Com o texto abaixo sobre a arborização das ruas de São Paulo, o Acervo Estadão passa a republicar semanalmente os textos da seção ‘Coisas da Cidade’, de autoria do jornalista e advogado José Martins Pinheiro Júnior em sua primeira fase. “P.”, como ele assinava, foi um dos mais importantes cronistas da cidade de São Paulo entre as décadas 1910 e 1930, quando se ocupou dessa seção no Estadão. A coluna seria retomada nos ano 1950 e 1960 pelo jornalista e escritor Luís Martins.
Vivendo numa São Paulo em rápida transição para se tornar a metrópole que se tornou, Pinheiro Júnior deixou em seus textos que ora podiam ser uma reportagem, ora um entrevista, reclamação ou um desabafo, o testemunho dos sentimentos da mudança na qual a capital passava.
No texto sobre arborização, publicado em 28 de junho de 1919, “P.” aborda um problema impensável nos dias de hoje, o excesso de árvores na cidade - algumas delas mal cuidadas - que impediam do sol entrar nas casas. A solução para Pinheiro é mais impensável ainda para a atualidade: deixar as árvores para as grandes alamedas e avenidas para que o sol entre nas casas e combata a umidade, e, nos subúrbios, que elas sejam retiradas.
Visto com os olhos de hoje, Pinheiro está nos relatando que aquela nostálgica São Paulo da garoa, fria e com umidade, com ‘suas manhans de neblina forte que são o terror de todos nós’, e que atualmente é a das ilhas de calor, também enfrentava seus problemas.
Leia abaixo a íntegra do texto com a grafia original da época.
COISAS DA CIDADE
A ARBORISAÇÃO DAS RUAS
Em varias ruas da cidade andam a podar as arvores que as guarnecem. Horas e horas fica o chão juncado de galhos, pelo proprio passeio tem a gente difficuldade em transitar. O que mais impressão me fez, porém, ao passar hontem de manhan por uma rua da Villa Buarque, com as suas frondosas arvores já amputadas dos galhos altos, foi o aspecto desafogado e mais alegre de todas casas, agora banhadas amplamente deste esplendido sol que nos tem iluminado estes dias.
Já notaram como é pessima a arborisação das nossas ruas?
Em nenhuma cidade grande se vê arborização semelhante. As cidades têm parques, jardins, Avenidas arborizadas, e nunca é demais pedir que, por consideravel que seja o arvoredo, cada vez mais o distendam e alastrem. Mas isso tudo, está claro, feito intelligentemente, distribuidas as arvores de maneira a favorecer sempre, e nunca prejudicar a população. A não ser assim, as arvores, que são auxiliares da vida, se tornarão antes causas de doenças, sobretudo nas cidades que já não são salubres, como é o caso de São Paulo.
Ora, segundo parece, não ha nesta capital a minima noção do que seja a arborisação de uma cidade, ou, se ha, quem quer que a tenha é tão indifferente pela saude e bem estar de todos nós, que tem deixado plantar arvores a torto e a direito, em innumeras ruas que nunca deviam tel-as. E’ excusado apontar exemplos. Muitos dos meus leitores moradores de Santa Cecilia e Vilia Buarque, já se queixaram, com certeza, da sombra permanente em que vivem as suas salas, sempre frias e escuras, a onde escassamente penetra o sol através da vasta ramaria dos platanos ou das figueiras da rua.
Além do que, a cidade é mais fria do que quente, fria e humida, com suas manhans de neblina forte, que são o terror de todos nós. Αssim, tudo aconselha a ter-se mais cuidado na arborisação das nossas ruas, só plantando arvores nas largas avenidas e nas alamedas amplas, ou quando muito nas ruas mais largas onde os predios são geralmente distanciados da rua, e não podem ficar prejudicados pela sombra do arvoredo. Quanto ás ruas estreitas, principalmente as dos bairros humildes, seria melhor que os deixassemos sem arvores, e assim, mais aquecidas do sol, com o que certamente a teria a ganhar a população. P.
‘P’: Um cronista da cidade de São Paulo
José Martins Pinheiro Junior, ou ‘P’, como assinava, nasceu em 12 de abril de 1884 em Silveiras (SP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907. Dois anos depois, entrou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ como redator, cargo que exerceu durante 35 anos. No jornal, além de redigir a seção ‘Coisas da Cidade’ ocupou-se da também da coluna “Revista das Revistas”. Também foi um dos fundadores da ‘Revista do Brasil’ (1916) e do Diário da Noite (1926).
Como advogado foi nomeado, em 1931, para o cargo de Curador Fiscal das Massas Falidas da cidade de São Paulo, que ocupou até 1954 quando se aposentou. Pinheiro Junior faleceu em 2 de outubro de 1958. No Acervo Estadão estão registrados 3.311 textos publicados por ele entre os anos 1910 e 1945.
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