Música francesa tocada na premiação do Brasil no Oscar e no filme foi proibida pela ditadura militar

Parte da trilha sonora de ‘Ainda Estou Aqui’ tocada na cerimônia de premiação, ‘Je t’aime... moi non plus’ foi acusada de imoralidade e erotismo em 1969

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:
Serge Gainsbourg e Jane Birkin, intérpretes da proibidona 'Je t'aime... moi non plus' Foto: Acervo Estadão

Assim que a atriz Penelope Cruz anunciou ‘Ainda Estou Aqui’ como vencedor do Oscar de Melhor filme Internacional de cinema e o diretor Walter Salles se levantou de sua cadeira sob aplausos para ir ao palco receber o prêmio, começou a tocar no teatro como tema de fundo a música ‘Je t’aime... moi non plus’.

A canção, obra-prima composta pelo francês Serge Gainsbourg e gravada pelo cantor e compositor em 1969 junto com sua então namorada e futura mulher Jane Birkin, faz parte da trilha sonora do filme, na cena em que duas das filhas da família Paiva dançam numa confraternização na casa onde se passa a história do filme.

Além de fazer parte da ambientação da época, a música de Serge Gainsbourg (2/4/1928 - 2/3/1991) tem outro ponto em comum com o filme: a obra também foi afetada pela ditadura militar no Brasil. Foi proibida no País pela censura federal. Em 17 setembro de 1969, o Estadão noticiava “Proibida a canção Je t’aime”:

“A exemplo do que já ocorrera na Espanha e na Itália, a canção ‘Je t’aime, moi non plus’ foi proibida em todo o território nacional pelo coronel Aloisio Mulethaler, chefe do Serviço de Censura e Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal. O coronel mandou apreender todas as cópias da canção nas lojas de discos e responsabilizou a Companhia Brasileira de Discos por não ter providenciado a censura da letra”.

Estadão - 17 de setembro de 1969

Gemidos, suspiros e incredulidade,: “É isso mesmo?”

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Quando os primeiros acordes de ‘Je t’aime... moi non plus’ começaram a tocar nos rádios em 1969, não houve quem ficasse impassível. Com o seu tecladinho e a letra do diálogo de um casal sussurrada, a música é daquelas que pegam na primeira audição. Quando, no meio da música, as falas do casal ficam mais lânguidas e surgem os gemidos da mulher, a incredulidade era geral. Tanto de quem gostou, quanto de quem não gostou a reação era a mesma: “É isso mesmo?” Um clássico.

Além de proibir as cópias nacionais do disco, a Polícia Federal pediu ao ministro da Fazenda, Delfim Netto, que instruísse as alfândegas a a impedir a entrada no País de discos estrangeiros sem que tenham sido aprovados pela censura, pois, segundo o ofício do general Bretas Cupertino, “nos últimos tempos verificou-se um afluxo considerável de discos contendo canções com texto imoral e efeitos sonoros eróticos, o que deve ser coibido”.

Cancelada, censurada e proibida

O incômodo dos críticos e dos censores, no entanto, não estava escrito na letra, que não tinha nada demais em relação a outras músicas de amor mais calientes. O ponto G da questão eram os gemidos realísticos de Jane Birkin nos momentos de êxtase e que não precisavam de tradução alguma para ser entendidos em qualquer língua do mundo. Na Itália, os censores alegaram justamente isso para justificar a proibição: “A letra não chega a ser pornográfica, mas o que irrita são os gemidos e suspiros”.

Notícias sobre a proibiçãoda música'Je t'aime... Mon non plus' Foto: Acervo Estadão

Em nome da família

Na mesma notícia sobre o pedido do general da censura, publicada em 3 de outubro de 1969, o Estadão informava que o presidente da Associação Nacional de Associações Familiais, Sr. Moacir Cardoso de Oliveira, enviou ofício de apoio ao chefe da censura, coronel Aloysio Mulethaler, pedindo que prosseguisse na campanha contra os discos “condenáveis”:

“Congratulo-me com v. exa. em nome da família brasileira pela oportuna medida que vem de tomar no sentido de proibir, em todo o território nacional, a letra musical Je t’aime... Mon non plus, de Serge Gainsbourg e da apreensão dos respectivos discos, cuja difusão viria constituir mais um verdadeiro atentado à moral pública e mais um doloroso elemento de perversão da moral familiar.”

Moacir Cardoso de Oliveira, presidente da Associação Nacional de Associações Familiais - Estadão - 3/10/1969

Ainda que alguns discos fossem tirados de circulação, a tentativa de banir a música não funcionou. A proibição aumentou ainda mais o seu sucesso clandestino, com regravações e versões. Em 1973, um grande anúncio da Air France publicado no jornal brincava com o título da música: “Aproveite o próximo fim de semana para dizer à sua mulher: je t’aime, moi non pluis. In loco.”

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Estadão - 24 de outubro de 1973

Anúncio da Air Francebrincando com o título da música'Je t'aime... moi non plus'. Foto: Acervo Estadão

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Estadão - 4 de maio de 1986

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Página de 1986 com perfil e entrevista de Serge Gainsbourg.  Foto: Acervo Estadão