Mario de Andrade escreveu para O Estado de S. Paulo de 1934 de 1942. Mas foi em 1939 que fez a maior parte de sua colaboração. Naquele ano o escritor estava atuando como professor de Filosofia e História da Arte na Universidade do Distrito Federal no Rio de Janeiro
Seus textos eram publicados aos domingos. Nesse período, além de arte, música, literatura e a vida na universidade, Mario de Andrade aproveitou a experiência no Rio para falar sobre a cultura do Brasil e, para isso, usou o calor, o trânsito, a dança e o futebol.
Na crônica “Brasil - Argentina” (ver abaixo), o escritor faz de um jogo entre Brasil e Argentina uma análise entre culturas. Diante do quarto gol dos hermanos, sentido-se argentino e torcendo por mais, - “quem quizer comprehender-me que me comprehenda, quem não quizer, paciencia” - Mario aproveitou a deixa para elogiar uma cultura que coloca suas principais características no cotidiano. Como fizeram os argentinos com o futebol naquele dia.
Segundo o escritor, a goleada deixou uma lição: “a verdadeira força de um povo, de uma raça é converter immediatamente cada uma de suas iniciativas ou tendências, em norma de seu viver. Os argentinos, desculpe lhe dizer isto com franqueza, os argentinos são tradicionaes”.
Leia abaixo todas as crônicas do escritor publicadas no Estado em 1939.
'Tunica Inconsutil' (8/1): "E não disse senão a menor parte de tudo quanto faz Jorge de Lima o "caso" mais apaixonante da poesia contemporanea do Brasil"
'Música Popular' (14/1): "O verdadeiro samba que desce dos morros cariocas, como o verdadeiro maracatú que ainda se conserva entre certas 'nações' do Recife (...) guardam sempre, a meu ver, um valor folclorico incontestavel"
‘Brasil - Argentina’ (21/1): “Quem quizer comprehender-me que me comprehenda, quem não quizer, paciencia: mas no fim do quarto gol, eu me tinha naturalisado e estava francamente torcendo para que os argentinos fizessem mais uns vinte ou trinta goals”
‘Rezas do Diabo’ (5/2): “Tudo me leva a crer que o assumpto de revolta contra a Divindade, escolhido por Wnceslau de Queiroz para compôr as suas “Rezas do Diabo”, não foi de méra escolha literaria, nem por intuito de escandalizar. Foi sincero”
‘Musica Nacional’ (12/2): “Continuando a iniciativa da Discotheca Publica do Departamento de Cultura, umas tres dezenas de discos novos nos dirão agora da nossa musica erudita e sobre elaa reflectiremos com maior intimidade. O que vae ser muito util para os nossos compositores que se escutam tão pouco”
‘Arte Ensinada’ (26/2): “Quando vim para o Rio, dirigir o Instituto de Artes, a Universidade do Districto Federal, atravessava um periodo de extremo aceptismo a respeito do ensino das artes. Logo me surprehendeu muito agradavelmente a liberdade obtida por alguns professores nos seus cursos”
‘Coreographias’ (5/3): “Da mistura de tudo isso, do carater especial que lhes deram as nossas tendencias e necessidades surgiram dansas, formas e processos choreographicos de inconfundivel originalidade, perfeitamente nacionaes”
‘De uma escola de arte’ (12/3): “Antes de mais nada, uma escola de artes plásticas, a meu ver, ensinaria exclusivamente as artes do Desenho, da Gravura, da Pintura e da Esculptura”
‘Calor’ (19/3): “O callor desmoraliza, desacredita o ser, tira-lhe aquella integridade harmoniosa que permittiu aos suaves climas europeus suas severas noções christanas, sua moral sem subtileza e suas forças de criação. Que se tenha conseguido implantar, neste calor brasileiro laivos bem fortes da civilisação européa, me parece admiravel de força e tenacidade”
‘Linha de côr’ (29/3): “Não quiz, como em geral se tem feito sobre o assumpto, observar a superfície. Não há duvida que por esta superfície poder-se-ia concluir que negros e brancos vivem entre nós naquella paz diluvial em que a corça e o tigre viveram na arca de Noé”
'Quarto de tom' (16/4): "... não se sabendo de um só povo (...) que não tenha empregado sons, em última analyse, reductiveis aos doze sons da escala chromatica fixados pela nossa acustica, tal coincidencia parece determinar que os doze sons que conhecemos são uma fatalidade humana"
‘Centenário de Tavares Bastos’ (20/4): “Além de conductor e principalmente instincto de realisador, Tavares Bastos já physicamente era dirigido para o jornalismo e a oratória parlamentar (...) Mas a meu ver foi o tempo histórico, principalmente, que o deformou na sua qualidade intellectual que era altissima”
‘O Desenho’ (30/4): “O verdadeiro limite do desenho não implica de forma alguma o limite do papel, nem mesmo pressupondo margens. Na verdade, o desenho é ilimitado”
‘Nacionalismo Musical’ (14/5): “O Brasil mandou para Bogotá nosso compositor Lorenzo Fernandes (...) nosso representante realisou lá dois concertos de musica brasileira e, com o seu ‘batuque’ alcançou um dos prêmios da New Music Association of California”
‘Problemas no trânsito’ (21/5): “O Rio me aturde, me empurra, me repudia. Depois de uma primeira experiência, nunca mais andei pela avenida Rio Branco ás 17 horas”
'Tacacá com Tucupí' (28/5): “Mas, a meu ver, onde a cullinaria brasileira attinge as suas maiores possibilidades de leveza e refinamento é na Amazonia”
‘Folclore na universidade’ (4/6): “É uma coisa bastante dolorosa a história do folclore scientifco, sem amadorismo, em nosso paiz. As poucas tentativas de alguns doisdos morrem depressa”
‘Evolução Social da Musica Brasileira’ (11/6): “A musica brasileira, como de resto toda musica americana, tem um drama particular que é preciso comprehender (...) Ella não teve essa felicidade que tiveram as escolas musicais européas (...) de um desenvolvimento por assim dizer inconsciente, ou pelo menos, despreoccupado de sua afirmação nacional”
‘A Musica Religiosa no Brasil’ (18/6): “A musica brasileira egue monotonamente a evolução da musica de qualquer outra civilisação: primeiro Deus, depois o amor, depois... Estamos neste depois”
‘A Musica Brasileira no Imperio’ (25/6): “Sim, com o Imperio, o batuque mystico já não bastava mais para acalmar o nativo consciente de sua terra, de sua independencia, e com os interesses voltados para a posse do seu purgatório”
‘Esta família Paulista’ (2/7): “A Familia Artistica Paulista, colocando seu Salão deste anno sob os auspicios de Candido Portinari demonstra bem sentir o que falta em geral ais seus já optimos tehcnicos: a coragem de criar livremente, o exercício da personalidade”
‘Laforgie e Satie’ (9/7): “Antes de mais nada, fica entendido que eu protesto com muita doçura contra estas aproximações e imaginações de parecença entre artistas de artes differentes”
‘Cecilia e Poesia’ (16/7): “Não saberei dizer o que é poesia, mas desde pouco um dos mais admiráveis poemas de Cecilia Meirelles me chama os ouvidos: É um poema duro, rijo (...) cheias dessa sensibilidade sensual”
‘Do Cabotismo’ (23/7): “O artista completo jamais perderá de vista a ambição de se tornar ou se conservar celebre, e tudo isto é carbotinismo”
'Sociologia do botão' (30/7): "O botão é uma imagem sexual (..) elle está preoccupado com o deficit de casas abotoadas, com botões na imminencia de fugir a possibilidade de encontrar pelo caminho alguma mulher que seja verdadeiramente de botão (...) estamos em plena civilisação do botão"
‘As Cheganças’ (6/8): “A chegança portugueza era uma dessas fórmas musicaes, como o fado ou o nosso lundú, indecisas, oscillando entre a dança e a cança solista”
‘Christãos e Mouros’ (13/8): “No tempo de Gil Vicente as danças de evocação mouriscas estavam muito em uso (...) Quanto à influência do romance de Carlos Magno e os “Doze Pares de França” no theatro popular luso-brasileiro, ella é também constante”
‘Milhões de Gatos’ (20/8): “Era uma dessas obras-primas raras, em que a ingenuidade espontanea, a simplicidade, a poesia e a graça se misturavam numa perfeita fusão”
‘Cavalhadas Dramáticas’ (27/8): “Dos varios Bumbas-meu-Boi que presenciei, amazonicos e nordestinos, só num pernambucano os personagens comicos usavam máscaras. De resto, belissimas, feitas de papelação ou de couro de jumento”
‘Barcas e Fandangos’ (17/9): “Na região paulista de Cananéa, a palavra fandango é mais ou menos synonymo de baile, e recebe um bom numero de choreographias differentes, até valsas”
‘A Chegança de Marujos’ (24/9): “Transportar uma nau no seu cortejo, representar parte do bailado ou todo elle dentro dellas, são costumes tradicionaes da Chegança de Marujos (...) há também alguma coisa que prophetisa a celebração dos trabalhos do mar”
‘O Romance Paulista’ (1/10): “Os paulistas que deram o primeiro e principal brado de alarme na renovação das artes nacionaes, depois de generalisado o movimento dessa renovação, se concentram outra vez na sua bisonhice, digamos, trabalhadeira”
‘Sonoras Crianças’ (8/10): “Quem, a meu vêr, conseguiu adquirir toda esta largueza interpretativa, e nos revelou a criança em mais audaciosa e larga integridade, foi Villa Lobos”
‘Um Inquérito’ (15/10): “Brás Cubas, a meu ver, é uma obra-prima, ‘Quincas Borba’ é uma criação apenas magnifica; mas os dois romances juntos se tornam a obra representativa de Machado de Assis”
‘Francisco Mignone’ (22/10): “Com excepção de Carlos Gomes, e porventura mesmo incluindo o grande cantor do passado, não sei de quem melhor escreva para voz, no Brasil. As canções de Francisco Mignone são de uma vocalidade rara”
‘O Dom da Voz’ (29/10): “Segundo a lição européa das guerras, está mais que provado que os discursos não têm efficacia para ganhar batalhas nem fazer valer o direito dos povos”
‘Artes de Outubro’ (5/11): “Tenho saudades é dos tempos coloniaes que não vivi, senão nas minhas vidas anteriores de que não me recordo bem. Aquella architectura pé de boi, dos tempos em que os architectos não eram criadores de belleza, mas simplesmente de casas boas”
‘Um Poeta Mystico’ (12/11): “São totoos elles uns Antonio Conselheiros ainda no ovo, que a indifferença urbana se esquece de chocar, unicos adeptos da sua Biblia lá delles, ensebada e decoradinha de principio a fim”
‘A Pshyscologia em Acção’ (19/11): “Mas afóra Machado de Assis e o filão descoberto por Lima Barreto, é incontestavel que a nossa psychologia novelistica foi sempre muito precaria”
‘A Pshycologia em Analyse’ (26/11): “Dois apaixonados da vida interior são os srs. Cyro dos Anjos e Graciliano Ramos. O primeiro nos deu um livro desencantado e desabusado (...). O sr. Cyro dos Anjos nos deu, menos que uma anlyse, um exemplar excellente desses voluptuosos de vida interior”
‘Letras Mineiras’ (3/12): “O verdadeiro saber não é mendigo, é ladrão. Escolhe suas occasiões, escolhe suas victimas, e então agarra o que póde, migalha, ou riqueza. É fácil dizer que qualquer dado de conhecimento é útil, mas isto é regra dos dispersivos mendigos”
‘Artes de Novembro’ (10/12): “As manifestações artísticas deste Novembro foram quasi inteiramente abafadas por um acontecimento muito grande: a exposição geral das obras do pintor paulista Candido Portinari”
'Esquina' (17/12): "É chegado o momento de vos descrever minha esquina. Eu moro exactamente na embocadura de um destes igarapés humanos (...) que desembocam na velha e famosa rua do Cattete"
‘Polêmicas’ (24/12): “O romancista José Lins do Rego e o historiador Pedro Calmon, nortistas, resolveram polêmicas sobre o samba carioca. O sr. Lins do Rego louvava o samba e o sr. Calmon o condemnava”
‘Teuto nas Músicas’ (31/12): “O Brasil está se esforçando por abrasileirar as partes germanisadas do paiz, nas bandas do sul”
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