Leia a íntegra do texto de Zuza Homem de Mello sobre John Lennon publicado no Estadão em 10 de dezembro de 1980
Na morte, um silêncio de amor
ZUZA HOMEM DE MELLO
Algumas atitudes de John Lennon, certamente o mais influente letrista da música pop em todos os países do mundo, inclusive os sem proximidade com a língua inglesa, refletem não apenas sua premonição sobre o comportamento de tua geração, como também sua consciência exercida sobre a formação ideológica, moral e política (todos valores extra-musicais), dessa que acabou por se tornar a mais discutida e poderosa classe social do mundo de hoje: a juventude.
Nesse sentido, aquela tão controvertida e chocante comparação dos Beatles com Jesus Cristo já não soa tão absurda anos depois, quando analisada sob o rigor de sua abrangência, isto é, de determinada geração e numa certa época.
Os temas das letras de John Lennon envolvem com a mesma originalidade e penetração o rock pauleira, baladas românticas, verdadeiros hinos sociais ou cançães de puro efeito sonoro, todos eles tão impregnadas da insurreição que representam os Beatles tanto sobre o comportamento do mundo quanto do mais puro e carinhoso amor.
Um amor cuja forma revolucionária foi reverenciada por hipples e artistas, ao mesmo tempo que rejeitava vigorosamente por mentalidades fechadas e preconceituosas. No entanto, o tempo, velho e infalível árbitro dos galileus, foi tornando crível e compreensível até para esses mesmos adversário dos Beatles, e em particular de John Lennon, a nudez e o atos públicos do casal Lennon-Yoko.
Mas os súditos desse gigantesco reinado, o mais populoso do universo atual, o dos jovens, reconhecem que um dos méritos desse seu mentor esá em não deixá-los dependentes de sua orientação para tomar suas próprias decisões, sejam elas sobre o que forem, incluindo pois as do caminho artístico.
Essa sul generis formação indireta que os Beatles em geral, e John Lennon em particular, deram a essa população jovem fortalece e amplia esse afeto desprendido que ele, agora morto, consegue deixar como herança, justificando, assim, plenamente seu retiro musical dos últimos anos, aliás tão claramente descrito na carta de John e Yoko publicada peto New York Times em 27 de maio de 1979, dirigida ao “povo que nos pergunta o que, quando e por que”, e onde afirma que os dez anos anteriores (portanto após o término do sonho) haviam sido de limpeza, reconhecimento das erros, dedicação ao filho Sean, orações, reflexões, compreensão, agradecimento, vibrações, flores... enfim “silêncio, silêncio de amor, não de indiferença”.
O mais chocante na morte desse homem que nunca temeu mostrar-se é ter ela chegado exatamente no momento em que iniciava nova etapa em sua vida, uma fase em que a profana comparação com Cristo parecia transformar-se num vértice de convergência, para uma uma jubilosa aproximação espiritual com esse grande ser do amor, Jesus Cristo. Nesse sentido, a morte abreviou o caminho de John Lennon.
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