“A extinção da febre amarela é questão resolvida. A solução já foi obtida em Cuba, onde em dois anos erradicaram uma endemia de séculos. Não se trata de um ensaio; de uma experiência, trata-se de fato consumado.” Assim respondeu o médico sanitarista Oswaldo Cruz, ao ser chamado para conter essa moléstia que, junto à peste bubônica e a varíola, no início dos anos 1900, assumia um caráter epidêmico no Rio de Janeiro, então capital da República.
Seu plano de ação era centrado no combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya, zika vírus e da febre amarela. O método responsável pelo bom resultado do trabalho profilático em Cuba em 1902, após uma Comissão do Serviço de Saúde do Exército Americano demonstrar que o mosquito rajado era o responsável pelo mal que grassava pela ilha, foi o mesmo aplicado, também com sucesso, pelo sanitarista brasileiro um depois no Rio.
Até hoje, conter a proliferação do Aedes, eliminando possíveis locais de armazenamento de água é prática indispensável para controlar o surto de dengue vivido atualmente no País. É arma eficaz e necessária, mesmo após a criação das vacinas contra febre amarela e contra a dengue.
A epidemia
Além das milhares de mortes ao ano, a febre amarela também configurava um obstáculo aos negócios e à economia do País, quando Oswaldo Cruz assumiu Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1903, à convite do governo Rodrigues Alves.
O comércio sentia os efeitos da crise sanitária. Investidores evitavam os portos brasileiros, que ficaram conhecidos como “túmulo dos estrangeiros.” A exportação de café, principal atividade econômica do País, foi diretamente atingida. Tanto no seu escoamento quanto na sua produção, com trabalhadores acometidos pela doença e mão de obra estrangeira afugentada.
Estadão- 12/2/1967
Ao jovem médico foram conferidos amplos poderes para sanar os problemas de Saúde e Higiene Pública da capital. Convicto de que ao eliminar os mosquitos conteria a febre amarela, Oswaldo Cruz iniciou sua cruzada contra o inseto, prometendo livrar o Rio da doença em três anos.
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Morte ao mosquito
Muitos na comunidade científica acreditavam que o contágio da febre amarela se dava através do contato com roupas, colchões e secreções dos doentes, Oswaldo Cruz acreditava que acontecia através de um vetor, o mosquito.
Para debelar a epidemia o combate aos focos de proliferação do inseto era essencial. Para isso criou o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela e as brigadas de “mata-mosquitos”. Agentes sanitários, munidos de larvicida, eram encarregados de eliminar os locais e meios onde as larvas do mosquito se desenvolviam.
Estadão - 4/5/1986
Estadão - 5/8/1972
A campanha sanitária envolvia medidas impopulares, como a entrada dos agentes nas residências e a remoção de doentes para o Hospital de Isolamento São Sebastião. Na época a técnica de medicina preventiva aplicada por Cruz estava em seus primórdios. Pouco conhecida, era questionada até mesmo nos meios médicos. O sanitarista não foi poupado de críticas.
Com o apoio do governo, a cruzada contra o mosquito seguiu. Os registros mostram o tamanho da mobilização, todos os 65 mil prédios da cidade foram visitados por seus agentes, três mil casas foram consideradas insalubres e foram condenadas, centenas de construções de madeira podre foram demolidas e milhares de notificações foram encaminhas.
Um ano após o início do plano, a doença mostrou um retrocesso. Em 1903, a febre amarela havia matado 469 de pessoas, em 1904 os meses de verão, com maior incidência da doença, o número de mortes foi 39. De 1850 a 1903 os registros apontam para 58.647 pessoas mortas pela doença e 200.000 casos registrados. Em 1908, 4 óbitos foram registrados e a endemia foi considerada extinta.
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Em 1907, Oswaldo Cruz recebeu a medalha de ouro da imperatriz da Alemanha na Exposição Internacional de Higiene de Berlim. No mesmo ano, o médico enviou um comunicado a Afonso Penna, o novo presidente da República, declarando que a febre amarela não era mais uma epidemia na capital do País.
A missão sanitária de Oswaldo Cruz contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola no Rio foi bem sucedida. Mas, inflexível diante dos custos sociais, acabou sendo estopim para a crise popular e política que estourou na cidade em 1904, a Revolta da Vacina.
Estadão- 25/4/1971
Revista Tagarela
Insuflada por interesses políticos, que iam desde de a desestabilização do governo e deposição de Rodrigues Alves à disputa por verbas ligadas ao combate às doenças, a rebelião durou seis dias e cinco noites.