Semanas de chuvas intensas, águas que transbordam do Lago Guaíba, submergem regiões ribeirinhas, invadem o Cais Mauá, avançam pela orla, inundam as ruas, alagam bairros inteiros, paralisam a cidade, deixando linhas de transportes inoperantes, um rastro de destruição, enormes prejuízos e um número assustador de mortes e de famílias desalojadas; a tragédia que se abate sob Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, não encontra evento equivalente na sua história.
Mas, encontra precedentes nas enchentes enfrentadas em 1873, 1928, 1941, 1967 e nas duas do ano passado. As chuvas e as cheias são sempre esperadas, mas a cidade, mesmo passados dois séculos, não se mostra preparada.
Em 5 de maio, o Guaíba chegou ao seu maior nível, 5,35 metros. Antes disso, o recorde era o da enchente de 1941, quando o nível do lago foi a 4,75 metros. Em 1928, as águas atingiram 3,2 metros; em 1967, 3,13 metros. Em 2023, as águas atingiram 3,17 em setembro e 3,46 metros em novembro.
No ano passado, a cheia do Guaíba registrou a marca mais expressiva desde a histórica enchente de 1941, foi a quarta maior medição dos dois últimos séculos.
Em cada uma das coberturas feitas pelo Estadão, fosse das 5 maiores ou de outras tantas que deixaram Porto Alegre em estado de emergência, a narrativa faz referência às grandes inundações que atingiram a cidade. Seja para comparar a forma como se deu a elevação das águas, a extensão dos alagamentos, o impacto dos prejuízos ou a dimensão do drama humano, refletido no número de mortos e desabrigados, os textos falam de tragédias passadas para expressar o luto de seu presente.
Em 1941 falou-se sobre a de 1928, naquele ano sobre a de 1873. No ano passado sobre a de 1941. Em maio de 2024 não há paralelo, não há passado que ajude a ilustrar o nível da destruição. O Estadão Acervo reconta através de imagens e reportagens a história das piores enchentes da capital gaúcha.
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Enchente de 1941
Trecho retirado do Estadão de 4 de maio de 1941 relata os estragos das chuvas e inundações : “o volume dágua continua crescendo, assumindo aspecto ainda mais grave e causando prejuízos materiaes de proporções consideraveis. Pela madrugada de hoje as águas já attingiam a rua dos Andradas, na altura da rua Clara. Os correios e telegraphos e o edifício da municipalidade ficaram ilhados. Todo o caes se encontra submerso. A secretaria da Fazenda e de Obras Publicas, o Palacio do Commercio e o Thesouro do Estado estão alagados. Nos arredores da capital o espectaculo ainda é mais doloroso. A população sente falta de leite, legumes e carne fresca ...”
“As inundações que ora assolam esta cidade somente são comparaveis às verificadas em 1928, assumindo proporções de verdadeira catastrophe, attingindo em cheio milhares de pessoas e causando prejuízos sem conta à economia do Estado...”
O jornal designou um enviado especial para cobrir o agravamento da situação, após mais uma semana de chuvas. Em 13 de maio de 1941, ele escreveu:
" (…) Tivemos opportunidade de realizar uma excursão pelas zonas recobertas, quando a cheia attingia o ponto culminante. Em plena avenida Borges de Medeiros, esquina com a rua Quinze de Novembro, tomamos logar numa possante lancha motor, que num instante nos levou pelo largo da Prefeitura, ruas General Camara e 7 de Setembro, à avenida Julio de Castilhos, navegando pelos fundos do Palácio Municipal e do Mercado Livre (…) Na estação da Via Ferrea, as composições estavam parcialmente submersas e abandonadas; as locomotivas tinham água acima das caldeiras, avistando-se apenas o dorso e as chaminés...”
Em outro trecho, o repórter descreveu o desespero dos moradores nos locais onde a água havia atingido mais de dois metros, famílias tentavam “salvar seus haveres, empilhando-os sobre cadeiras, no alto dos armarios, das mesas, das cadeiras superpostas, amarrando-os até mesmo nos fios de energia electrica (...)”
Enchente de 1928
Trinta mil pessoas foram “obrigadas a abandonar seus lares”, com essa informação a cobertura de 19 de setembro de 1928 sobre a enchente que há dias castigava Porto Alegre. O texto começava falando sobre como a invasão das águas havia assumido “proporções assustadoras”. Como as ruas foram transformadas em “verdadeiros rios”, o serviço ferroviário havia sido interrompido, como uma crise de abastecimento tinha deixado a cidade até sem leite e como as “pessoas antigas” afirmavam que a enchente “era superior à do ano de 1873″.
A edição do dia 22 descrevia o caos que se instalou : ”os que conhecem a situação topographica de Porto Alegre, podem calcular os effeitos terriveis da enchente, transformada logo em verdadeira calamidade para esta capital. A zona mais attingida pela cheia, foi a comprehendida nos arrabaldes de S. João e Navegantes, dois centros dos mais populosos da cidade, ocupados, na maioria, por operarios. Toda essa vasta zona ficou completamente alagada, e, ainda hoje, muitas ruas se acham debaixo d’água (…) “
“(...) ainda hontem uma parte da usina da Companhia de Energia Electrica Rio-Grandense e do Gazometro se encontrava cercada pelas águas. Por isso, ambas deixaram de fornecer, respectivamente energia, luz e gaz, ficando, assim, casas particulares e commerciaes às escuras. A cidade apresentava, em geral, o aspecto tetrico fa noite de ante-hontem, pois poucos combustores publicos permaneciam accesos...”
Enchentes de 2023
Em setembro do ano passado as chuvas colocaram Porto Alegre em alerta. Naquele mesmo ano, em novembro, mais uma cheia histórica foi registrada, o lago atingiu 3,46m, deixando novamente a cidade em situação de emergência. A Defesa Civil calcula que mais de 2 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.
“Estamos trabalhando firme para que a cidade funcione durante este desafio climático”, a declaração do prefeito Sebastião Melo foi publicada no Estadão de 22 de novembro de 2023, na matéria que noticiava os impactos da enchente que Porto Alegre enfrentava.
A cobertura informava que o processo de fechamento das comportas do sistema de proteção contra as cheia havia sido iniciado. Mas ainda sim, diferentes pontos apresentavam alagamentos, como 4º Distrito da cidade, “região que reúne bares, restaurantes e startups.” A comporta de contenção do portão 13, não conseguiu resistir à força das águas e cedeu. As águas refluíam pelo sistema pluvial dos bueiros, a circulação de trens da região foi interrompida, comprometeram o sistema de transporte metropolitano.
Enchente de 1967
A cobertura do Estadão contou como as chuvas intensas na capital gaúcha levaram o caos à cidade. Na edição de 21 de setembro de 1967, matéria da sucursal de Porto Alegre dizia que a situação chegava a ser desesperadora, “com inundações em toda a parte baixa da cidade, mais de um milhar de desabrigados.”
Os temporais também provocaram “um rompimento de 5 metros no asfalto da BR-116, isolando todo o extremo Sul do País, e causaram danos a outras rodovias, deixando sem transportes e comunicação a região da fronteira oeste do Estado.” Com o aumento no volume das águas do Guaíba, o temor rondava a capital gaúcha, o texto informava que faltava “75 cm para que transborde e inunde o centro da cidade, como ocorreu em maio de 1941.”
Nos dias seguintes, novas chuvas. O Guaíba subiu, inundando os armazéns do cais e alagando o centro de Porto Alegre. A matéria de 23 de setembro já apontava para uma estimativa de mais de 3 mil desabrigados e contava que “mesmo com as providencias de esvaziamento dos grandes armazéns, os prejuízos crescem e as casa comerciais do centro da cidade, inclusive os bancos, começaram a construir amuradas protetoras para tentar evitar a invasão das instalações (…)”
>> Estadão - 10/9/1967 e 21/9/1967
Sobre as famílias afetadas e as ações de salvamento dizia que “milhares de desabrigados” haviam sido recolhidos e instalados no pavilhões de Exposição Menino-Deus, e que “o trabalho dos bombeiros tem sido intenso, usando lanchas e rebocadores para evacuar os moradores das ilhas fronteiriças à capital gaúcha, retirando de lá também os animais domésticos.”
No interior do Estado, as chuvas e a lama interromperam as estradas, pontes e pontilhões ruíram e deixaram municípios isolados. A contagem no final de setembro falava em mais de 20 mil pessoas desalojadas.
>> Estadão - 23/9/1967 e 24/9/1967
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