Uma novidade surgiu em São Paulo na segunda-feira de 4 de janeiro de 1875. Com quatro páginas, saía a primeira tiragem do jornal A Província de São Paulo, nome com que este Estadão começou a circular no século 19. Fundado por um grupo de liberais de ideais republicanos quando o Brasil ainda vivia sob um regime imperial e escravocrata, o jornal trazia na capa de sua primeira edição os princícios que fariam da publicação uma das mais longevas do País, tornando-se uma das dez empresas privadas brasileiras mais antigas em atuação.
“Não sendo orgão de partido algum nem estando em seus intuitos advogar os interesses de qualquer deles, e por isso mesmo colocando-se em posição de escapar às imposições do governo, às paixões partidárias e às seduções inerentes aos que aspiram ao poder e seus proventos, conta a Província de São Paulo fazer da sua independência o apanagio de sua força e a medida da severa moderação, sisudez, franqueza, lealdade e critério em que fundará o salutar prestígio a que destina-se a imprensa livre e consciente”, dizia o texto publicado junto ao nome dos 21 fundadores. [Leia a íntegra]
Os 2.025 exemplares da primeira edição foram impressos no térreo do sobrado de número 14 da Rua do Palácio (atual Rua do Tesouro), esquina com a Rua do Comércio (hoje Álvares Penteado). A redação funcionava no andar de cima do casarão com sacadas de madeira pintadas de verde. Além do texto de apresentação, as quatro páginas traziam um folhetim literário e as seguintes seções: Instrução Pública, Científica, Econômica, Judiciária, Letras e Artes, Aviso, Noticiário, Províncias e Anúncios.
Previsto para iniciar sua trajetória no primeiro dia do ano, o jornal teve que esperar mais três dias até que a até que a impressora francesa Azaulet conseguisse funcionar plenamente após vários ajustes técnicos. Com a conclusão da tarefa, a primeira edição foi comemorada com festa, como lembraria anos depois o chefe da oficina e paginador do jornal Hilario Pereira Magro Junior. “Foi uma noite esplêndida, de alegria; as officinas, engalanadas, muitas visitas, muitas felicitações, muitos desejos de victoria e prosperidade, a indefectível lauta mesa de doces, o estourar do champagne.”
A comemoração coroava um esforço que, entre outros feitos, incluiu trazer a rotativa de segunda mão do Rio de Janeiro. A Alauzet - atualmente em exposição no hall de entrada da sede do jornal - ainda era do tipo “retiração”, como se dizia na gíria gráfica. Depois de impressas a primeira e a quarta páginas, retirava-se o papel para virá-lo e colocá-lo novamente para imprimir a segunda e a terceira páginas no verso. Composição e impressão eram feitas à luz de velas de sebo espetadas ao lado das caixas de composição. A rotação da máquina era executada por seis ex-escravos libertos contratados e remunerados para o trabalho.
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Inovação - Um ano depois da fundação, o jornal lançava uma das muitas inovações que marcariam a sua trajetória. Em 23 de janeiro de 1876, com o distribuidor francês Bernard Gregoire vendendo a publicação montado em um cavalo, o jornal iniciava a pioneira venda avulsa de exemplares pela cidade. A inovação entraria para a história da cidade de São Paulo, então com cerca de 30 mil habitantes, do jornal, do qual o cavaleiro tornaria-se o símbolo, e da imprensa brasileira, pois até então os jornais eram comprados pelos leitores na porta do local onde eram feitos, ou recebido em casa se fosse assinante.
Desde a fundação, O Estado de S. Paulo, como o jornal passou a se chamar após a Proclamação da República [ou Estadão, como a sociedade apelidou espontanemente o jornal] noticiou e teve atuação decisiva nos principais fatos da cidade, do País e do mundo. Passadas a abolição da escravidão e a início do regime republicano, causas que defendeu em suas páginas, o jornal, além da sua função elementar de informar, protagonizaria momentos importantes da História.
A abolição da escravidão, 13 anos após a fundação do jornal, foi um dos grandes acontecimentos históricos noticiados naquele fim de século 19. “Já não há mais escravos no Brazil. A lei n.3353 de 13 de maio de 1888 assim o declara no meio de festas que se estendem por todo o paiz, para a honra e glória desta nação da América”, dizia o texto “A Pátria Livre” em 15 de maio de 1888.
Nesse mesmo ano, o nome de Julio Mesquita, que começara a trabalhar na Província três anos antes, aparece pela primeira vez como diretor do jornal do qual se tornaria o único proprietário, e passa a comandar e a transformar a publicação, modernizando processos, formatos e linguagem, alçando o jornal a uma das maiores referências do jornalismo nacional e internacional.
No ano seguinte, a proclamação da República renderia outra edição histórica. A capa grafada apenas com os dizeres “Viva a República” sobre fundo branco é considerada até hoje uma ousadia do design gráfico.
Canudos - A República ainda dava seus primeiros passos no final do século 19 quando o jornal foi o responsável por enviar Euclides da Cunha como repórter especial para cobrir a Guerra de Canudos no sertão baiano em 1897. A experiência como repórter do Estadão no conflito serviu como base para o escritor conceber o clássico da literatura “Os Sertões”.
Já no século 20, um outro conflito, a Primeira Guerra Mundial, colocou o jornal na vanguarda do jornalismo – uma edição noturna, apelidada de Estadinho por causa do tamanho em formato menor, atualizava as informações e trazia uma análise contextualizada e apurada. A cobertura analítica de Julio Mesquita em textos publicados durante a Primeira Guerra Mundial é considerada por estudiosos como referência para a compressão do conflito. A inovação da edição extra – desta vez vespertina - se repetiria anos depois com o relançamento do Estadinho na Segunda Guerra Mundial.
Nas páginas do Estadão os mais variados intelectuais e jornalistas escreveram textos que mudariam o curso da história. Monteiro Lobato, outro ícone da literatura nacional, teve os primeiros textos publicados no jornal. O escritor ainda protagonizou um momento histórico, assumindo a direção do jornal por uns dias durante a epidemia da gripe espanhola em 1918 enquanto a todo o comando do jornal estava doente. O poeta Guilherme de Almeida escreveu por vários anos a coluna Cinematographo, noticiando e analisando a exibição dos primeiros filmes mudos até a chegada das vozes, cores e sons que transformaram o cinema. Exemplos como esse se estendem por outras áreas como esporte, cultura, comércio, economia, política e educação.
Da Revolução Constitucionalista de 1932 à criação da Universidade de São Paulo, o jornal continuou com uma história marcada pela defesa de temas relevantes para a sociedade e o País.
Em períodos diferentes, o jornal resistiu aos arbítrios de regimes ditatoriais, sendo tomado por cinco anos pela ditadura Vargas e sofrendo uma feroz censura nos anos de chumbo da ditadura militar, quando denunciou a violência contra a liberdade de expressão publicando poemas de Camões no lugar das notícias proibidas.
Retomada a liberdade democrática a partir dos anos 1980, o jornal continuaria a publicar reportagens que mudariam o rumo do País, ao mesmo tempo que aprimorava a sua capacidade de explorar as novidades tecnológicas – foi pioneiro no notíciário em tempo real com o Broadcast, um dos primeiros veículos jornalísticos na internet e nas redes sociais - para ampliar o alcance de seus conteúdos de interesse público nos mais diferentes formatos, do papel ao digital.
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