Grafites de Maurício Villaça saíram dos muros para a moda e a decoração

Sucesso da arte urbana em São Paulo levou artista a criar a grife Top Grafitti em 1989

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Por Acervo Estadão
Atualização:

No final da década de 1980 o grafite vivia um de seus grandes momentos. Após ganhar as ruas de São Paulo, Maurício Villaça, um dos artistas protagonistas do movimento resolveu levar a sua arte para além dos muros e painéis. O Jornal da Tarde de 7 de setembro de 1989 dedicou uma página inteira para mostrar como os grafites de Villaça foram parar em roupas e objetos de decoração com a grife própria Top Grafitti. Leia a íntegra da reportagem de Bell Ascenso e fotos de Paulo Jantalia.

Jornal da Tarde - 7 de setembro de 1989

Página do Jornal da Tarde de 7 de setembro de 1989. Foto: Acervo Estadão

Grafites de Villaça viram etiqueta de moda e decoração

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O artista Maurício Villaça lança a Top Grafitti, e transfere para o guarda-roupa sua arte em muros.

Bell Ascenso

Aos sete anos, ele já aprontava das suas. Desenhava bisões em paralelepípedos, com zarcão roubado da oficina do pai e os enterrava. Depois, chamava os amigos para “descobrir” os “fósseis-grafitti”. Hoje, aos 37 anos, Maurício Villaça, “artista multimídia”, como ele se define, juntou ao primitivo bisonte mais 1.500 figuras, que saltaram dos muros da metrópole para vitrines de lojas, bancos, o interior de casas e até locais inusitados, como um convento em Vila Mariana.

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A última ousadia de Villaça, porém, nada tem a ver com a perigosa aventura de sair, na calada da noite, com o spray numa das mãos e a máscara de papel cartão, para carimbar os muros da cidade. Os grafites do artista vão invadir o guarda-roupa e o mobiliário dos fãs dessa arte. De olho no mercado de consumo, Villaça lança sua griffe, a Top Grafitti — uma linha de roupas que abrange desde biquínis; cangas, bermudas e camisetas, até sofisticadíssimos vestidos de noite, iguais aos usados pela sinuosa Jessica Rabbit no - filme Uma Cilada para Roger Rabbit. “Será uma produção artesanal”, ressalta.

Os vestidos, superdecotados, serão confeccionados em chintz de nylon, um tecido brilhante e leve. As camisetas e cangas terão as estampas mais conhecidas do artista — perfil de São Paulo com pessoas, frutos, Monalisas, Batmans e pin-ups — e com a ‘garantia de resistir às lavagens. “Este é um segredo guardado a sete chaves”, diz o artista.

Fazer moda, ao contrário do que se possa supor, não é uma novidade na carreira de Villaça. Antes de dedicar-se exclusivamente às artes plásticas, ele atuou, durante 15 anos, como designer têxtil em várias confecções. “Pouca gente sabe que as estampas das sedas de griffes famosas, como as assinadas por Yves Saint Laurent, Pierre Cardin e Kenzo, eram assinadas por mim”, afirma.

Ao investir na art wear — roupas usadas como obras de arte, em edições exclusivas e assinadas —, Villaça confessa seguir os passos de outro grafiteiro famoso, o americano Keith Haring, que já lançou sua etiqueta em vários países, como Japão e Holanda.

Não satisfeito com as intervenções no vestuário, o artista aponta seu spray para estofados, cadeiras e objetos de decoração. Assim, será possível, em breve, sentar-se num sofá com estampas inspiradas na última fase de Matisse, ao lado de uma luminária em jarra pin-up, observando o hipnótico movimento de um eletrografitti, objeto com um motor rotativo de 8 rpm e seis discos com figuras geométricas e círculos concêntricos, que pode ser ligado à tomada de 110 ou 220 v.

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Recém-lançado na Creperie do Center 3, piso Paulista, onde ficará exposto até o final do mês, este objeto-grafitti foi inspirado nas obras de artistas pop, como o norte-americano Roy Liechtenstein, uma das feras da Optical Art.

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Ainda dentro do repertório de optical-grafitti, o artista lança uma coleção de dez cartões postais. Até assumir a forma de artigos de consumo, os grafittis de Villaça percorreram uma trajetória que se insere na própria história desse tipo de arte. De marginal e transgressor nos anos 70, o grafitti figurativo, a partir da década de 80, começou a ser assimilado em outras leituras, passando a freqüentar museus e exposições.

Convidado por Pietro Maria Bardi para integrar a curadoria de uma exposição internacional de grafitti a ser realizada no Masp em 1990, e que viajará por diversos países, o artista também fez incursões pelo mercado editorial. Além de ter publicado nove, livros, entre ensaios e ficção, Villaça coordenou duas obras sobre a arte do grafitti, que serão lançadas pela Editora Bertrand de Lisboa em Portugal e na Alemanha.

Sornada a essas atividades esta a grafitagem dentro das casas de pessoas que procuram o artista, atraídas pelos seus desenhos em murais espalhados pela cidade. “Geralmente são casais jovens, adolescentes e crianças, que se identificam mais com a linguagem do grafitti”, conta.

Motivados talvez por esse obscuro objeto do desejo de possuir em seu habitat signos e símbolos — tal como os homens das cavernas —, não são poucos os que se atrevem a carimbar suas paredes. O industrial Flávio Rebizzi, 30 anos, por exemplo, tem em seu sítio uma varanda “assinada” por vários grafiteiros — como John Howard, Júlio Barreto e outros, além do próprio Villaça, é claro.

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Já o arquiteto Francisco Javier Judas Y Manubens, 39 anos, resolveu decorar a parte nobre da casa com um avião by Villaça sobrevoando a lareira da sala de estar. “Nenhum quadro ou gravura ficava hem naquela saliência”, conta. Também os quartos de seus filhos, Malu, 9, e Tiago, 11, ganharam vários desenhos do artista.

Essa grafitagem doméstica surgiu a partir de um mural que Villaça estava fazendo a pedido de Javier num tapume gigantesco do Banco Itaú, no Centro Empresarial de São Paulo. “Levei as crianças para ver o trabalho dele e elas ficaram fascinadas”, diz o arquiteto. Outra criança premiada com os grafittis de Villaça foi Júlia Audi, de apenas 2 anos. “Foi uma coisa mágica trazer os desenhos para o quarto dela”, diz a mãe, Mônica.

Agora, Villaça estará entrando em todas as casas - pelo menos as dos telespectadores da Rede Globo, através da próxima novela das sete. Sua vida e seus grafittis serviram de inspiração para a criação de um dos principais personagens - Lucas, interpretado por Taumaturgo Ferreira. Não é a primeira vez que o artista invade a mídia televisiva. Seus grafittis Já serviram de cenário para a novela Bebê a Bordo, em 88, e para os do programa Domingo Paulista apresentado por Cacá Rosset, na TV Record.

Um outro cenário criado pelo artista surgiu de uma brincadeira: “Comprei um quebra-cabeças ilustrado com uma paisagem muito boba e não vacilei: grafitei em cima”, conta. Resultado: os quebra-cabeças, alguns até de cinco mil peças, fizeram parte de uma exposição no Masp em 88.

Programador visual do mais recente LP de Rita Lee e Roberto de Carvalho, Villaça diz, com orgulho, que foi escolhido para a resenha de 89 da editora American Artists como um dos mais importantes artistas contemporâneos da América Latina e que “estará na edição distribuída por museus e colecionadores do mundo todo”.

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Não se pode prever quais serão os próximos suportes escolhidos pelo artista para uma camada de spray, pois, como ele mesmo afirma, “o que nos faz viver e criar não é o que temos, mas o que não temos”.

Aqui, as opções e os preços

Quem estiver interessado nas criações de Villaça para decorar a casa ou incrementar o guarda-roupa pode dar uma chegadinha no estúdio do artista, à Rua Peixoto Gomide, 333, apto 103, Bela Vista.

Para não ser pego de surpresa, é bom anotar os preços: Eletro-grafitti (com motor e 6 discos grafitados), NCz$ 500,00; luminárias pin-ups, NCz$ 100,00; grafitti recortado em compensado naval, NCz$ 100,00 a NCz$ 500,00; quebra-cabeça (de 1.000 a 5.000 peças) NCz$ 200,00; cadeira, NCz$ 200; sofás, NCz$ 600,00 (dois lugares) e NCz$ 800,00 (três lugares); camiseta, NCz$ 80,00; canga NCz$ 250,00.

Há também os cartões-postais grafitados a um preço bem mais em conta: NCz$ 3,00. Eles podem ser encontrados na Fluxus, à rua Carlos Petit, 386, Vila Mariana, tel. 544-2008.

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VEJA A GALERIA HISTÓRIA DA PICHAÇÃO E DO GRAFITE EM SÃO PAULO

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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