Nas poucas vezes em que havia sido publicada no jornal nos anos 80, a palavra 'centrão' era uma gíria paulistana para designar o centro da cidade. "Perambulei, um dia desses, pelo centrão, à cata de um bar que me disseram maravilhas... Perambular pelo centrão é alfinetar a mais definitiva frustração de todos nós, como exceção dos poetas: a poesia", escreveu Nirlando Beirão no texto "Poesia das ruas" em 5 de julho de 1986.
No ano seguinte, a palavra voltaria a aparecer no jornal. Não mais esporadicamente. Sem poesia nenhuma, e agora com o 'C' maiúsculo, Centrão entraria no noticiário político a partir daquele 1987 para nunca mais sair.
Ainda sem o nome que ficaria consagrado no título, a existência do grupo foi informada na edição de 3 de novembro de 1987 na coluna 'Força dos centristas será testada amanhã' sobre a organização interna da assembleia constituinte que começava a escrever a nova Constituição do País. "Quanto à iniciativa do chamado "centrão" de apresentar um projeto alternativo ao de Bernardo Cabral, se vier a ser rejeitada por Ulysses Guimarães, determinará a obstrução do trabalho pelos integrantes do grupo. Se eles forem mesmo 300, e se estiverem mobilizados amanhã, terão condições de embargar o início das reuniões plenárias", dizia o texto na página 3.
Duas páginas depois, no noticiário, o grupo era chamado ainda por outro nome: 'Moderados são maioria no plenário, acha Fiuza'. "Liderado pelo deputado Ricardo Fiuza (PFL-PE) um grupo interpartidário de parlamentares vai apresentar amanhã, na sessão de abertura do planário da Constituinte, um proposta de alteração do regimento interno permitindo a apresentação de emendas substitutivas ao projeto da Comissão de Sistematização. Segundo Fiuza, esse grupo é majoritário na Constituinte e pretende fazer uma Constituição que reflita o pensamento do povo, que é de centro." "Se o presidente Ulysses Guimarães não colocar a proposta em votação, nós nos retiramos e não haverá quórum para votar mais nada", ameaça o deputado, acrescentando que esse grupo de parlamentares não tem nenhuma vinculação com o Palácio do Planalto."
A alegada independência inicial do grupo em relação ao governo José Sarney, que tentava emplacar o aumento da duração de seu mandato presidencial de 4 para 5 anos, não se sustentou por muitos dias. Ganhando mais adesão e vencendo votações importantes já no início dos trabalhos, o Centrão, como passou a ser formalmente chamado, percebeu que seu poder no plenário poderia trazer vantagens em nomeações para cargos públicos no Poder Executivo.
E o governo Sarney não se acanhava em escancarar como funcionaria a relação com o Centrão: "É fisiologismo mesmo", disse uma fonte da Presidência da República, justisficando que o presidente Sarney terá que se valer de todos os instrumentos a seu alcance para impedir a redução de seu mandato em mais um ano", informava o texto 'Quem prefere 4 anos é meu inimigo". "Nós não podemos manter a permanência dessa situação que eu diria intolerável", afirmou ainda o porta-voz, concluindo que aqueles que participam do governo direta ou indiretamente não podem continuar assim se não têm identidade política com o governo".
"Vou governar com os amigos, prestigiando os que me prestigiam", disse o presidente Sarney a líderes do Centrão que o visitaram no Alvorada, informava a reportagem de Flamarion Mossri na edição de 7 de janeiro de 1988. "No encontro com Sarney, integrantes do Centrão fizeram muitas críticas a ministros e ocupantes de segundo e terceiro escalões, que continuam, disseram eles, favorecendo parlamentares que não ajudam o presidente, muito menos o governo"
Era a instituição da política do "é dando que se recebe". No fim daquele mês de janeiro, a manchete do dia 27 informava que o governo aceitou como definitivo o lema adotado por um dos líderes do Centrão, o deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP). "É natural que o presidente Sarney prestigie mais a sua base de sustentação política", comentou o ministro Ronaldo Costa Couto para justificar as recompensas em cargos de segundo e terceiro escalões para deputados do Centrão que votarem pelos cinco anos. E assim foi.
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