Foi numa manhã de sexta-feira, com chuva fina, que a cidade de São Paulo assistiu, horrorizada, ao seu pior incêndio, no primeiro dia de fevereiro de 1974. Do alto do Edifício Joelma, pessoas se atiravam para fugir das chamas. Os bombeiros lutaram contra o fogo por mais de 10 horas. Mesmo assim o incêndio no prédio deixou 187 mortos, mais de 300 feridos e a lembrança de algumas das cenas mais dramáticas da história da capital paulista.
O Edifício Joelma, no cruzamento da avenida Nove de Julho com a Praça da Bandeira e a rua Santo Antônio, é um daqueles colossos de concreto que fizeram de São Paulo uma das metrópoles mais impressionantes do mundo. Naquele início de 1974, cerca de mil funcionários do banco Crefisul trabalhavam nos 25 andares do prédio que seria rapidamente consumido pelo fogo.
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Cidade traumatizada
“A cidade não vai esquecer tão facilmente o dia 1º de fevereiro de 1974. O paulistano, que por força do seu regime de vida, já deixou de se sensibilizar com as pequenas tragédias do dia a dia, ontem teve que fazer uma concessão ao não poder parar e sentiu que certas palavras gastas do seu vocabulário como pânico, medo e solidariedade readquiriam o seu verdadeiro significado. E que alguns valores geralmente esquecidos voltaram a ter importância. Um incêndio como o de ontem mostra a precariedade da vida em São Paulo. O incêndio alterou toda a vida no centro da cidade...”, dizia o texto “Nas ruas, uma cidade com medo de si mesma”.
O Estadão cobriu todos os momentos da tragédia: o modo como o fogo se alastrou, a luta pela sobrevivência das pessoas presas no incêndio, os atos de heroísmo, o intenso trabalho dos bombeiros que combateram as chamas e realizaram salvamentos por mais de dez horas. Entre os milhares de curiosos que lotavam as ruas do centro, muitos solidários, que paravam para rezar pelos que estavam no Joelma, alguns traziam cartazes pedindo calma aos que estavam no prédio e recomendando que não saltassem.
No dia seguinte, a edição do jornal recontou “A história do maior incêndio de São Paulo”. O esforço de reportagem mobilizou uma enorme força-tarefa do jornal, com 48 repórteres buscando informações e 11 fotógrafos que captaram centenas de imagens da tragédia. A antiga sede do jornal ficava na rua Major Quedinho, a menos de 10 minutos do edifício Joelma, e uma equipe grande conseguiu chegar rapidamente ao local apenas atravessando a pé o viaduto Nove de Julho.
Dentro do prédio
O repórter Sergio Motta Mello conseguiu entrar no prédio, ainda em chamas, por volta do meio-dia e narrou a experiência no texto “Três horas dentro do prédio”:
“No 13º andar do edifício Joelma, ainda em chamas, um relógio de ponto marca as horas: nove e dez. Mas é meio-dia e quinze. Os ponteiros retorcidos e parados do relógio apontam o momento em que o fogo interrompeu seu trabalho - e as vidas das pessoas e funcionários que saltaram para o cimento do pátio, ou então viraram cinzas. Faz exatamente quinze minutos que eu estou dentro do prédio e, sobre o pátio da garagem, antes de chegar aos escritórios carbonizados, mais acima, vejo os que não resitiram e saltaram.” [Leia a íntegra]
A tragédia marcou profundamente a memória coletiva paulistana. A cidade, em choque, parou para acompanhar o drama das vítimas presas no prédio em chamas, o trabalho dos bombeiros no combate ao fogo e nos resgastes, e para lamentar as vidas perdidas.
Psicose do fogo
Enquanto os paulistanos tentavam processar o trauma, a cobertura do Estadão falou sobre “o clima psicológico que envolveu a cidade” após incêndio. O texto falava sobre a “psicose do fogo”, explicava que os psicólogos diziam que, nesses casos, a população vivia ” física e psiquicamente as emoções do sinistro”.
Seguia dizendo que “em incêndios como o de ontem a mobilização é geral, criando a solidariedade da desgraça (…) A curiosidade popular dos primeiros momentos se transforma em angustia e todos querem saber se há parentes ou amigos em perigo (…) no grande incêndio a cidade inteira participa, olhando, comentando, ajudando. O sinistro passa a ser um problema de toda a comunidade...”
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
O incêndio
Por volta das 8h30, as pessoas que passavam pelas calçadas da avenida Nove de Julho e da praça da Bandeira no centro da cidade, notaram a fumaça que saia das janelas do edifício Joelma. O expediente já havia começado para os funcionários do banco Crefisul, que ocupava os 25 andares do prédio, quando um problema com a instalação do ar-condicionado do 12º andar provocou um curto circuito e o fogo que rapidamente se alastrou pelo edifício de salas acarpetadas, com forros de fibra e uma decoração repleta de cortinas e móveis de madeira.
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Em meia hora, as chamas tomaram conta de quatro andares. A alta temperatura e a fumaça tornaram impossível a circulação pelas escadas do edifício. Logo, o pânico e a histeria tomou conta das pessoas. Contrariando as recomendações, alguns se arriscaram e se salvaram usando os elevadores, já que o prédio não possuía escadas de incêndio. Os elevadores foram utilizados até a parada completa do sistema elétrico, o que ocasionou a morte de um ascensorista.
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Lembrança recente
Com a lembrança ainda viva do incêndio no edifício Andraus ocorrido quase dois anos antes, em 24 de fevereiro de 1972 - onde muitos foram salvos por helicóptero, algumas pessoas tentavam subir até o topo do prédio.
Mas o Joelma não tinha heliporto e o calor intenso não permitia que as aeronaves pousassem com segurança no prédio. No caso do Joelma um conjunto de fatores tornou as condições ainda mais desesperadoras, os hidrantes do prédio não funcionavam, as mangueiras dos carros dos bombeiros não tinham pressão suficiente para alcançar todos os andares.
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
Estadão - 2 de fevereiro de 1974
As providências após a tragédia
O laudo pericial do Instituto de Polícia Técnica sobre o incêndio foi concluído em março de 1974, reabrindo o debate sobre a revisão do Código de Obras de São Paulo. Em vigor desde 1934, o código nunca havia passado por um exame que o adequasse às novas condições da cidade e melhorasse seu sistema de prevenção e combate a incêndios.
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