Fernanda Torres venceu como melhor atriz no Festival de Cannes de 1986 com filme de Arnaldo Jabor

Atriz brasileira dividiu prêmio daquele ano com a alemã Barbara Sukova: “Uma injustiça”, nas palavras do crítico de cinema Rubens Ewald Filho. “Fernanda merecia ter ganho o prêmio sozinha”

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:
Fernanda Torres e Thales Pan Chacon em cena do filme "Eu sei que vou te amar", de Arnaldo Jabor.  Foto: Sagitário Produções Cinematográficas

A conquista do Globo de Ouro de Melhor Atriz por Fernanda Torres por sua atuação no filme ‘Ainda Estou Aqui’ não é o primeiro prêmio internacional de prestígio em sua carreira cinematográfica. Em 1986, com 20 anos de idade, ela venceu o prêmio de melhor atriz do Festival Internacional de Cannes, um dos mais importantes do cinema, com o seu papel sem nome em ‘Eu Sei que Vou te Amar’, de Arnaldo Jabor.

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Naquele ano, no entanto, Fernanda Torres dividiu a premiação de melhor atriz com a alemã Barbara Sukova, do filme ‘Rosa Luxemburgo’. “Uma injustiça”, nas palavras de Rubens Ewald Filho. “Fernanda merecia ter ganho o prêmio sozinha”, escreveu o crítico de cinema na reportagem “Valeu por Fernandinha”, que escreveu para o Caderno 2 do Estadão diretamente de Cannes.

Fernanda Torres não pode participar da premiação na França porque estava gravando o remake da novela das oito da Globo, Selva de Pedra, na qual interpretava a protagonista num papel duplo, como Simone e, depois, como Rosana Reis.

“Quem recebeu o troféu, um pequeno broche em forma de Palma, foi o diretor Arnaldo Jabor, das mãos do cantor de rock Sting. Jabor não teve oportunidade de falar na festa, mas depois declarou: “Acho genial, porque é um filme de difícil leitura para os estrangeiros. “Eu Sei que Vou te Amar” não tem os atrativos de um grande espetáculo nem é um filme de festival, quem mais gostou foram as revistas especializadas em cinema, e o público. O trabalho de Fernanda Torres, na minha opinião, foi o melhor do Festival. A única interpretação que não é realista, naturalista. É a interpretação mais delicada, mais culta do festival. O fato dela ser jovem provoca uma loucura ainda maior no personagem. Fernanda é uma Lolita da alma, das palavras.”

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Estadão - 20 de maio de 1986

Notícias sobre a atuação de Fernanda Torres no filme 'Eu Sei que Vou te Amar', pelo qual recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Cannes em 1986. Foto: Acervo Estad

FILME BASEADO EM LIVRO

O próprio Rubens Ewald Filho já havia cantado a bola, um mês antes no jornal, de que o filme brasileiro não tinha o mesmo apelo na Europa como tinha no Brasil, mas fazia questão de exaltar a atuação de Fernanda Torres, “em plena explosão de talento”:

“No Brasil, ele parecia ser uma inteligente e divertida visão do casamento à moda carioca, repleto de frases inteligentes, tiradas engraçadas e uma Fernanda Torres em plena explosão de talento. Mas nas telas de Cannes o filme a que se assiste é outro. Na viagem através do Atlântico, muita coisa se perdeu. Nas legendas, apesar de bem feitas, não passa o humor, a brincadeira, a entonação, a brasilidade. Não foi à toa que o filme foi tão mal recebido pela crítica do festival”.

Assim como ‘Ainda Estou Aqui’, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, ‘Eu Sei que Vou te Amar’ também nasceu de um livro, de autoria do próprio Jabor, que primeiro escreveu o romance e depois o filmou.

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Segundo Rubens Ewald Filho, o reconhecimento ao trabalho de Fernanda Torres “deve ter nascido da habilidade da jurada Sônia Braga, desde o começo empenhada em dar um prêmio ao Brasil.”

ESTRELA DO MUNDO

Na mesma página da notícia da premiação, o jornal publicou o texto “Estrela do mundo, aos 20 anos”, sem autoria, no qual é descrita a breve biografia da jovem atriz, que além da novela das oito ainda estrelava três lançamentos cinematográficos naquele ano.

“Pelo menos por alguns dias, Fernanda Torres vai deixar de ser identificada como a filha de Fernanda Montenegro. Nesse período, aqui e lá fora, Fernanda Torres será comentada como a melhor atriz do Festival de Cannes. Ela acaba de ganhar esse prêmio com seu papel em Eu Sei que Vou te Amar, um filme de Arnaldo Jabor. Fernanda Torre impressionou o júri com sua interpretação de uma moça rica, incumbida de ser uma espécie de símbolo poético e psicanalítico”.

O texto termina dizendo que Fernanda já se comportava como uma grande atriz:

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“Muito antes de qualquer dessas consagrações, Fernanda Torres já se comportava como grande atriz nas entrevistas que dava. Impetuosa e confiante, adquirir técnica ainda não era uma de suas preocupações. Em sua opinião, isso seria apenas uma questão de tempo. Com esse prêmio de melhor atriz em festival internacional de cinema, Fernanda Torres tem até direito de mudar de opinião. Técnica é desnecessária em trabalho de atriz. Pelo menos, segundo os padrões de Cannes.”

Estadão - 21 de maio de 1986

Notícias sobre a atuação de Fernanda Torres no filme 'Eu Sei que Vou te Amar', pelo qual recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Cannes em 1986. Foto: Acervo Estad

Estadão - 20 de maio de 1986

Chamada de capa do Estadão de 20 de maio de 1986 sobre premiação de Fernanda Torres como melhor atriz no Festival de Cannes pela atuação no filme 'Eu Sei que Vou te Amar', de Arnaldo Jabor. Foto: Acervo Estad

EMOCIONADA, RAMBO E SEM TEMPO

Mas o que Fernanda Torres pensava de tudo isso? Na capa do jornal, o Estadão informou numa chamada especial com o título “A emoção de Fernanda Torres” que ela estava na casa da mãe na hora em que recebeu a notícia. “Fernanda, a filha, tão feliz quanto a mãe, mandou um comunicado à imprensa: “Eu falo amanhã, pois estou muito emocionada”.

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No dia seguinte, como prometido, Fernanda Torres falou, como contou a repórter Virgínia Cavalcanti. “Tudo isso é o novo Brasil”, diz ela, carregando os scripts de Selva de Pedra no corredor da Globo. (...) O Jabor me ligou dois dias antes, dizendo que havia um zum zum de que eu poderia ganhar. Não acreditei, achei que era bobagem. E depois, tinha um monte de cenas pra gravar, não é que a Globo não deixe, mas a gente aqui trabalha que nem cachorro, e coincidiu com a ida a Nova York, a transformação da personagem Simone em Rosana, enfim, foi uma lenha para conseguir ir pra exibição”.

A reportagem contou como a atriz tentou encontrar alguma forma de baixar a bola da conquista no dia seguinte ao prêmio.

“Fernandinha passou a segunda-feira zanzado feito tonta, sem conseguir realizar bem que havia ganho essa “coisa tão importante, tão grande”. Conversou com o irmão, no apartamento dele, que é um lugar sossegado, foi ver o terreno onde pretende construir uma casa. Entrou no cinema para ver um filme do Rambo, acompanhou a amiga Débora Bloch até uma exposição de pintura e tentou ao máximo fugir dos jornalistas “pra segurar melhor, senão ia pirar”. Mas acabou batendo no estúdio do Jornal da Globo para dar uma entrevista, meio sem saber como. No fim da noite, fixou-se na idéia que tinha que gravar das oito da manhã às sete da noite do dia seguinte e foi dormir.”

Em outro estúdio da Globo, a mãe Fernanda Montenegro tentava disfarçar a corujice, contou a repórter, elogiou a filha, mas não poupou críticas à TV Globo: “Estamos em estado de euforia com esse prêmio, é claro. Só lamento que uma empresa o porte da Globo, que vai até lucrar com o prêmio dela até mesmo para vender a Selva lá fora, não tenha enxergado que não tinha o direito de impedir esta jovem atriz de ir até Cannes receber seu prêmio. E faço questão de dizer isso publicamente.”

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FERNANDA TORRES POR CAIO FERNANDO ABREU

Veja outras reportagens sobre Fernanda Torres em 1986, entre elas o mini perfil “Duas ou três coisas sobre Fernandinha” feito pelo escritor Caio Fernando de Abreu, que trabalhava no Caderno 2 do Estadão.

Estadão - 17 de abril de 1986

Notícias sobre a atuação de Fernanda Torres no filme 'Eu Sei que Vou te Amar', pelo qual recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Cannes em 1986. Foto: Acervo Estad

NOVELA SELVA DE PEDRA

Estadão - 20 de fevereiro de 1986

Propaganda da novela Selva de Pedra publicada no jornal. Foto: Acervo Estadão

ACERVO

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