan, quando ainda dormem pessoas na vizinhança dos athletas do radio. Pode ser muito agradavel a gymnastica ou o banho com musica, mas é preciso que essa novidade não incommode os vizinhos, coisa que não será difficil, desde que se póde graduar a sonoridade, tendo-se, além disso, o cuidado de cerrar as janellas.Isso nos pede o correspondente, que ainda se não confessa doente dos nervos, mas está caminhando para a neurasthenia, se o professor de gymnastica pelo radio não obtiver dos seus discipulos alguma compaixão pelas victimas da vizinhança. - P.
‘P’: Um cronista da cidade de São Paulo
José Martins Pinheiro Junior, ou ‘P’, como assinava, nasceu em 12 de abril de 1884 em Silveiras (SP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907. Dois anos depois, entrou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ como redator, cargo que exerceu durante 35 anos. No jornal, além de redigir a seção ‘Coisas da Cidade’ ocupou-se da também da coluna “Revista das Revistas”. Também foi um dos fundadores da ‘Revista do Brasil’ (1916) e do Diário da Noite (1926).
Como advogado foi nomeado, em 1931, para o cargo de Curador Fiscal das Massas Falidas da cidade de São Paulo, que ocupou até 1954 quando se aposentou. Pinheiro Junior faleceu em 2 de outubro de 1958. No Acervo Estadão estão registrados 3.311 textos publicados por ele entre os anos 1910 e 1945.