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Há um século: uma crítica à prática brasileira de trocar nomes de lugares

País vivia surto de batismo de novas cidades e povoados com nomes que não eram os consagrados pela população

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Por Acervo Estadão

A prática de mudar nomes consagrados de lugares para batizá-los com outros, principalmente de políticos e outras pessoas poderosas, foi criticada num texto na seção “Notícias diversas” no Estadão de 21 de outubro de 1924.

Leia a íntegra com a ortografia original da época:

Página do Estadão de 21 de outubro de 1924. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 21 de outubro de 1924

UMA PRATICA ERRONEA

AS MUDANÇAS DE NOMES DAS LOCALIDADES DO ESTADO

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O Senado Estadual consagrou hontem uma parte dos seus trabalhos ás mudanças de nomes, tão frequentes no interior do Estado, em relação aos municipios, districtos de paz e demais circumscripções administrativas ou judiciárias do territorio paulista.

Como foi registrado naquella casa do Congresso, taes mudanças nem sempre se distinguem pelo criterio, sendo sua razão de ser, ás mais das vezes, o intuito de “agradar politicos em destaque ou empregar termos indígenas”. É essa, incontestavelmente, a norma que de ha muito se vem seguindo em S. Paulo, onde abundam as localidades baptisadas com denominações individuaes: Presidente Fulano, Presidente Beltrano, Engenheiro Sicrano, Coronel N. e assim por diante.

E quando se não topa, de prompto, com um nome de político influente, ou quando a concorrencia de mais de um delles, pôe em difficuldades os chrismadores de cidades e villas, então se recorre, de ordinario, a radicaes ou terminações indigenas, de duvidosa etymologia, e se “fabrica” o novo nome, por que ha de passar a ser conhecido o logar velho.

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Vêm então á baila os termos formados de “Ita”, “Tuba”, “Pira”, “Ipa”, “Tinga”, “Ussu”, e meia duzia mais, de vocabulos do guarany. sovadissimos, e que estão longe de exprimir a expontaneidade das denominações que só o consenso das gerações consagra e legitima.

Outra formula expedita que a meude se emprega nessa fabricação onomastica é a juncção do suffixo grego “polis” ao nome de um cidadão qualquer, ou a outro substantivo igualmente inexpressivo, quando não se faz um hybridismo do grego e do guarany, como para o nome de “Itapolis”, com que lamentavelmente se substituiu a velha denominação da cidade de Pedras, evidentemente muito mais poética, pittoresca e... brasileira.

Tão ao arrepio do sentimento da população (frequentemente) saem esses nomes de confecção apressada e extravagante, que o espírito popular instinctivamente os procura corrigir, conservando teimosamente as denominações despresadas, já estropiando as novas ou abreviando-as para o uso corrente, quando delas não póde prescindir de todo.

Assim, pela Noroeste, onde com maior intensidade vicejou a mania referida, ninguém haverá que diga ‘’Albuquerque Lins”, para designar a local a que se deu o nome desse presidente de S. Paulo, mas “Lins”, simplesmente, por ser mais breve e em nada menos expressivo, como nome de logar, do que primeiro. Assim, com Toledo Piza, Com Cincinato Braga, Presidente Tibiriçá, Presidente Alves, Lauro Muller, General Glycerio, e outros, que fazem balanço com as da Sorocabana, Rubião Junior, Cardoso de Almeida, Presidente Prudente, Presidente Wenceslau, Presidente Epitacio. etc., etc., com que se vae transformando certa parte do mappa do Estado numa espécie de catalogo ou calendario de nomes de homens definitiva ou passageiramente celebres.

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É essa uma pratica lastimavel, que das denominações das ruas e largos, das cidades, se vae estendendo para as das localidades e multo bem anda o Senado em condemnar, como o fez na sessão de hontem, pela voz de um dos seus membros.

Mudar uma denominação, quasi sempre tradicional, muito adequada, de um districto, villa, bairro ou comarca, para outra, que nada tem de expressiva e que, como nos casos de nome de gente, tem ainda o inconveniente de ser longa demais, e assim impropria para o uso frequente que della tem de fazer o povo, é dar fraca amostra da faculdade inventiva.

No caso que hontem ocupava a attenção dos senadores, figurava a denominação de ‘Cerradão”, de um districto de Rio Preto, que se pretende trocar pela de “José Bonifacio”. Por se tratar do nome do grande paulista, achou o relator, senador Eduardo Canto, que devia á casa abrir excepção no seu rigor prohibitivo, concedendo permissão para que a substituição se faça.

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Cremos, entretanto, que mesmo nesse caso, andariam melhor o Senado, e o povo do districto do Cerrodão, se conservassem o nome antigo, que não é assim sem significação alguma”, como ali se opinou, na assembléa, mas, ao contrario, designa um aspecto muito conhecido de toda gente de certas regioes brasileiras, e que certamente não se fixou á toa ao bairro em questão.

Ao passo que “José Bonifacio” é que não significa grande coisa como nome de logar. O patriarcha da Independencia foi sem duvida um brasileiro grande entre os maiores que tem existido. Ninguém irá nagar essa evidência. Mas ganhará alguma coisa o renome do Andrada illustre com o emprestimo de dos seus apellidos a um districto de paz do Interior?

Ninguem ousará afirmae semelhante disparate. E enquanto um não ganha na troca, perde o outro, o districto, que cede um nome tradicional, ajustado ao revestimento da sua topographia e bastante suggestivo, por outro, que nenhum título desses apresenta a seu favor.

Estadão - 21 de outubro de 1924

Página do Estadão de 21 de outubro de 1924. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 21 de outubro de 1924

Página do Estadão de 21 de outubro de 1924. Foto: Acervo Estadão

Estadão - 21 de outubro de 1924

Página do Estadão de 21 de outubro de 1924. Foto: Acervo Estadão

Pesquisa, digitalização, tratamento de imagens, transcrição, indexação, redação e edição: Cristal da Rocha e Edmundo Leite.

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