Leila Diniz: uma estrela do cinema se diverte na cidade de Marília em 1967

Atriz que brilhou no filme “Todas as Mulheres do Mundo” venceu gincana de rua com moradores, andou de bonde e curtiu piscina de clube no interior de São Paulo

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Por Acervo Estadão
Atualização:
As atrizes Miriam Persia, Maria Helena Dias, Leila Diniz, Liana Duval, Giedre e Glauce Mariana na piscina do Clube dos Bancários, em Marília, no interior de São Paulo.  Foto: Ywane Yamazaki/Estadão

Num fim de semana em 1967, a cidade de Marília, no interior de São Paulo, comemorou o seu 38º aniversário realizando seu segundo festival de cinema. Para isso, convidou várias estrelas do cinema brasileiro. Nem todo mundo que os marilienses esperavam foi. Azar de quem não estava lá. Que não puderam ver Leila Diniz (1945-1972), então com 22 anos, esbanjando simpatia e graciosidade pela cidade junto de outras atrizes e atores, como no momento em que autografou para um menino de oito anos que a seguiu de bicicleta.

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O repórter Dirceu Soares e o fotógrafo Iwane Yamazaky estavam lá e contaram e mostraram no Jornal da Tarde da terça-feira seguinte como foi aquele alegre e divertido fim de semana em Marília. E a foto das atrizes no trampolim da piscina do Clube dos Bancários ficaria para sempre registrada na memória da cidade e do cinema brasileiro.

Leia a reportagem com a grafia original da época:

Jornal da Tarde - 4 de abril de 1967

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Página do Jornal da Tarde de 4 de abril de 1967 sobre o Festival de Cinema de Marília, com a presença de Leila Diniz e outras atrizes. Foto: Acervo Estadão

Lá vão os artistas, num bonde chamado caridade

O FESTIVAL DE MARÍLIA FOI DE LEILA

Texto: Dirceu Soares Fotos: Iwane Yamazaky

O Festival de Cinema de Marília não deu prêmios aos melhores artistas, mas Leila Diniz ganhou um: o troféu de primeira colocada na gincana disputada pelos artistas e rapazes e môças da cidade, na avenida principal. Além desta brincadeira, houve almôços, passeios em fazendas, coquetéis em clubes, recepções, bailes e exibição de cinco filmes, três inéditos na cidade, mas já conhecidos no Rio ou em São Paulo.

O povo, que na sexta-feira esperou os convidados com banda de música e entrega da chave de Marília pelo Prefeito, ficou um pouco decepcionado quando viu que não apareceram muitos artistas conhecidos. Havia gente esperando até por Roberto Carlos e Vanderléa, outros por Mazzaropi ou Adelaide Chiozzo e seu acordeon. Os rapazes da cidade acharam Leila Diniz a mais bonita e Giedre, manequim e futura estrêla, a mais simpática. As môças de Marília ficaram decepcionadas com os galãs. Só apareceu um estreante, Norberto Nascimento, posando o tempo todo de Alain Delon.

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O II Festival de Cinema de Marília ficou em oito mil cruzeiros novos, financiados pela Prefeitura e fêz parte das comemorações do 38º aniversário da cidade. O Cine Clube de Marília, um dos mais atuantes do Brasil, reconhece que não compareceram muitos cineastas importantes. Alega que mandou um rapaz pouco experiente ao Rio e a São Paulo e, apesar de ter convidado gente importante, muitos deram o bôlo. Mesmo a exibição dos filmes sofreu alterações de ultima hora. Tôdas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira, chegou a figurar no programa oficial e lá não chegou. O filme de Fernando de Barros, Riacho de Sangue, só apareceu domingo á noite, pouco antes de sua exibição.

TODOS AO PALCO

Para ver cada um dos filmes — Êste Mundo é Meu, de Sérgio Ricardo, Tôda Donzela tem um pai que é urna fera, de Roberto Farias, A Grande Cidade, de Carlos Diegues, O Anjo Assassino, de Dionisio Azevedo e Riacho de Sangue — os espectadores não convidados pagavam um cruzeiro nevo por sessão. O cine Marília, no centro, ficou sempre lotado. Cada filme foi exibido uma só vez, à tarde ou à noite.

Antes da sessão, os artistas que foram ao festival subiam ao palco e eram apresentados ao público. Estavam lá Maria Helena Dias, Walter Forster, Liana Duval, Glauce Maria, Luis Alberto, Homero Barreto, Norberto Nascimento, Ruth de Sousa, Roberto Ferreira, Leila Diniz, Irene Kramer, Mirian Pércia, Giedre, Fernando de Barros, Mauricio Do Vale, Lola Brah, Aurora Duarte e Sérgio Ricardo.

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SÉRGIO É DE LÁ

Fazia muito tempo que Sérgio Ricardo não ia a Marília, onde nasceu. Tôda hora um conhecido o cercava na rua para cumprimentá-lo. Sábado à noite, quando Sérgio foi apresentar seu filme, pediu aplausos para seu irmão, Dib Lufti, que fotografou e foi o grande colaborador de “Este Mundo é Meu”.

O filme realmente tem uma bela fotografia, principalmente na parte dos sonhos de Antônio Sampaio e no namôro de Sérgio com uma garôta numa roda gigante. — Aqui neste cinema, há vinte anos — disse Sérgio Ricardo — sonhei muitas vêzes em poder fazer filmes algum dia na vida. Hoje estou feliz por projetar nesta tela um dêles. É um filme mal acabado por falta de dinheiro e peço desculpas por isto.

Sérgio já tentou passá-lo no Rio, mas foi logo depois da revolução de 64 e os exibidores acharam que o filme era muito forte, por falar de problemas sociais das favelas. Ficou apenas uma semana em cartaz. Sérgio está pensando na exibição em São Paulo, brevemente. Fol o filme mais aplaudido em Marília.

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No primeiro festival de Marília, em 1962, o Cine Clube distribuiu prêmios ao melhor filme — Cidade Ameaçada, de Roberto Farias. Este ano, o prefeito pediu que não distinguissem filmes, era mais diplomático. Chegou mesmo a pedir aos críticos convidados que não dessem um prêmio especial a Êste Mundo É Meu quando soube que êles tinham esta intenção. O prêmio, por isso, ficou apenas simbólico.

AQUI SE DISCUTE

Os artistas e cineastas convidados ficaram hospedados no Hotel Líder e no Mourama Hotel. Um bonde antigo, adaptado com rodas e motor de caminhão os levava a passeios pela cidade durante o dia. Muita gente vinha vê-los passar e quando paravam, pediam autógrafos.

Na manhã de sábado houve um debate entre os alunos da Faculdade de Filosofia e os cineastas. Um ex-critico paulista, José Julio — que antes falara mal do festival e nem chegou a ser convidado, comparecendo de penetra — tentou dizer que “o cinema fracassava por falta de ajuda do govêrno”, e a discussão ia tomando rumos sem interêsse para os estudantes até que Miriam Pérsia salvou a situação: — Devemos falar de outras coisas como, por exemplo, de educar o publico para ver o cinema nacional.

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Houve aplausos e o debate continuou com Sérgio Ricardo explicando que o ideal seria a fusão das duas linguagens cinematográficas atuais brasileiras — a agreste e a urbana. Disse também que é errado copiar os problemas o a linguagem européia porque temos melhor aqui. Um camelô, por exemplo, sebe fazer mais comunicações de massa que muitos filmes estrangeiros.

Na saída, Miriam Persia explicou por que se saira bem:

— Já fui professóra, sei do que os alunos gastam.

Da Faculdade até o restaurante do Banco do Brasil, no centro, onde a turma almoçava e jantava, o menino Marcelo, de 8 anos, seguiu o bondinho de bicicleta. Olhava muito para Leila Diniz e, na entrada do restaurante deu um jeitinho e pediu um autógrafo.

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— Gosto muito de filme brasileiro disse depois —a gente não precisa ler. Mas a gente quase não pode ir, é quase tudo impróprio.

AQUI SE NADA

Uma visita ao Templo Budista e depois todo mundo na piscina do Clube dos Bancários. Os associados ficaram rondando, nervosos, satisfeitos, olhos muito abertos. Um rapaz disse que tinha ido lá só para ver as atrizes depois de um mergulho na piscina: queria ver se elas, sem maquilage, eram bonitas também.

A novata Claucie Maria, que apareceu em O Corintiano, vendo os fotógrafos, subiu logo numa mesinha perto da piscina. Usava um maiô de duas peças e caminhava sem jeito. Depois vestiu por cima do maiô um vestido de seda leve, mergulhou na água até o pescoço para não molhar o cabelo. Quando saiu, o vestido molhado deu-lhe um ar sensual, e foi muito fotografada. Alguém disse que ela, com as poses que fazia para ser fotografada, deu o toque mundo-cão do festival.

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No domingo, a piscina foi a da fazenda dos irmãos Figueiredo, a 15 quilómetros de Marília, antes de um churrasco e milho cozido, no almoço. Lola Brah botou biquini e tomou multo sol. Leila, a mais esportiva, não se cansava da água, mostrando o corpo moreno. Um grupo de fazendeiros velo pedir para ser fotografado ao seu lado:

— Quero ver a cara de minha mulher quando ver a foto — disse um deles, chamado de Professor.

LEILA VENCE

A gincana foi á noitinha de domingo. Um cordão de Isolamento deixou a rua livre perto da Prefeitura; multa gente queria ver. Dez artistas correram, formando pares com as moças e moços da cidade. A prova consistia em correr de mesa em mesa, distantes dez metros cada uma, e nelas cumprir urna tarefa. Cabia ao rapaz pregar um botão, correr com um ovo numa colher sem deixá-lo cair, comer urna maçã pendurada num barbante sem tocá-la com as mãos e pular corda; á môça cabia dar um nó na gravata do moço e soprar um balão até arrebentá-lo; aos dois, correr dentro de um saco, dançar uma valsa e pegar com a bôca, sem soprar, uma bola de gude dentro de uma bacia de farinha de trigo. Leila ficou em primeiro, Norberto em segundo, Maria Helena Dias em quarto.

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O programa não foi cumprido dentro dos horários, havia sempre atrasos porque tudo era muito pouco espaçado. Com isto, poucos artistas e críticos viram todos os filmes, preferindo gastar o tempo com descanso. Aurora Duarte foi a ultima a chegar, no sábado á noite. Pouco depois, a Camara Municipal fazia uma recepção e os vereadores diziam que “o Brasil espera multo do cinema nacional”.

O festival foi encerrada com um baile de gala no Marília Tênis Clube, traje a rigor. Aqui foram entregues os troféus aos cinco filmes apresentados. Ontem de manhã, a delegação deixava Marília.

O Cine Clube de Marília quer ver se consegue do prefeito a realização anual do festival. Ele anda entusiasmado com sua cidade de 90 mil habitantes e talvez queira fazer o negócio. Roberto Cimino, presidente do Cine Clube e seu fundador em 1952, pensa em fazer um festival mais sério, com resoluções que ampliem as possibilidades do cinema nacional, e não seja apenas passeio de artistas. Na cidade acharam que o primeiro Festival foi melhor, com mais gente de gabarito, e citam o exemplo de Anselmo Duarte, que lá estêve pouco depois de ganhar e Palma do Ouro em Cannes, levando seu filme O Pagador de Promessas.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

ACERVO

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